O desafio do inovador vulnerável

12 de novembro de 2020
Getty Images

Se é possível fazer um trabalho original e incrível quando estamos vulneráveis, por que fugimos deste estado?

Após diversas pausas para ler outros livros, enfim consegui terminar “Coragem de Ser Imperfeito – Como Aceitar a Própria Vulnerabilidade, Vencer a Vergonha e Ousar Ser Quem Você É”, de Brené Brown.

A especialista em conexões sociais, que passou quase duas décadas pesquisando os temas de coragem e vergonha, também fez uma das TED talks mais assistidas de todos os tempos. O tema é a vulnerabilidade, considerada por Brené como antídoto para certos aspectos da cultura organizacional e características de liderança, que são inimigos da inovação.

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Leitura concluída, passei um tempo refletindo sobre a relação entre ser vulnerável e ser capaz de criar algo inédito, que impacta as vidas de muitas pessoas.

São diversos os casos que Brené usa para ilustrar isso, de pessoas que produziram trabalhos altamente inovadores e se colocaram em situações incertas, arriscadas e de alta exposição emocional. Um exemplo citado é o de Leonard Cohen, que escreveu “Hallelujah”, uma de suas canções mais belas, quando estava na pior fase de sua carreira. Cohen aceitava que há imperfeição em tudo – mas isso é o que traz possibilidades.

Outro caso é o de Marina Abramović, artista que inova ao se mostrar, com propostas totalmente inéditas como a de “O Artista Está Presente”, exposição realizada em 2010 no Museu de Arte Moderna, em Nova York. Por três meses, Marina se expôs pessoalmente ali, em frente a centenas de pessoas, convidando-as a trocar olhares por alguns instantes em silêncio, em uma forma totalmente inovadora de ter a experiência da arte.

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Se é possível fazer um trabalho original e incrível quando estamos vulneráveis, por que fugimos deste estado?

Quando se trata de uma inovação menos poética, é seguro dizer que nem todos os projetos que causam impacto na sociedade envolvem uma exposição emocional como a de Cohen ou Marina. Por outro lado, o ato de realizar coisas novas pode produzir uma trajetória de enfrentamento. E, segundo Brené, isso inclui o impulso visceral de buscar ocultar, por vergonha, o que mais nos conecta com o outro: nossas fragilidades, tristezas, limitações.

Adicione a este caldo fenômenos do sistema baseado em vergonha descrito pela autora, frequentemente visto no mundo do trabalho: culpabilizar colegas, fazer fofocas, estabelecer clubinhos, praticar favoritismos, perpetrar abusos de diferentes naturezas.

Pensando em como isso ocorre em uma esfera individual, podemos citar o auto-boicote e a forma como fomos ensinados a manter uma certa distância um do outro, a fim de apresentar uma certa imagem, de competência, autoridade, de ser super-alguma-coisa.

Paradoxalmente, isso tudo resulta no que gestores querem evitar a todo custo: a falta de engajamento, de capacidade de criar e executar, culminando na inabilidade de entregar inovação. A possibilidade de sentir vergonha, e de ter a subsequente rejeição, nos coloca em modo de fuga, ou de combate. Nenhum dos dois é bom para organizações que querem avançar, e nem para os indivíduos que querem inovar.

Na tentativa de projetar perfeição, inteligência ou força a fim de obter a admiração em tempos incertos, líderes que buscam formas inéditas de impactar muitas pessoas positivamente – ou seja, inovar – estão diante de uma encruzilhada entre a onipotência e a vulnerabilidade.

Líderes que professam ter todas as respostas correm o risco de soar inautênticos e disseminar as armadilhas mencionadas anteriormente. Por outro lado, o inovador vulnerável, que expõe, examina e endereça suas próprias limitações pode disseminar, por exemplo, a cultura do perdão. Isso não significa tolerância a erros, mas uma mentalidade paciente, que dá chances para recomeçar e encoraja o desenvolvimento do grupo. Entra aí a oportunidade de nutrir a confiança e resiliência, itens no topo do checklist do mundo novo que tanto almejamos.

O que inovadores têm a ganhar ao se mostrarem vulneráveis em um cenário atual de rápida mudança, afinal? Suas audiências – seja uma empresa, repartição pública, organização social, município, estado ou país – os verão como seres humanos. As pessoas se sentirão mais próximas, mais propensas a contribuir com ideias, construir pontes, trabalhar produtivamente.

Para uma cultura acostumada à superficialidade, hipocrisia e o “fruto fácil de colher”, tornar-se vulnerável pode ser desconfortável, desafiador e um tanto trabalhoso. Mas o resultado é a contribuição real para uma mudança sistêmica na sociedade, pela qual não podemos mais esperar.

Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.

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