O engenheiro agrônomo de Bambuí (MG) foi um dos primeiros profissionais da área a discutir a importância do investimento em pesquisa e tecnologia para o campo. Ministro da Agricultura entre 1974 e 1979, embora não tenha sido o criador da empresa estatal, Paolinelli ajudou a definir o modelo da entidade que hoje conhecemos. Sua aposta foi o Cerrado brasileiro e deu certo. Hoje, a Embrapa estima que o Brasil é o responsável por alimentar 10% de toda a população mundial.
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Para entender sua experiência histórica com a Embrapa e o momento atual do Brasil, a Forbes entrevistou Alysson Paolinelli, atual presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho) e indicado ao prêmio Nobel da Paz.
Forbes: Quando o senhor assumiu a Embrapa, pouco tempo depois da sua criação pelo Cirne Lima, em que pé estavam as discussões, no ministério da Agricultura, de qual seria o papel desse órgão do governo?
Alysson Paolinelli: Olha, foi uma discussão que eu considero importantíssima. Porque nós estávamos traçando um projeto que seria completo e estratégico para enfrentarmos uma situação. O Brasil era importador de alimentos, mas ele estava muito caro lá fora, por conta da escassez. Por isso, nossas compras eram esporádicas e o frete era muito caro. O alimento chegava aqui mais caro do que em qualquer lugar do mundo. Quase sempre, ainda caía na mão de um atravessador, porque eram poucos os importadores no país. Como resultado, o preço do alimento quase triplicava. Nós discutíamos a importância de tentar ajudar a família média brasileira, pois ela chegava a gastar cerca de 48% de sua renda só em alimentação. Ela não tinha as condições que precisava ter para vestuário, transporte, saúde e educação. Tudo isso estava prejudicado.
AP: Além do alto custo do alimento, o Brasil também passava por uma crise na área de energia. Em 1973, o Brasil importava cerca de 80% do petróleo que consumia. E a gente sabia que o país não teria, pela tecnologia da época, condição de encontrar petróleo nem em 30 anos. O que aconteceu, só com o Pré-Sal.
Por isso, a conta externa do Brasil ficou muito frágil. Qualquer economista sabia que o país não tinha recursos para mais cinco anos e entraria em default no mercado internacional; não teria como comprar o alimento e o petróleo. Foi aí que tomamos a decisão — antes de eu entrar no governo — de fazer uma estratégia para que o setor agrícola respondesse. Quando fui convidado para ser o ministro, definimos que a Embrapa seria a grande ponta de lança dessa estratégia.
Tivemos as condições de organizá-la como uma grande líder do processo de geração de conhecimento. Ela teve dinheiro para chamar as universidades e fazer um convênio para usar todas as suas competências. Também poderíamos usar todas as melhores cabeças pensantes das instituições estaduais de pesquisa. Isso deu à Embrapa, de saída, uma força muito grande, porque, além do seu pessoal, que era pouco, abrimos o concurso para mil profissionais. Essa foi a grande chave.
AP: Nós mandamos 1.530 profissionais para fora do país — os jovens mais competentes que tinham saído das universidade — e demos uma tarefa: “você vai no maior centro de pesquisa que houver no mundo para saber qual é a ciência mais moderna”. E eles fizeram isso.
A bolsa era régia, os pesquisadores poderiam ir e voltar do Brasil três ou quatro vezes por ano, sempre trazendo para o país seus conselheiros técnicos, que ajudaram nossos cientistas e fortaleceram toda a competência que o Brasil já tinha. Isso deu muita força à Embrapa — ela conseguiu conhecer as inovações e as tecnologias que eram necessárias para transformar o Cerrado em uma terra produtiva. Fizeram isso com muita competência, surpreendendo a todos nós. A ciência foi vital para sabermos que o Cerrado seria a terra mais produtiva e competitiva do mundo.
F: Qual foi a grande conquista da Embrapa com esta medida?
Nossa maior surpresa foi que, de ano a ano, o solo ia melhorando como resultado do trabalho que se fez. O produtor tinha as indicações e o apoio de nosso projeto, com assistência técnica, crédito e todas as condições necessárias. Foi um trabalho planejado, executado e avaliado ao longo do tempo.
F: Hoje, sabemos bem que as áreas de pesquisa e tecnologia são importantes para o fortalecimento do país, mas elas não possuem o incentivo necessário. Como o governo e a iniciativa privada podem ajudar mais a área de pesquisas e, consequentemente, a agropecuária brasileira?
AP: Isso é um grande drama. Por parte do governo federal, sabemos que precisa haver uma estratégia. Porque podemos achar empresários para a pesquisa aplicada, mas a pesquisa pura precisa de ainda mais suporte. Principalmente agora, pois desenvolvemos nossa agricultura de uma maneira dependente de elementos químicos que são caros. E alguns compostos para defesa de doenças e pragas também ajudam a complicar, afinal os consumidores não gostam que isso seja usado.
F: De que forma o país pode se preparar para ela?
AP: Precisamos colocar as instituições que tenham capacidade à frente, pois elas podem dar indicações mais rápidas através da pesquisa de laboratório. O governo precisa entender isso. Sabemos que o país está apertado, está com uma dívida quase impagável, mas precisa ter o discernimento para ajudar e não deixar a Embrapa como está hoje. Ela não tem um tostão para investimento e 2,6 mil doutores com pós-graduação estão sendo subutilizados. Nossa ministra [Tereza Cristina], que é super competente e dedicada, sabe disso, mas ela não tem o dinheiro. Essas pessoas da área técnica precisam ter mobilidade e recursos para completar seus projetos na área biotecnológica. Por exemplo, a doutora Johanna Döbereiner fez uma economia bilionária ao Brasil quando conseguiu captar nitrogênio com o apoio de bactéria, fungo e uma leguminosa, como a soja. Com isso, ficamos livres da importação de nitrogenados. Isso é importantíssimo, temos que continuar com isso. Ela já morreu, mas a equipe dela ainda está aqui, buscando novas soluções.
F: Qual o caminho para o mundo enxergar, definitivamente e sem contestação, a importância do Brasil na segurança alimentar global?
As famílias que vão chegar em 2050 terão mais recursos, com maior vontade de se alimentar melhor. Portanto, a demanda será maior. A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) estima que a demanda crescerá entre 61% e 70%. E ela sabe que só o Brasil pode atender a essa porcentagem. Isso tem que ser discutido, pois o Brasil passou a ser a chave da sustentação e segurança da oferta de alimentos.
F: Como o senhor avalia o Código Florestal quase dez anos após sua publicação?
AP: Olha, ele está demonstrando que o Brasil é sério e quer ser um grande repositório dos recursos naturais do mundo. O país ainda tem 66,35% da sua vegetação nativa imexível. Nós fazemos o contrário do que é feito em muitos países, pegamos a terra mais degradada e transformamos na mais produtiva. O Cerrado ainda possui 54% de sua área imexível, mas conseguimos alimentar o mundo só com o que está disponível hoje. Temos duas inovações que são capazes de fazer isso: a Integração Lavoura Pecuária Floresta — uma inovação que usa o solo durante 12 meses do ano com quatro tipos de culturas — e a irrigação.
AP: Olha, foi! Sei que foi um gesto surgido de companheiros que comigo lutaram 40, 50 anos juntos — nós não paramos de trabalhar. Esses companheiros, alguns quase irmãos pelo tanto de tempo juntos, acabaram por me indicar como a representação do que de fato é o Brasil.
Então, eu digo a eles, “esse prêmio que vocês estão me indicando não seria meu, mas sim do Brasil”. Seria do cientista, do técnico que montou projetos de política pública viáveis e do agricultor, a grande peça dessa evolução. Quem merece esse prêmio não sou eu, é o Brasil.
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