Menos traumático do que a crise da Americanas (AMER3) deflagrada em janeiro de 2023, o pedido de recuperação extrajudicial da Casas Bahia (BHIA3), anunciado no domingo (28) mostra que o varejo nacional ainda não chegou a águas tranquilas. A rede anunciou um reperfilamento de R$ 4,1 bilhões em dívidas, especialmente debêntures, das quais a maior parte estava concentrada nos bancos Bradesco e Banco do Brasil.
O acordo inclui uma carência de 24 meses para pagamento de juros e de 30 meses para pagamento de principal, e prazo total de amortização de 78 meses, com remuneração de CDI + 1,0% a 1,5% ao ano. Segundo Renato Franklin, CEO da varejista, a recuperação permitirá à rede ter fôlego financeiro para continuar operando.
A decisão não chegou a ser uma surpresa, apesar de boa parte dos analistas de mercado esperar uma solução mais drástica, a recuperação judicial.
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Os investidores gostaram. Na segunda-feira (29), primeiro pregão após o anúncio da recuperação, as ações subiram 32,5%. Após algumas oscilações, os papéis seguiram subindo e encerraram a primeira semana com uma alta de 46%.
“Em um primeiro momento, o anúncio é bastante positivo para o investidor”, diz Lucas Lima, analista da casa independente VG Research. “Entretanto, vale destacar o risco de grande diluição dos acionistas, visto que a operação contempla a possibilidade de os credores optarem pela conversão da dívida em participações acionárias.”
Credores
Na terça-feira (30), Marcelo Noronha, CEO do Bradesco (BBDC4) comentou os resultados do banco no primeiro trimestre, e foi questionado sobre o acordo, já que o Bradesco é um dos principais credores. Sem poder comentar especificamente o caso devido às regras do sigilo bancário, Noronha disse que “nossa exposição a um cliente específico estava provisionada com folga desde o fim de 2023”. Na linguagem fria dos banqueiros, Noronha quis dizer que o Bradesco, parceiro financeiro da Casas Bahia desde 2004, já esperava o pior.
A decisão aumenta o fôlego financeiro da rede varejista. O que os analistas questionam é se será suficiente. Segundo Valter Bianchi Filho, sócio fundador e diretor de investimentos da Fundamenta Investimentos, a recuperação extrajudicial “traz à tona um alerta significativo sobre a intensa pressão competitiva que afeta o setor varejista no Brasil”.
Para Bianchi, os fatores negativos sobre o setor são as taxas de juros elevadas nos últimos anos, a queda da renda e o endividamento dos consumidores e a concorrência de plataformas estrangeiras com propostas de valor incomparáveis, como Amazon e Mercado Livre. “Também há a questão das compras em sites estrangeiros que chegam ao Brasil com vantagens tributárias significativas”, diz ele.
Tendência global
Ele nota que a crise do varejo tradicional é uma tendência global. Grandes plataformas online conquistam espaço no mercado em detrimento dos varejistas que operam principalmente por meio de lojas físicas e vendem produtos padronizados. “Esse episódio aumenta ainda mais a percepção de risco em relação ao setor varejista, que é um dos maiores empregadores do Brasil, ao lado do setor de construção civil”, diz.
O analista afirma que concorrentes como Magazine Luiza (MGLU3) buscaram se modernizar para competir no mercado online, embora sem alcançar a mesma escala da Amazon e do Mercado Livre. “Mesmo assim, Magalu não está imune ao ambiente desafiador para o varejo no Brasil. As perspectivas da empresa estão fortemente ligadas ao rumo das taxas de juros no Brasil, as quais estão intimamente relacionadas à situação fiscal do país e à recuperação do poder de compra real da população”, afirma.
Lima, da VG, também é cético. “Apesar de avaliarmos a notícia como positiva, mantemos uma visão pouco construtiva para a tese de investimento no Grupo Casas Bahia (BHIA3)”, diz ele. “Outros participantes do setor, como o Mercado Livre (MELI34) ou Magazine Luíza podem apresentar uma trajetória melhor no e-commerce”, afirma.
Os analistas avaliam que só terão sucesso as empresas que operarem com estruturas de capital sólidas, evitando altos níveis de endividamento e buscando atuar em nichos que permitam diferenciação no modelo de negócio. “Varejistas do ramo da moda possuem mais diferenciação em comparação com as redes de eletrodomésticos e eletrônicos”, diz Bianchi. “Há players que conseguiram manter uma posição sólida como Renner e Arezzo, embora também estejam sofrendo as consequências da perda do poder de compra dos consumidores brasileiros.”