Em um final de semana quente em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, as amigas Fernanda Ueno e Carolina Okubo decidiram sair juntas para um bar da cidade. Mais do que o clima descontraído do local, o que elas esperavam curtir, naquele momento, era uma boa cerveja gelada. Compartilhavam o amor pelo lúpulo assim como a origem nipônica de suas famílias, e foi essa coincidência do destino que as fez tirar uma foto na mesa do bar e publicar no Facebook com a legenda: “Japas da Cerveja”.
Conhecidas no mundo cervejeiro – Fernanda era mestre-cervejeira na Colorado e Carolina gerente de produção e controle de qualidade na Invicta -, elas logo começaram a receber comentários na postagem. Entre elogios e pedidos para participar do próximo encontro, algumas interações faziam questão de ressaltar que o grupo “Japas da Cerveja” estava incompleto. Afinal, faltava a presença da sommelier Yumi Shimada e da empreendedora Maíra Kimura – na época, sócia da marca de cerveja 2Cabeças.
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Após muitas risadas, as meninas, que já se conheciam de eventos cervejeiros, realmente começaram a cogitar a criação de um grupo entre elas. Se os colegas da área estavam gostando, por que não aproveitar a onda? “Depois desse post, começamos a conversar e decidimos testar a criação de uma cerveja para celebrar nossa união”, conta Fernanda. “Eu sempre fiz cerveja em casa em panelinhas caseiras. Na época da faculdade, fazia na república. Então, era algo prático para mim. Começamos a conversar sobre ingredientes e fazer testes.”
Os planos não ficaram apenas no papel – ou melhor, nas conversas do Whatsapp. Poucas semanas após a despretensiosa foto na mesa do bar, combinaram de voar até São Paulo, lar de Yumi, para experimentarem, juntas, as cervejas que estavam criando. “Nossos primeiros experimentos não foram escolhas aleatórias. Queríamos ir atrás de ingredientes asiáticos porque essa é uma característica comum entre nós”, explica Yumi. No entanto, embora essa fosse a ideia desde o início, elas não imaginavam que a cerveja de wasabi ficaria tão boa.
O tempero japonês conhecido por sua ardência deu um toque inovador à cerveja, o que fez com que elas se empolgassem para dar mais um passo além na criação. “Fizemos um lote experimental no pub Cervejaria Nacional, em São Paulo. Produzimos cerca de 700 litros e, para nossa surpresa, foi um completo sucesso. Vendemos tudo em apenas dois dias”, diz Fernanda. A experiência foi o bastante para que elas chegassem à uma conclusão: a Japas Cervejaria se tornaria realidade.
DE WASABI A PÉTALA DE JASMIM
Fundada em 2014, a marca investiu em um modelo de produção cigana. As panelinhas caseiras de Fernanda claramente não dariam conta da demanda produtiva de uma cervejaria, então elas decidiram buscar parceria com grandes fábricas. “Funciona assim: nós mandamos nossa cerveja para a fábrica com todos os detalhes, desde receita até rótulo. Eles industrializam, compram a produção da gente e revendem. Além disso, ainda ganhamos uma porcentagem das vendas. Ou seja, todo mundo sai ganhando”, explica Maíra. Nos primeiros quatro anos, a marca aproveitou a estrutura de fábrica da Invicta, onde Carolina trabalhava. Mas, quando a amiga decidiu deixar a empresa para virar DJ, elas acabaram buscando outra estrutura. “Continuamos amigas”, ressaltam, de forma quase sincronizada, ao falar da antiga parceira.
Em 2018, com o fim da primeira fase da empresa, elas mudaram a produção para o espaço da cervejaria Dádiva, onde permanecem até hoje. “Temos um suporte bem robusto em termos comerciais, o que é essencial já que trabalhamos apenas em três e não temos grandes estruturas”, confirma Maíra. Apenas um ano depois, em 2019, as empreendedoras decidiram ultrapassar fronteiras e testar a produção cigana no exterior – mais especificamente, nos Estados Unidos. “Começamos em três estados: Rhode Island, Maine e Massachusetts. Agora, já estamos em oito. Estamos crescendo muito por lá”, destaca a empreendedora. “No momento, temos mais demanda do que produção nos EUA, o que é um problema positivo, de certa forma.”
Quando questionadas sobre a criação de uma fábrica própria, elas revelam certa dúvida. “Sim e não”, diz Fernanda. No entanto, a mestre-cervejeira logo explica o pensamento do grupo sobre a aquisição de um espaço próprio. “Pensamos em ter um pub, inclusive com um espaço gastronômico. Ele pode até ter uma certa produção local, mas não em grande escala como nas fábricas.” Para elas, pensar em construir algo tão grande seria atrasar a expansão geográfica e a diversificação da marca. “Estamos vendendo bem nos Estados Unidos exatamente por conta da produção cigana”, completa Yumi.
Mais do que isso, o modelo de negócio faz com que as sócias possam continuar inovando e testando novos sabores. “Temos nossa linha fixa de cervejas, mas também trabalhamos muito com edições limitadas baseadas em sazonalidade. Às vezes, não funciona comprar ingredientes em grande quantidade, porque aquela cerveja só vai servir por alguns meses do ano”, destaca Maíra. Essa estratégia, além de divertir os clientes e criar burburinho sobre o assunto, faz com que as empreendedoras tenham a oportunidade de testar os gostos dos consumidores. Se uma receita temporária for muito aceita, elas podem pensar na possibilidade de incluí-la na linha fixa.
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“Nossa marca nasceu para mostrar receitas nipo-brasileiras, então, testamos cervejas inusitadas dentro do que acreditamos dar certo. Geralmente, nossa linha sazonal tem ingredientes exóticos e um sabor mais potente. Mais difícil de agradar todo mundo”, explica Yumi. Já a linha fixa conta com os rótulos wasabiru (de wasabi), matsurika (de pétalas de jasmim, talvez a mais suave da lista), oishii (de gengibre) e neko ippa (com sabor super cítrico, é inspirada no famoso gato da sorte japonês, o que elas acreditam que todo mundo esteja precisando após 2020).
No entanto, essa cartela não é a mesma quando se trata dos EUA. “Lá, não vendemos wasabiru na linha fixa, apenas sazonal. Estudamos o mercado e percebemos que não funcionava bem igual no Brasil”, revela Maíra. “Isso gera um movimento legal para a marca. Às vezes, lançamos aqui no nosso país e o público dos EUA pergunta quando vai chegar lá, e vice-versa. As estações do ano são opostas então, se dependemos da sazonalidade, não lançamos na mesma época. Isso gera expectativa, algo muito bom para o marketing”, completa Fernanda.
Mais do que realizadas com esse mercado duplo, as empreendedoras ainda esperam estudar e expandir para Europa e – claro – para o Japão. “Como seria uma cerveja de nipo-brasileiras no Japão?”, questiona Yumi, com humor.
A FORÇA DA REPRESENTATIVIDADE
No Brasil, elas sabem que a ideia funcionou muito bem. “São poucas mulheres asiáticas nesse mercado. Então, tudo que nós fizemos desde o começo foi mostrar nossa essência”, reforça Yumi. O próprio nome da marca, que se apropria do termo “japas” – muitas vezes usado como um apelido pejorativo, chamando todas as pessoas de origem asiática dessa forma – busca transformar o gesto preconceituoso em orgulho de ser de origem nipônica.
De certa forma, pode-se dizer que o público consumidor se apaixonou por essa humanização da marca. Talvez seja por isso que as empreendedoras tenham conquistado tantos fãs ao longo do tempo. “As pessoas acabam se enxergando na gente. Tem fã que compra nossa cerveja, leva no bar mais próximo e faz propaganda de graça dos nossos produtos”, revela Yumi.
Além disso, por conta do design diferenciado da marca, com tons pastel e ilustrações que remetem à cultura japonesa, as empreendedoras revelam já ter ouvido relatos de pessoas que não gostam de cerveja e, mesmo assim, compraram os produtos por admirarem muito a latinha. “Saímos do senso comum do mundo da cerveja. Não estamos apenas em cervejarias e bares. Temos produtos nossos sendo vendidos em restaurantes, floriculturas e lojas de roupas e decoração. É uma marca expansível”, completa Yumi.
Foi pensando nisso que as fundadoras decidiram abrir, no meio da pandemia, uma plataforma de presentes chamada “arigatô”. Nela, elas vendem produtos como camisetas, bonés, chaveiros e bottons com ilustrações típicas da Japas Cervejaria para quem curte a estética da marca. Visando conquistar um público ainda maior, elas também pretendem começar a produzir outras bebidas além de cervejas. Drinks sem álcool, por exemplo, seriam uma sacada perfeita para aumentar ainda mais a popularidade da empresa.
O plano é manter a originalidade – tanto no produto como na latinha, que Yumi desenha como designer. “Sempre conceituamos tudo do zero. Cada cerveja tem uma história, e isso agrada muito os consumidores”, destaca ela. “Fazemos tudo juntas. Temos algumas designações, mas sempre pedimos a opinião de todas”, revela Fernanda.
De um post nas redes sociais, nasceu uma empresa que parece ter sido construída a partir da personalidade de cada uma de suas fundadoras – e isso funciona muito bem. “A Japas é o que a gente é”, finaliza Yumi.
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