“O empoderamento feminino começa pelo autoconhecimento”, diz Mariana Betioli, fundadora da primeira marca de coletores menstruais do Brasil

28 de julho de 2021
Divulgação

Fundadora da Inciclo – criada ainda em 2010 – Mariana sabe que não é possível empreender no setor sem educação sexual

Junto de um grupo de médicos, a empreendedora Mariana Betioli faz suas malas e viaja para Manaus, no estado do Amazonas. Da capital, algumas horas de barco a levam direto ao seu destino final, em meio às comunidades ribeirinhas da região. Diferente de outros voluntários do local, Mariana não é médica ou dentista. Na realidade, formada em administração de empresas e obstetrícia (curso com foco na saúde e no cuidado da mulher antes e durante a gravidez, no parto e no pós-parto), viajou mais de 4.000 quilômetros para falar de um assunto há muito marginalizado pela sociedade: a menstruação.

Em rodas de conversa com as mulheres ribeirinhas, ela explica a anatomia feminina, o funcionamento do ciclo menstrual, a melhor forma de se limpar e, finalmente, como utilizar um coletor menstrual. Fundadora da Inciclo, a primeira marca de coletores do Brasil – criada ainda em 2010 – Mariana ainda faz esse trabalho de conscientização porque sabe que, mesmo em 2021, há muito tabu e desinformação sobre o cuidado íntimo feminino.

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“Quantos buraquinhos a gente tem? Por onde sai o xixi? Isso é o básico, mas são poucas as mulheres que têm essa informação”, explica a empreendedora. “Algumas acham que não vão conseguir urinar utilizando um coletor. Outras, dizem que gostaram do produto, mas que o marido não as deixa usar. Ainda há um grande atraso sobre a autonomia do nosso próprio corpo.” Foi enxergando essa realidade que Mariana entendeu que o trabalho nesse setor precisaria andar de mãos dadas com a informação. “Nós doamos, mas isso precisa ser feito com a educação sexual. Não adianta a pessoa ir à comunidade, jogar um monte de copinho e falar pro pessoal se virar. Assim você não vai ajudar em nada.”

Com palestras e rodas para tirar dúvidas, a empreendedora já fez doações e trabalhos de conscientização em presídios, casas de acolhimento de refugiados, abrigos para vítimas de violência doméstica e para adolescentes das favelas de Paraisópolis e Heliópolis, em São Paulo. “O empoderamento feminino começa pelo autoconhecimento”, destaca. Nas redes sociais, o posicionamento não é diferente. Com 280 mil seguidores no Instagram, a página da Inciclo tem posts explicativos e lives interativas. “Não tem como vendermos um produto sem explicarmos para a mulher o que ela ganha com tudo isso.” E, para Mariana, há um termo que resume bem os ganhos de um coletor menstrual: o bem-estar.

“Não tem nenhum produto químico na composição do nosso coletor. Ele é 100% silicone, um material muito tolerado pelo corpo, além de ser maleável, capaz de se adaptar à parede da vagina”, explica. “Para aqueles que ainda têm dúvidas, o funcionamento é simples: dobramos o coletor e colocamos dentro da vagina. Uma vez lá dentro, ele abre e fica em formato de copinho, bem no colo do útero, por onde sai a menstruação. Ele coleta o sangue por cerca de 12 horas, nós retiramos, lavamos e usamos outra vez. Isso por cerca de três anos, a vida útil do produto.”

Completamente diferente de um absorvente convencional, o coletor diminui o desconforto para ações do dia a dia, como ir à academia, nadar e se exercitar. “A vagina se molda a tudo que estiver dentro dela, sendo assim, ela abraça o coletor e ele fica lá dentro sem risco de virar e vazar”, completa Mariana. Feito com material hipoalergênico, o produto pode ser utilizado por todas as mulheres, com exceção de puérperas em período de sangramento pós-parto.

De certa forma, o copinho é uma solução para diversos incômodos históricos do absorvente higiênico, de papel e plástico. Mas, mais do que isso, Mariana ressalta o bem-estar que muitas mulheres sentem ao entenderem que menstruar não é algo vergonhoso. “O sangue no absorvente tem um cheiro ruim, e as mulheres acham que isso é culpa delas. O que não é verdade. Quando o sangue está no absorvente, ele já está em decomposição, por isso tem um aspecto diferente. Quando ele sai do nosso corpo, não tem cheiro algum. É simplesmente sangue.” Mesmo sabendo que é algo natural, essa associação negativa cria um relacionamento problemático com a menstruação. “O pensamento recorrente é: se algo que representa tantos sentimentos ruins sai de mim, o problema sou eu.”

Com mais conforto, a empreendedora acredita que os coletores representam um grande passo para quebrar essa corrente negativa em torno do assunto. Se não houver desconforto, a menstruação vai, cada vez menos, ser relacionada a algo ruim. Talvez esse seja o caminho para a desconstrução de paradigmas tão negativos em cima de algo tão natural. Para ela, a maior motivação é saber que clientes que antes escondiam o absorvente na cesta da farmácia, hoje sentem-se confortáveis para tirar fotos com o copinho e postar nas redes sociais. “Meu objetivo é mostrar que você pode fazer o que quiser, independente de estar sangrando ou não.”

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O FUTURO É NO COPINHO

Em 2007, em uma viagem para o Canadá, Mariana viu o coletor menstrual pela primeira vez. Em uma época em que a intimidade feminina era um assunto ainda mais velado, ela se surpreendeu com a proposta e comprou um para uso pessoal. “Experimentei, me apaixonei e comecei a pensar naquilo dia e noite. Era uma coisa muito nova. Eu comentava com as pessoas e ninguém tinha ouvido falar”, relembra ela, que já trabalhava como obstetriz. “Mesmo as pessoas da área, que trabalhavam comigo, não conheciam. Eu comecei a pensar: meu Deus, daqui uns anos todo mundo vai usar isso.”

Formada em administração de empresas, Mariana tinha conhecimento para abrir um negócio próprio, mas nunca tinha pensado no assunto até então. Quando escolheu seguir o caminho da obstetrícia, jamais imaginou que empreenderia na área. “Eu conseguia enxergar um potencial muito grande no produto. Além de toda a questão da saúde e da economia, também tinha o conforto. Quando uma coisa funciona na questão conforto, as pessoas se abrem para o diferente”, destaca. Foi assim que, em 2010, com um investimento inicial de R$ 100 mil e muita visão de mercado, a Inciclo nasceu.

No primeiro ano, ainda com poucos clientes, a empreendedora precisava tomar uma decisão importante: seguir com o projeto fazendo mais um investimento ou partir para outra. Para saber se fazia sentido continuar, ela queria ouvir os consumidores. “Eu podia estar vendendo apenas por ser uma boa marketeira, mas não sabia se estava funcionando como produto”, recorda. “Encomendei uma pesquisa para saber o que as consumidoras daquele primeiro ano estavam achando. Ali, descobrimos que cerca de 95% das mulheres já estavam adaptadas e amavam o coletor”. Isso, claro, deu confiança para que a empresa continuasse ativa, em processo de expansão.

Com a produção toda centrada no Brasil – mais especificamente em São Paulo -, do controle de qualidade à logística, o negócio se estruturou rápido. No entanto, foi apenas em 2015 que o primeiro grande salto de vendas aconteceu. Na época, surgiu o previsto boom sobre o assunto que Mariana tanto esperava. O coletor menstrual começou a ser discutido como uma tendência positiva tanto para o bem-estar feminino como para o impacto ambiental.

“Temos cerca de 520 ciclos menstruais na vida. Quantos dias menstruamos? Quantos absorventes usamos?”, questiona a empreendedora. Segundo o Instituto de pesquisas Akatu, essa resposta é assustadora: durante a vida, uma mulher pode acumular cerca de 100 quilos de lixo somente em absorventes descartáveis, sendo que 90% desse material é plástico e demora mais de 400 anos para se decompor. “O impacto ambiental dessa cadeia de produção consegue ser maior do que pensamos. Não é apenas o que jogamos no lixo. Tem ainda as plantações de algodão e o uso de produtos químicos como branqueadores, que poluem os rios, além do desperdício de água no processo”, explica.

De certa forma, os coletores menstruais parecem ultrapassar as barreiras do feminino para representar o futuro de um mercado. Um exemplo disso são os próprios dados de crescimento da Inciclo no último ano. Em meio ao caos da pandemia, a empresa teve outro grande salto de vendas. “Nos últimos seis meses, crescemos 156%”, revela a fundadora. “No primeiro trimestre de 2021, comparado ao mesmo período de 2020, triplicamos o volume de vendas”. Com 70 funcionários e 80% de representação feminina na equipe, o plano agora é expandir e começar a atuar nos Estados Unidos, no Canadá e em outros países da América Latina. Esse projeto de internacionalização, no caso, já recebeu um investimento de R$ 2 milhões – o faturamento anual não foi revelado pela empresa.

Mariana, mais do que ninguém, sabe equilibrar suas paixões: como empreendedora, criou uma marca pioneira que não para de crescer no mercado brasileiro. Como obstetriz, sabe que nada disso teria acontecido sem o investimento em educação. Além das palestras que ministra em projetos sociais, continua dando aulas em cursos de preparação para o parto, amamentação e cuidados com o recém-nascido. Para ela, ajudar outras mulheres é o propósito que escolheu para a vida. “Eu sempre vi o coletor como uma forma de nos comunicarmos com nosso corpo. Percebendo como funcionamos, nos aceitamos melhor. Esse é meu objetivo”, finaliza.

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