Em 214 anos de história, o Banco do Brasil tem, pela primeira vez, uma mulher na presidência. A paraibana Tarciana Medeiros assumiu em janeiro deste ano e se tornou também a única mulher à frente de uma das empresas brasileiras da Forbes Global 2000, lista que reúne as maiores companhias de capital aberto do mundo. “O exemplo arrasta. Quando uma mulher conquista sua autonomia e independência, ela mostra para outras que isso é possível”, diz a presidenta – como prefere se referir ao cargo. “É uma palavra que existe. Então, por qual razão não usar?”
Natural de Campina Grande, a executiva teve uma trajetória que define como humilde. Foi feirante e professora antes de passar, há mais de 20 anos, no concurso do BB, onde exerceu diversas funções e chegou ao cargo mais alto. Na época, não sonhava conquistar essa cadeira, mas sabia que educação e dedicação poderiam levá-la ao topo, seja lá onde isso fosse. “Prefiro substituir o verbo sonhar por planejar. Claro que no começo, como feirante, não tinha um plano de ser presidente, mas a trajetória de dedicação, estudo e planejamento me fez estar onde estou.”
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À frente de uma organização com um milhão de acionistas, 85 mil funcionários e que teve lucro líquido de R$ 31,8 bilhões no ano passado, Tarciana quer formar times e lideranças mais diversos – um trabalho que já está sendo colocado em prática. Também quer entregar resultados sustentáveis e consistentes, apoiar empreendedores, promover boas práticas agrícolas e avançar no tema da educação e inclusão financeira. “Podemos, sim, conciliar nossa atuação comercial com uma atuação pública, com benefícios para toda a sociedade”, diz Tarciana Medeiros, que leva o mesmo sobrenome da primeira mulher contratada pelo BB – Emma Medeiros, que trabalhou 30 anos no banco, desde 1924.
Em entrevista à Forbes, a nova presidenta do Banco do Brasil fala sobre sua trajetória, a importância de ocupar essa cadeira e sobre os planos que tem para a organização.
Forbes: Você construiu uma longa carreira no Banco do Brasil. Em algum momento você imaginava ou aspirava ser presidente?
Tarciana Medeiros: Eu, mulher nordestina, sempre tive em minha ‘mainha’ e em ‘titia’ exemplos de força e dedicação. Ser presidente do banco não é algo que eu imaginava que poderia ser quando era feirante, mas foi lá que aprendi o valor do bom atendimento e relacionamento com o cliente. Quando tomei posse no Banco no interior da Bahia, foi uma mudança de estado. Ali, percebi que o Banco poderia me abrir portas para eu ganhar esse Brasilzão. Fui trilhando carreira pelo Centro-Oeste, pelo Norte, pelo Sudeste. E sempre tendo minha família como exemplo. ‘Mainha’ e ‘titia’ me ensinaram que com educação, podemos conquistar o topo, sendo esse topo sempre subjetivo para cada mulher. Mas podemos tudo neste mundo. Elas me ensinaram que estudar tem um poder libertador. ‘Mainha’, me ensinou a não ter vergonha de trabalhar, que todo trabalho é nobre. E ‘titia’ me ensinou a nunca deixar de lado nossas raízes, nossos valores éticos.
Quando você me pergunta se sonhei em ser presidente do BB, eu prefiro substituir o verbo sonhar por planejar. Claro que lá no começo, como feirante, no atendimento a cada cliente, não estava ali um plano de ser presidente do Banco. Mas um plano de que o trabalho e a educação iriam me levar além. E foi justamente essa trajetória de dedicação, estudos e planejamento que me fez estar onde estou, sempre com a ajuda de colegas que estiveram e estão ao meu lado, dando apoio, me ensinando e compartilhando conhecimento.
F: Você é a 1ª mulher a presidir o BB em 200 anos de banco e a única à frente de uma das maiores empresas do Brasil. Qual a importância de ter uma mulher como você nesse lugar?
TM: Toda mulher que ocupa posição de liderança em algum posto na sociedade, tem o poder de ser um exemplo para outras mulheres. Acredito muito que o exemplo arrasta. Quando uma mulher conquista sua autonomia e independência, ela mostra para outras que isso é possível. Então existe esse tom de ser um espelho para outras mulheres. Para além disso, claro, a responsabilidade de liderar o Banco mais sustentável do mundo, o maior parceiro do agronegócio brasileiro, que atua com forte parceria com as micro e pequenas empresas e com grandes corporações. Eu tenho um mantra de gestão, que é ter uma atuação com foco em entregar um Banco para cada cliente, com soluções personalizadas, atendendo os clientes em suas necessidades onde, como e quando eles quiserem. E ser a primeira mulher a presidir o BB tendo esses desafios de gestão me motiva muito, já que sei que não estou sozinha. Estou junto de uma equipe muito dedicada e altamente capacitada de mais de 85 mil funcionários.
F: Ter uma mulher à frente da instituição faz dela mais comprometida com a igualdade de gênero? Em relação a essa pauta, quais são suas metas para o banco a partir de agora?
TM: Eu até falei um pouco disso no meu discurso de posse. A diversidade estará presente como marca dessa gestão no BB. E não vamos ficar apenas no aspecto simbólico da minha nomeação. Por exemplo, já demos novos passos com a nomeação de mais três vice-presidentas no BB: a Ana Cristina Garcia, vice-presidenta do corporativo; a Carla Nesi, vice-presidenta de negócios de varejo; e a Marisa Reghini, vice-presidenta de negócios digitais e tecnologia. Esse movimento também é histórico no Banco. Pela primeira vez, temos quatro mulheres no nosso Conselho Diretor, numa relação de equidade. Mas vamos avançar ainda mais. Esse é o tom da liderança pelo exemplo. Mas o que queremos é que isso se reflita também em todos os cargos de gestão do BB, nas agências em todo o país, em todos os setores da empresa. E não é porque achamos que diversidade é bonito. Até é bonito, mesmo. Mas há diversos estudos que comprovam que a diversidade gera resultados mais robustos e consistentes, realmente sustentáveis. E mais: são resultados gerados que vão além dos números. Eles geram valor para a sociedade, com maior capacidade de inovação e de levar desenvolvimento para todas as regiões.
F: Você viveu situações de preconceito no ambiente profissional? Como driblou isso?
TM: Sim, e acredito que essa ainda seja uma realidade da maioria das mulheres. As mulheres sofrem, em alguma medida, com o que pode ser chamado de barreiras invisíveis ou vieses inconscientes. Durante nossa vida, passamos por diferentes situações e experiências, recebemos informações e conhecimentos que vão sendo armazenados no nosso inconsciente. E, sem nos darmos conta, isso influencia nas decisões que tomamos e em como julgamos as pessoas. Para mudar esse cenário, precisamos criar a consciência de que as pessoas às vezes fazem suposições inconscientes para identificar potenciais pontos de vista enviesados. A minha forma de lidar com isso foi mostrando, na prática, que determinadas visões de mundo de algumas pessoas estavam erradas, mesmo. Mostrei para pessoas muito próximas que eu era capaz de passar no concurso do Banco, há mais de 20 anos. Depois, mostrei que daria conta de gerar bons resultados em cada espaço que ocupei. É uma luta diária. Mas no final das contas, o reconhecimento de que essas tendências ocultas existem é o primeiro passo para conseguirmos neutralizá-las.
F: Você tem usado o termo “presidenta” para se referir ao seu cargo. É uma forma de chamar a atenção para a pessoa que o ocupa?
TM: É uma palavra que existe. É uma flexão de gênero possível no vocabulário da nossa língua portuguesa. Então, por qual razão não usar? Não é que eu queira chamar a atenção, mas o fato é que nos acostumamos, enquanto sociedade, a ter sempre presidentes homens. Quando surge uma presidenta, é isso que chama a atenção. E não eu, a pessoa Tarciana, que quer chamar a atenção. Infelizmente, trata-se de uma atenção gerada diante do fato de que, por exemplo, eu sou a primeira mulher a presidir o BB em 214 anos de história. Veja só: são mais de dois séculos de presidentes sempre masculinos. Quando uma presidenta assume, isso chama a atenção. E que bom que chama a atenção, já que coloca em debate questões de rompimento de barreiras, de vieses inconscientes, para que possamos ter cada vez mais mulheres ocupando cargos de gestão e de liderança em diversas áreas da sociedade.
F: O que você diria para outras mulheres que têm a ambição de serem presidentes de grandes empresas?
TM: Vão atrás dos seus sonhos. Mas, como disse na pergunta acima: busquem trocar o verbo sonhar por planejar. Tenham metas, objetivos, caminhos a trilhar, com os passos sendo dados a cada vez, com capacitação e conhecimento. As mulheres podem tudo, tanto quanto os homens. O Brasil é um país diverso e essa diversidade gera riqueza. Não tenho dúvidas de que cada vez mais as mulheres ocuparão espaços de liderança para a construção de uma sociedade mais forte.
F: O que você ainda quer conquistar, pessoal e profissionalmente?
TM: Quem me conhece percebe que, quando uma pessoa chega para me cumprimentar e diz: “oi, Tarciana. Tudo bem?”, eu sempre respondo: “o que não tá bom, vai ficar”. A missão que assumi, a partir deste ano, é extremamente relevante e desafiadora. Tenho plena consciência disso. E a melhor forma de honrar isso é com o compromisso de continuar a entregar resultados sustentáveis para os nossos acionistas e ser relevante na vida das pessoas, contribuindo para o desenvolvimento do Brasil.
Pessoalmente, quero seguir conhecendo gente. Eu adoro pessoas, conversar, trocar ideias. O Banco do Brasil é feito por pessoas magníficas, sérias, comprometidas, capacitadas. Estar aqui e ter sempre minha família e amigos como referência é o que me realiza. E juntar isso com o fato de buscarmos sempre promover o desenvolvimento da sociedade, de forma inovadora e eficiente me dá combustível para avançar. Temos um milhão de acionistas e continuaremos gerando o retorno adequado ao capital que investiram na empresa, sempre dando retorno social também. Podemos, sim, conciliar nossa atuação comercial com uma atuação pública, com benefícios para toda a sociedade. O Brasil precisa disso. Esses são os meus desejos.