E esse ainda não foi o salto derradeiro. As empresas apenas começaram a endereçar as questões de uma nova realidade de mercado. Na Deloitte, a maior operação de consultoria no mundo, metade do faturamento no país vem de frentes que não existiam seis anos atrás.
São ofertas voltadas à transformação digital e às demandas do stakeholder capitalism, em que emerge a agenda ESG (do inglês, ambiental, social e governança). Na toada do crescimento, as grandes consultorias aceleram a globalização de suas operações, ao passo que se especializam nos desafios de mercados locais. É a tônica de um mundo em que está mais difícil para os negócios passarem incólumes às crises econômicas e às frequentes ondas de disrupção nas mais diversas indústrias.
Diante dessa revolução, o mercado mundial de consultoria deve crescer a um ritmo médio de 10% ao ano, o que elevaria as cifras do jogo para US$ 1,3 trilhão em 2026, de acordo com a Statista. “A consultoria não é mais só um prestador de serviços, é um parceiro de negócio. Com isso, precisou assumir os riscos dos projetos”, explica João Gumiero, sócio-líder de market development da Deloitte. Com os riscos, sobem também os ganhos.
O Brasil no radar
Em 2022, a Oliver Wyman elegeu a operação brasileira como uma das prioridades globais. A decisão seguiu um ano de crescimento recorde no país, onde concentra sua atuação nos setores financeiro, telecomunicações e em agenda climática. “À medida que o open banking se estabelece, precisaremos desenvolver modelos de crédito melhores e ajudar clientes a ganhar competitividade”, reflete Ana Carla Abrão, líder da companhia no Brasil, sobre as demandas locais. O equilíbrio da participação de diferentes setores da indústria na economia diferencia o país entre os emergentes, pondera Rodrigo Cambiaghi, líder de consultoria da EY na América Latina Sul. E o mais importante: é um mercado de custo acessível.
A nova fronteira logística
Esses pontos podem favorecer o Brasil na reorganização da cadeia de suprimentos global. Análises da Bain & Company sobre esse cenário têm apontado para o surgimento de dois blocos: um liderado pela China e o outro, pelos EUA. No Ocidente, o Brasil atrairia investimentos para fortalecer uma indústria próxima desses mercados consumidores, reflete Alfredo Pinto, diretor da consultoria na América do Sul. “Existe uma conversa sobre a evolução das cadeias regionais e discussões com empresas norte-americanas sobre como mover as operações da Ásia para o Brasil”, afirma Rodrigo Cambiaghi.
A necessidade de se reinventar
Uma vantagem das empresas hoje, reflete João Carlos Santos, líder de strategy e consulting da Accenture para a América Latina, é que o mercado já tem se estruturado sobre arquiteturas mais simples, que permitem a conexão de componentes de solução. Esse novo parâmetro é chave para os negócios se reconfigurarem com agilidade.
Há 30 anos no setor, Marco Kalil, head da IBM Consulting no Brasil, ressalta que a velocidade é o que distancia esse trabalho do passado. “Enquanto levava um ano para transformar um negócio antes, hoje isso é feito em semanas.”
Na McKinsey, essa transformação provocou uma mudança de perfil no quadro societário. “Uma proporção relevante de nossos talentos hoje sabe codificar e estruturar negócios e apoia a atração de pessoas para operar soluções no cliente”, conta Tracy Francis, líder global de branding, comunicação e marketing da empresa.
Apesar dos ganhos em agilidade, eficiência e capacidade de execução, o tempo ainda é inimigo para o trabalho das consultorias. “Temos sido procurados por empresas que foram afetadas por concorrentes que entraram no mercado há um mês. A necessidade de adaptação da gestão está mais urgente”, conta Marcelo Gomes, CEO da A&M Brasil.
Mesmo em um cenário imprevisível, a evolução do mercado está apoiada em três pilares: transformação digital, agenda ESG e pessoas. São frentes que estruturam organizações para estarem “melhores que ontem e preparadas para o amanhã, ainda que não se saiba exatamente o que será o amanhã”, reflete o presidente da KPMG na região.
ESG
As consultorias alavancaram as pautas ESG no mercado, inclusive puxando para si metas audaciosas dessa agenda. Hoje, 90% das empresas líderes têm programas de ESG fundamentados. De doações milionárias ao apoio a causas, as consultorias buscam casar discurso e prática em um trabalho modelo para seus clientes.
A Accenture, por exemplo, é parceira da ONG Gerando Falcões. Durante a pandemia, ajudou a executar a campanha “Unidos pela Vacina”, movimento criado pela empresária Luiza Trajano. Também nesse período, a Oliver Wyman ajudou o governo do estado de São Paulo a desenhar os planos de reabertura econômica. Já o BCG tem trabalhado com a COP (Conferência das Partes) para a organização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. “A agenda ESG é imperativa no mundo dos negócios hoje. Sem essa preocupação, as organizações serão relegadas ao segundo plano”, reflete Marcos Aguiar, do BCG.
Pessoas
Na frente de diversidade, que puxa a discussão sobre inclusão nos ambientes corporativos e de lideranças, a atenção recai sobre a cultura.
“É comprovado que equipes diversas produzem resultados superiores e criam um ambiente de desenvolvimento profissional. Trata-se de uma evolução das competências da empresa”, conclui Charles Krieck, da KPMG.
Transformação digital
O resultado começou a aparecer com a melhoria dos índices de gestão operacional, e o salto em rentabilidade apareceu com a geração de quase R$ 500 milhões em Ebitda novo e a queda dos custos. Paralelamente, melhorias no sistema de cálculo de impostos e tributações permitiu recuperar créditos que a empresa tinha, o que ajudou a acertar o negócio com a Raízen.
Reportagem publicada na edição 101 da Forbes Brasil, lançada em setembro de 2022