Há algumas semanas, deparei-me com o Sound of Colleagues, website criado por designers suecos com sons de escritório que inclui o burburinho de pessoas trabalhando juntas, o barulho da impressora, da máquina de café, da digitação do colega ao lado. No momento em que escrevo esta coluna, mais de 1,6 milhão de pessoas tinham usado os sons disponíveis no site como forma de simular um ambiente de trabalho no espaço doméstico. Um tópico no Reddit sugere alertas por e-mail para substituir interações como “posso fazer uma pergunta rápida?”, aquela interrupção clássica que requer um desvio mental considerável e outrora vista como um dos terrores do escritório.
Estas são estranhas e melancólicas odes digitais ao convívio no escritório, que deixou uma enorme lacuna na rotina de muitos trabalhadores remotos desde a adoção massiva do home office causada pela Covid-19. Além de desafios impostos pelo trabalho remoto como o aumento das tarefas no contexto familiar e o estresse causado pela hiperconectividade, a solidão causada pela privação do trabalho in loco é um dos diversos efeitos adversos da pandemia. Mas as consequências desse declínio nas condições de saúde mental vão além das esferas individual e familiar – e líderes estão tendo que achar formas inovadoras e sustentáveis de enfrentar isso.
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Diversos estudos já mostraram que sentir-se só e desconectado de outras pessoas são indicadores de morbidade tão sérios quanto hábitos como consumo excessivo de álcool ou tabagismo. O que ainda não foi tão estudado é o impacto da solidão na performance profissional, mas algumas pistas têm surgido. Segundo o relatório Future of Jobs 2020, publicado pelo Fórum Econômico Mundial no fim do mês passado, 78% dos líderes globais consultados acreditam que os modelos remoto ou híbrido, em que trabalhadores vão ao escritório algumas vezes por semana, terão impactos negativos no resultado do trabalho.
Uma das frases que mais escuto em observações triviais no início das conversas diárias por telefone ou videoconferência é “não aguento mais essa situação”. Essa constatação tende a vir de profissionais que operam de forma remota há mais de sete meses e que apesar de apreciarem alguns aspectos do home office, já conhecem bem os reveses do modelo.
Muitas destas pessoas tinham se conformado com esse arranjo sob a impressão (ou ilusão?) de que seria temporário e que, de alguma forma, voltariam para a vida no escritório. Em seus discursos, a maioria dos líderes parece partilhar dessa esperança, mesmo que para daqui a alguns meses.
A realidade é que a vida segue para organizações atualmente remotas, apesar de todos os desafios. Diversas empresas não devem voltar a seus espaços físicos nos próximos meses, e outras tantas já entregaram as chaves de seus escritórios. A volta à uma “normalidade” nas rotinas de trabalho do passado passa a ser uma possibilidade cada vez mais remota.
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À medida em que uma segunda onda de infecções pelo coronavírus se alastra pela Europa e certos estados brasileiros registram alta nos casos, uma das discussões mais frequentes no mundo corporativo é o futuro dos escritórios. O debate é multifacetado, mas em uma situação que parece se encaminhar para o phygital – em que pessoas que um dia trabalharam juntos não se veem há meses e outras nunca se encontraram, ao passo em que alguns trabalham no escritório de forma permanente ou intermitente – a liderança está sendo testada.
A consultoria McKinsey aponta para uma emergência de culturas diferentes, em que uma parte da força de trabalho opera remotamente, enquanto outra permanece no escritório. O resultado é uma situação em que equipes que trabalham no ambiente do escritório são favorecidas em detrimento da remotas. Isso aparece em diversas situações como deliberadamente não fazer videoconferências para não incluir quem está em home office nas decisões, usar quadros físicos ao invés de ferramentas como Miro para colaboração, e de formas mais objetivas, como promoções e projetos de maior visibilidade sendo ofertados a quem “bate ponto” no escritório.
Entre outras consequências, a consultoria diz que isso pode contribuir para um sofrimento mental maior. Neste ponto, acrescento que pode também exacerbar problemas enraizados mundo corporativo (seja no universo startupeiro, ou entre as empresas ditas tradicionais), como uma cultura e políticas de desenvolvimento de carreira que são inviáveis para mulheres com filhos, e que foram amplificadas com o home office.
Nesta nova configuração do trabalho, a McKinsey alerta que líderes terão que buscar formas mais inovadoras de mostrar suas capacidades ao lidar com uma força de trabalho híbrida. As formas de interação serão diferentes a depender da situação destes times, e espaços de decisão precisam incluir pessoas remotas – não só por uma formalidade, mas para aumentar a confiança e a coesão necessárias para o trabalho em equipe.
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Em um cenário em que a saúde mental dos colaboradores sofre e marcadores socioemocionais importantes desaparecem no ambiente de trabalho digital, o líder inspirador se torna cada vez mais necessário – e estas pessoas terão que recorrer à inovação para garantir a segurança psicológica de suas equipes e, consequentemente, resultados. Isso significa educar-se constantemente e olhar para alternativas não-óbvias para endereçar dores, dessa vez dentro de casa.
Além de um estilo reinventado de gestão, gestores precisarão investir muito mais em seu “capital humano”, com ações como treinamento para garantir que a força de trabalho consiga operar em um cenário em que dados e automação são cada vez mais proeminentes, adotar métricas baseadas na tríade ambiental, social e governança (ESG) e assumir responsabilidade por identificar novas necessidades das pessoas, bem como saná-las. Para além da oferta de aulas de meditação online e culinária, mimos ou mobiliário de escritório, o “próximo normal” trará demandas cada vez mais complexas e a oportunidade para líderes de fazer algo diferente – e todos estarão observando as respostas.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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