À frente do Carlota, em São Paulo, a chef Carla Pernambuco ficou conhecida por fazer uma comfort food com personalidade forte e apuro técnico que mistura elementos internacionais e ingredientes brasileiros – seu suflê de goiabada fez fama e escola. Já foi apresentadora na TV e no YouTube, ganhou prêmios, lançou livros de receita e chegou a ter filiais no Rio de Janeiro. Durante a pandemia, com o salão fechado, lançou uma linha de congelados, passou a prestar consultoria para o restaurante Jacaré, em Trancoso, e voltou-se cada vez mais para o valor das coisas simples (mas com apuro técnico) – até por uma questão de sustentabilidade.
Muita novidade, mas reinvenção é uma palavra que a chef conhece bem. Aos 29 anos, Carla deixou de lado uma carreira na área de comunicação para fazer uma virada na sua vida profissional: se mudar para os Estados Unidos e aprender mais sobre gastronomia – um interesse que nutria desde cedo, pela convivência com uma família de ascendência italiana, uruguaia e portuguesa. E foi só a primeira das suas reviravoltas profissionais.
Depois de um período de três anos em Nova York, fazendo um curso no French Culinary Institute (hoje Institute of Culinary Education), a gaúcha voltou ao Brasil em 1994 já com uma ideia na cabeça: abrir seu próprio café, com comida e ambiente familiares, junto com o marido. “Logo de cara, precisamos nos reinventar”, ela relembra. “Em dois meses, o lugar já tinha virado um restaurante. Tínhamos pensado em um formato, mas o público queria outra coisa. Então tivemos que nos adaptar, mudar de lugar, de cenografia. Foi nosso primeiro teste.”
Passaram-se 26 anos e o Carlota, seu restaurante em São Paulo, se tornou um símbolo do Higienópolis. O bistrô de bairro, como ela gosta de chamá-lo, no começo com 10 mesinhas em um sobrado, construiu uma comunidade e testemunhou momentos marcantes na vida da sua clientela mais fiel. “Sempre pensamos no restaurante como uma extensão da nossa casa. Muitos casais começaram a namorar e até casaram aqui. Vi clientes grávidas na mesma época que eu, que continuaram a frequentar o Carlota com os filhos pequenos e eu os vi crescer, ficarem adolescentes e adultos. É lógico que a gente cria raízes”, diz a chef.
Esse senso de comunidade e solidez, segundo Carla, é um dos motivos que a fazem ser “totalmente realizada” depois de quase 30 anos na gastronomia, acumulando experiências não só como chef, mas também como escritora, consultora e apresentadora.
Prestes a completar 62 anos, a chef se diz desprendida da necessidade de se provar com premiações e títulos. Quer dizer, ela admite que reconhecimento e prêmios são bons – e o restaurante e ela chegaram a ganhar vários no início, como o de “Chef do Ano”, na Revista Gula. Mas ela diz não achar isso o mais importante: “O difícil é fazer seu serviço, abrir suas portas e fazer um negócio funcionar por todos esses anos. Para quem começou ontem, vamos conversar daqui a 26 anos, porque é uma longa estrada.”
A renovação para Carla, inclusive, representa o futuro do setor: “Não adianta só as mesmas pessoas ganharem prêmios. É preciso dar espaço para os profissionais novos. Isso não significa que você precise deixar de existir com relevância.”
A forma como ela enxerga que mantém a posição de notoriedade dentro do mercado culinário é por servir comfort food com personalidade marcante e inovações. “O Carlota não é um bistrô de bairro comum, ele tenta sempre estar à frente. Construímos essa marca criando coisas únicas, o que faz toda a diferença”.
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No cardápio, criações autorais, com ingredientes tipicamente brasileiros e de produtores locais, se misturam a pratos de inspirações internacionais clássicas que nunca saem de moda – pense em filet Wellington, rolinhos vietnamitas e um suflê de goiabada que fez fama e história. “Entre os 10 pratos mais vendidos do restaurante, sempre pelo menos cinco deles são coisas que estão no menu há 26 anos”, conta a chef.
Apesar do sucesso dos clássicos, Carla Pernambuco está sempre apostando em novos pratos todas as semanas e incentiva a equipe a sair da mesmice – especialmente na pandemia, em que adotou este processo de criação para motivá-los. Neste cenário da crise sanitária, a chef também se viu obrigada a aderir ao delivery para sobreviver depois de cinco meses de portas fechadas – e até criou uma linha de refeições congeladas, o Carlota Polar.
Uma forma de manter o DNA do restaurante e se destacar num mercado gigantesco de opções de entregas foi a identidade visual, desenvolvida pelo ilustrador Daniel Kondo, com embalagens coloridas estampadas com caricaturas de Carla e elementos do Brasil. O delivery é algo que a chef quer manter depois da pandemia.
No meio tempo, ela conta que está trabalhando em mais dois livros de culinária – um sobre vegetais orgânicos e agroflorestais e outro sobre formatos de pasta pelo mundo. Eles se juntarão à sua lista de 10 obras já escritas. Entre seus trabalhos de consultoria, que envolvem projetos para grandes empresas como Sodexo e Google, hoje ela está ajudando no desenvolvimento de um novo cardápio do restaurante Jacaré, em Trancoso. E, depois de mais de 10 anos na televisão como apresentadora de programas como “Brasil no Prato” (Fox Life) e “Cozinha Amiga” (TV Gazeta), negocia um retorno no streaming.
Para o pós-pandemia, ela já está convencida: a gastronomia do futuro será bem mais focada no consumo consciente e moderado. “Não adianta querer comer sushi todos os dias, por exemplo, porque não vai ter peixe pra todo mundo”, diz. E nada de criações muito mirabolantes. “O novo luxo é a simplicidade e o artesanato. Precisamos entregar mais com menos”, diz a chef.
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