
Depois de 54 dias de expedição em 2021, Aretha Duarte se tornou a primeira mulher negra latino-americana a subir o Everest. Até 2018, apenas 12% das 4.738 pessoas que alcançaram o cume da montanha eram mulheres, de acordo com o Departamento de Turismo do Nepal. “Abri uma trilha onde antes disseram que não era o nosso lugar. Não subi o Everest só com as minhas pernas, mas com as histórias, os silêncios e as resistências de todas nós.”
Nascida na periferia de Campinas (SP), a montanhista passou pouco mais de um ano em uma força-tarefa para juntar os US$ 67 mil, cerca de R$ 370 mil, necessários para embarcar no desafio. Catou latinhas, papelão, vidro, ferro e plástico, em parceria com familiares e amigos, para vender ao ferro velho: foram quase 130 toneladas de materiais. Com venda de rifas, financiamento coletivo, bazar de móveis, brechó de roupas e venda de cotas de patrocínio para empresas, alcançou o primeiro objetivo: conseguiu os recursos necessários para realizar a expedição.

Aretha Duarte embarcou rumo ao Nepal em 1º de abril de 2021, chegou ao cume do Everest em 23 de maio e, em 3 de junho daquele ano, já estava de volta ao Brasil
A escalada, no sentido mais literal, veio acompanhada de grandes desafios. Antes de alcançar o topo do mundo, no dia 23 de maio, há quase quatro anos, ela enfrentou um edema pulmonar, queimadura de córnea e episódios de machismo. “Estar ali era dizer, com o corpo inteiro: nós podemos tudo”, lembra a montanhista, que permaneceu por cerca de 15 minutos no cume do Everest. “Passou um filme de todas as vezes em que me disseram ‘não’, de todas as meninas negras que nunca se viram naquele lugar. Chorei não só pela conquista, mas por tudo o que ela representa.”
Entre o gelo e a lava: a vida por um fio
Aretha Duarte não foi a única brasileira a fazer história no topo da montanha mais alta do mundo. Quatro anos antes, a paulistana Karina Oliani tornou-se a primeira mulher latino-americana a escalar o Everest pelos dois lados: a face sul e a face norte, considerada a mais técnica e desafiadora. “Sinto as mesmas coisas que todo mundo: dá medo e frio na barriga. A diferença é que, na hora que conquisto, sempre quero mais.”

Em 2019, Karina Oliani escalou o K2, no Paquistão, segunda montanha mais alta do planeta – e conhecida como a mais perigosa
Com uma carreira repleta de conquistas e desafios, Karina, que também é médica, entrou para o Guinness Book ao realizar a mais longa travessia em tirolesa sobre um lago de lava. Suspensa a mais de 100 metros acima da cratera incandescente do vulcão Erta Ale, na Etiópia, enfrentou temperaturas de mais de 1.000 °C. “Diziam que eu estava louca, mas eu explico: não faço essas coisas para morrer. Amo a minha vida.” Em 2019, tornou-se a primeira mulher brasileira a escalar o K2, no Paquistão, a montanha que mata um a cada quatro alpinistas que chegam ao topo.
Onde os quilômetros não têm fim
Nas montanhas, a ultramaratonista Fernanda Maciel também entrou para a história ao desafiar limites e quebrar recordes. Foi a primeira mulher a subir e descer correndo em menos de 24 horas o Aconcágua, montanha localizada na Argentina e considerada a mais alta fora da Ásia.
Também bateu o recorde de tempo total (subida e descida) e o recorde feminino de subida até o pico da Pirâmide de Carstensz, a montanha mais alta da Oceania. Ainda foi a primeira a subir e descer em corrida o monte Vinson, montanha mais alta da Antártida. “São distâncias incrivelmente longas. É muito difícil entender como alguém consegue passar 24 horas ou mais correndo. Mas, pouco a pouco, fui acrescentando os quilômetros até descobrir que era capaz”, diz Fernanda, que começou a correr ainda criança – para ir e voltar da escola.
Nesse caminho de altos e baixos, a atleta perdeu a companheira de equipe, Hilaree Nelson, durante um percurso no Manaslu, montanha no Nepal, há três anos. “Ela sempre foi uma grande inspiração para mim, então foi um choque muito grande. Mas a força dela continua me inspirando.”
Na crista de ondas gigantes
Além das montanhas, os feitos de brasileiras também abriram espaço no mar. A surfista Maya Gabeira, hoje aposentada, começou no esporte aos 14 anos e, um ano depois, já sonhava grande: escreveu no diário que queria surfar as maiores ondas do mundo. Não demorou para se tornar uma das maiores surfistas de ondas gigantes do planeta.
Em 2018, fez história ao surfar a maior onda de sua vida até então, de 20,7 metros, e lutar para criar uma categoria feminina de maiores ondas no Guinness Book. “Não tinha ideia de que ali começava uma luta para que as mulheres fossem reconhecidas nesse esporte.”
Em 2020, dois anos depois de conseguir o título, após um movimento nas redes sociais que reuniu mais de 20 mil assinaturas, a surfista quebrou seu próprio recorde de maior onda surfada no ano, por homem ou mulher, ao descer uma montanha de água de 22,4 metros. Até hoje, a onda ainda é a maior já surfada por uma mulher de que se tem registro.
Apesar dos avanços, as mulheres ainda são minoria no esporte. No campeonato Gigantes de Nazaré de 2025, havia apenas 4 mulheres entre os 21 participantes. “Não é um esporte fácil nem para homem nem para mulher. Envolve altos riscos de vida ou lesão, poucas oportunidades e baixa remuneração financeira perto de tudo que se arrisca. Mas o que ele traz de autoconhecimento, experiência e conexão com a natureza, acho que isso é impagável.”
Velejando no fim do mundo
Mesmo fora dos esportes, o oceano também foi palco de uma conquista inédita para as brasileiras. Tamara Klink fez história como a primeira mulher a invernar sozinha no Ártico de que se tem registro. Viveu por oito meses em autonomia ancorada em um fiorde inabitado na Baía Disko, na costa oeste da Groenlândia: foram seis meses presa no gelo, quatro sem ver humanos e três sem a luz do sol.

Antes do período de invernagem, Tamara Klink já tinha feito a Travessia do Mar do Norte em solitário, da Noruega à França, e a Travessia do Atlântico, da França ao Brasil
Entre os desafios vividos, enfrentou temperaturas de -40ºC, caiu na água ao pisar no gelo e desenvolveu alergias ao frio, mas encerrou a viagem com um sentimento de vitória. “Não foi um gesto grandioso. Não houve entrega de medalhas. Não tinha ninguém me esperando no porto com uma faixa para me abraçar e falar ‘parabéns’. Foi uma conquista pessoal e interna.”
Depois de chegar ao topo, elas querem companhia
Apesar de ainda serem minoria em desafios extremos, as mulheres já começam a transformar esse cenário. Cada cume conquistado, onda surfada e travessia solitária abre espaço para outras chegarem. “Cada vez mais tenho visto mulheres correndo em trilhas e vindo para as montanhas. Elas estão se motivando a explorar, a somar mais alguns quilômetros em longa distância”, observa Fernanda Maciel.
Com os caminhos agora visíveis, o que essas pioneiras esperam é multiplicar presenças e permitir que outras mulheres sonhem – e realizem – ainda mais alto. “O meu maior desejo não é ser a primeira, é ser uma de muitas. A verdadeira conquista não é chegar sozinha – é garantir que a próxima geração vá ainda mais longe”, afirma Aretha Duarte.