As viagens de negócios ganharam novos contornos com a estabilização da pandemia e a volta dos grandes eventos e reuniões presenciais. Um estudo realizado pela Global Industry Analysts apontou que as viagens de negócios, domésticas ou internacionais, que compreendem trabalho, hospedagem, alimentação, lazer e transporte, estão entre os principais contribuintes para a economia global – a perspectiva é que atinjam US$ 792 bilhões até 2026.
O impacto do retorno do MICE, sigla internacional que significa Meetings, Incentives, Conferences and Exhibitions, pode ser sentido em várias esferas. Economia, costumes e até mesmo os cuidados com a saúde por conta da disseminação do vírus da Covid-19 estão no radar das empresas e órgãos que conduzem esse ecossistema.
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De acordo com a Abracorp (Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas), o setor manteve seu ritmo de recuperação neste ano e fechou junho com um faturamento de R$ 972 milhões, 15% superior ao mesmo mês de 2019, antes da pandemia. Em comparação com junho de 2021, o aumento foi de 227%.
“Acreditamos que fecharemos o ano 20% acima de 2019. Nossa aposta é que teremos uma receita em alta no segundo semestre, influenciada principalmente pelas passagens aéreas, cuja demanda mantém a tendência de elevação e têm um peso importante no setor como um todo”, afirma Gervásio Tanabe, presidente executivo da entidade.
Os números levantados pela Abracorp em junho ainda trazem que a tarifa média do segmento aéreo nacional foi de R$ 1.128,86, contra R$ 810,53 em 2019. “Um dos principais desafios que o setor de viagens corporativas tem pela frente é exatamente conseguir trazer os profissionais de volta aos eventos e outras atividades presenciais para alcançar um equilíbrio sustentável diante da alta dos custos na atividade”, diz Tanabe.
Uma pesquisa global realizada pela Booking.com em janeiro deste ano com 48.413 entrevistados de 31 países, incluindo o Brasil, aponta caminhos interessantes para essa retomada do turismo corporativo.
De acordo com a empresa de tecnologia que conecta em sua plataforma milhões de viajantes oferecendo experiências, opções de transportes e variados modelos de hospedagem ao redor do mundo, 74% dos brasileiros afirmaram que pretendem estender uma viagem de trabalho para aproveitar um tempo livre visitando pontos turísticos do destino em suas futuras viagens.
Essa junção do turismo de negócios com o de lazer é uma forte tendência neste momento. O chamado “bleisure”, termo que une as palavras business (negócios) e leisure (lazer), já é uma iniciativa adotada por empresas de olho no bem-estar de seus executivos e funcionários que precisam se deslocar.
Prova desse movimento é o aumento da procura pelo Sesc Pantanal como sede de eventos corporativos, principalmente para grandes empresas localizadas no Centro-Oeste. Uma das áreas mais belas do Brasil – e em alta por conta do sucesso do remake da novela da Globo –, a maior reserva particular do país com mais de 108 mil hectares já recebeu até junho deste ano 12 eventos corporativos. Em termos de comparação, somente em 2019, ano que precedeu a pandemia, foram 20 eventos empresariais.
Para o segundo semestre, o local já conta com 17 encontros agendados. “Vemos uma demanda reprimida enorme neste setor. Por estarmos localizados em uma área de fácil acesso e ao mesmo tempo oferecermos um paraíso ecológico, as empresas enxergam um grande atrativo em realizar eventos aqui”, avalia Cristina Cuiabália, gerente de pesquisa e meio ambiente do Sesc Pantanal.
Além de toda a infraestrutura montada para eventos e convenções de grande porte, como auditório para 250 pessoas, três salas equipadas para reuniões e dinâmicas, espaço para shows e hospedagem com pensão completa, a unidade do Sesc monta pacotes de passeios, principalmente os fluviais, de acordo com os cronogramas das atividades corporativas.
“O contato intenso com a natureza nos intervalos dos compromissos profissionais e a possibilidade de proporcionar viagens que unem trabalho e lazer para os seus funcionários é o que atrai as empresas. Afinal, uma viagem corporativa não precisa ser sempre cansativa. Ela pode oferecer uma experiência transformadora para quem frequenta o local”, diz Cristina.
O conceito bleisure pode até mesmo culminar no aumento da produtividade, segundo um estudo da TRVL Lab, laboratório de inteligência de mercado em viagens da Panrotas, e Mapie, que mapeou as cinco atividades mais realizadas pelos trabalhadores que viajam no Brasil. Destes, 85% gostam de visitar restaurantes; 68,99% usam aplicativos para transporte; 53,13% usam o tempo livre para fazer compras; 51,92% preferem visitar shoppings e centros comerciais e 48,56% visitam atrações turísticas locais.
Conexão e segurança
A volta dos antigos hábitos e a escolha das empresas em propor o turismo de negócios a seus colaboradores é um modo de revitalizar o networking e as conexões profissionais.
Um dos maiores escritórios de advocacia do Rio de Janeiro, o Campos Mello Advogados, que conta com 4.500 clientes cadastrados e tem em sua carteira empresas como Eneva, Hyatt, Marriot e 777 Partners, aproveitou o momento para “focar em uma gestão mais consciente das viagens, aproveitamento esses encontros para uma real valorização das conexões presenciais”, segundo Fábio Campos de Mello, sócio administrador do escritório.
Um dos cases mais representativos foi um evento recente nos Estados Unidos, onde 40 integrantes do escritório, que tem com unidades no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Nova York, Londres e Miami, reuniram-se presencialmente depois de tantos encontros remotos da pandemia. “Estavam lá sócios de vários países, e foi nítido o quanto as pessoas aproveitaram o momento não só para conhecer colegas de profissão, mas, principalmente, para criar uma conexão mais forte entre elas. Foi interessante ver as pessoas descobrindo sinergias, gostos e afinidades de uma forma mais natural. A maioria delas só se conhecia por reuniões virtuais”, avalia Mello.
Digitalização
Dados da 11ª Pesquisa de Impacto da Pandemia do Coronavírus nas Micro e Pequenas Empresas, realizada pelo Sebrae e pela FGV (Fundação Getulio Varga), apontam que o turismo foi o setor que mais se digitalizou durante a pandemia.
Atualmente, oito de cada dez pequenos negócios (85%) vendem pela internet, o que posiciona o setor acima da média de empresas dos mais diferentes ramos que comercializam seus produtos e serviços de forma digital, no patamar de 67%.
Para a Onfly, startup que digitaliza o processo de viagens das empresas e que tem a meta de chegar em R$ 1 bilhão transacionado em 2024, o uso de sistemas de gestão de viagens que entregam dados em tempo real ajuda em vários quesitos relacionados ao deslocamento dos colaboradores. “Desta forma, é possível potencializar as rotas de acordo com os roteiros preestabelecidos e, às vezes, até fugir da rota aérea e viabilizar outras possibilidades, como locação de carro ou ônibus”, relata Marcelo Linhares, CEO da empresa.
Diante de tantos índices promissores e da demanda do mercado por encontros presenciais em todos os setores, resta a esperança de que a pandemia dê a esperada trégua definitiva à humanidade e que o aquecimento econômico acelere o segmento de business travel cada vez mais.
Reportagem publicada na edição 99 da Forbes Brasil, de julho de 2022