5 dicas de Stéphanie Fleury para mulheres que atuam em mercados tipicamente masculinos
Sofia Aguiar
22 de outubro de 2020
Vivian Koblinsky
Stéphanie Fleury, cofundadora e CEO da fintech DinDin, é a primeira mulher a vender uma startup para o Bradesco
No final do mês passado, o Bradesco anunciou a compra da fintech DinDin, fundada em 2016 por Stéphanie Fleury. A aquisição foi feita pela nova carteira digital do banco, o Bitz, como parte de um case estratégico da instituição para modernizar a tecnologia e os serviços oferecidos aos clientes. “Queremos conquistar uma fatia entre 20% e 25% do mercado de carteiras digitais no prazo de três anos”, afirmou o presidente-executivo do Bitz, Curt Zimmermann, em comunicado divulgado na época da operação.
A formalização do negócio ainda depende da aprovação do Banco Central e de outras entidades reguladoras. Por enquanto, a empreendedora de 36 anos segue como CEO da DinDin, além de ter acumulado a função de head da área comercial do Bitz. O valor da transação não foi revelado.
Stéphanie é um dos poucos nomes do ecossistema de fintechs não apenas no Brasil, mas no mundo. Um estudo da Bain & Company realizado em parceria com o Linkedln em 2019 apontou que a executiva faz parte dos 3% das mulheres que comandam organizações no país. “Fico extremamente honrada por ter a oportunidade de ocupar uma posição tão importante em uma empresa do tamanho e importância do Grupo Bradesco. Precisamos fazer a nossa parte e permitir que mais mulheres consigam espaços de liderança em prol de um mercado mais diverso e mais bem-sucedido”, diz ela.
A ideia de criar a carteira digital DinDin surgiu em 2015, em Nova York. Quando Stéphanie foi rachar a corrida do táxi com uma amiga, ficou fascinada pelo Venmo, plataforma norte-americana de pagamento online com ares de rede social. Apaixonadas pela praticidade, a empresária e a então amiga e depois sócia, Juliana Hadad, mesmo sem entenderem muito sobre finanças e tecnologia, decidiram criar um aplicativo semelhante. A falta de conhecimento, no entanto, pode ter sido uma vantagem pois, segundo ela, “talvez eu tivesse desistido se soubesse de todos os percalços que iria enfrentar.”
Enquanto desenvolvia o projeto, Stéphanie estudava. Logo que colocou o aplicativo no ar, percebeu que era preciso contratar um cofundador que assumisse como CTO. Assim, Stéphanie e Juliana admitiram Renato Avila como sócio junto com Brunna Beccaro, uma amiga do mercado financeiro entusiasta da ideia desde o primeiro dia.
Como o “projeto de sua vida”, como a empreendedora classifica, Stéphanie quis trazer o modelo do Venmo para o Brasil. A ideia era desenvolver um aplicativo que pudesse fazer transações para os contatos cadastrados no próprio celular, sem a burocracia dos grandes bancos. No entanto, a CEO percebeu que a forma como o modelo era utilizado nos Estados Unidos não ia funcionar para o público brasileiro. Assim, além da conta digital, Stéphanie mudou a cara do negócio, incluindo desde conteúdo exclusivo em blog até cartão pré-pago.
No entanto, no Brasil, passar pela “curva da morte” das startups, ou seja, impedir que um negócio vá a falência, é um grande desafio. Segundo um estudo do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, ao menos 25% das startups acabam em um tempo menor ou igual a um ano. Driblar esse cenário exige, além de inovação e conhecimento do público-alvo, também de uma peça-chave: dinheiro.
Após dois anos construindo sua marca, Stéphanie realizou, em 2018, a primeira rodada de investimentos. Por meio de outra fintech brasileira, a EqSeed, a startup levantou capital de 46 pessoas em apenas 12 dias, captando R$ 600 mil. Stéphanie foi ganhando notoriedade nacional ao ser premiada e representar o Brasil em uma competição da empresa de meios de pagamento Visa para mulheres empreendedoras. Assim, chamou a atenção de grandes bancos e negócios no país.
Desafios estruturais
Segundo o Bradesco, Stéphanie é a primeiramulher a vender uma startup para o banco. Mas quem acompanha sua conquista hoje não sabe o percalços que teve que passar, em especial por ser mulher. Tendo que provar constantemente que merecia o lugar que agora ocupa, a empreendedora lembra que tudo o que mais queria era “ter liberdade, trabalhar e conquistar independência”.
O mercado de fintechs e de investimentos ainda é muito masculino no Brasil e a desconfiança em relação ao seu negócio era, principalmente, causada por seu gênero. Além de driblar o desafio financeiro, Stéphanie conta que, aos 19 anos, quando viveu por dois anos na Jamaica, onde trabalhou como consultora no ramo da telefonia – carreira que estava trilhando –, deparou-se fortemente com o machismo que, mesclado à pouca idade que tinha na época, tornou sua atuação um grande desafio. “Havia uma grande dificuldade em aceitar uma mulher jovem em um cargo alto”, explica. “Mas foi um momento importante na minha carreira, não tem como negar.”
Em meio à necessidade de provar seu valor, Stéphanie ainda trabalhou por seis meses no Vale do Silício até que se viu à beira de um breakdown e sentiu que precisava voltar ao Brasil para um período sabático.
Quando retornou ao mercado, no entanto, Stéphanie percebeu que preferia se aprofundar no setor de eventos do que trabalhar com telecomunicações. “Mas, na época, as pessoas contratavam por experiências na área e não skills”, conta. A empresária, então, decidiu criar sua própria agência de eventos, a +55, uma referência ao código de telefonia brasileiro.
Com o crescimento da iniciativa e novos contratos com grandes empresas, Stéphanie viu que podia gerar renda a partir de seu hobby. “Sempre organizei as viagens dos meus amigos, as idas para shows em outras cidades. Isso virou uma piada, me chamavam de Teti Tour. Então criei uma agência de turismo só para atender às pessoas próximas.” A ideia da DinDin veio na sequência.
Apesar do sucesso, a empresária ainda sente na pele a necessidade de comprovar seu valor e saber se posicionar não só como empresária, mas como mulher. Tal peso extra ainda atrapalha um pouco o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. “Foi preciso muita terapia para entender que as duas são complementares”, conta.
O espaço feminino no mundoempreendedor já apresenta sinais de uma provável mudança. Em 2019, as mulheres representaram 15,7% dos 12 mil empreendimentos mapeados pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups). No entanto, segundo um relatório divulgado pela consultoria Deloitte em outubro, as fintechs fundadas por mulheres levantaram, em média, 50% menos capital nos últimos cinco anos do que aquelas criadas por homens.
Entre o preconceito e os desafios para ascender nos negócios, veja, na galeria a seguir, cinco dicas dadas por Stéphanie para mulheres que atuam em mercados ainda dominados por homens: