Fundos de investimentos escolhem o agro para plantar dinheiro: saiba o que eles estão colhendo

6 de fevereiro de 2022
Dougal Waters/Guettyimages

Grupos têm cada vez mais se aproximado do agro como uma terra fértil para investimentos

Alguns dos principiais fundos de investimentos estão comprando empresas e startups, apostando em inovação… e lucrando. Nos últimos anos, esse movimento tem se intensificado, e a previsão de especialistas é de que ele vai continuar, pois as oportunidades seguem florescendo no agro brasileiro, um dos setores mais sólidos de nossa economia, agora e nas próximas décadas. Fundos como Aqua Capital, SK Tarpon, Land Innovation Fund, SP Ventures, Bossa Nova e Agroven têm diferentes abordagens de mercado, mas um mesmo foco em mente: a produção de alimentos no Brasil tem grande relevância para o planeta e eles não querem ficar fora do jogo.

Nesse contexto, grupos já estruturados e dos mais variados matizes passaram a olhar com afinco o setor do agronegócio. Como a SK Tarpon, em busca de novas oportunidades, ou o Land Innovation Fund, criado pela gigante norte-americana Cargill com o propósito de monitorar a cadeia da soja, o mais importante grão da pauta de exportação do Brasil e seus vizinhos da América do Sul. A SK Tarpon, dos empreendedores investidores Marcelo Lima, Pedro Faria, Vasco Oliveira, Zeca Magalhães e Artur Tacla, que já investiu algo próximo de R$ 16 bilhões em cerca de 65 companhias desde o início de suas atividades, há duas décadas, mudou sua estrutura de governança dois anos atrás e formatou grupos autônomos de atuação. Para o agro, criou a gestora 10B, em parceria com um grupo de investidores liderados por Edsmar Carvalho Resende, descendente de agropecuaristas que cultivam grãos e criam gado em Goiás e Mato Grosso.

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A 10B, em referência aos bilhões de habitantes que o mundo terá em 2050, atua em negócios de pecuária de leite e corte com a Ideagri, OnFarm e Rúmina, em armazenagem com a Kepler Weber e em insumos biológicos com a Agrivalle. “No setor leiteiro, 15% do leite do Brasil passa pelas nossas mãos, com as soluções tecnológicas. São praticamente 5 mil fazendas como clientes, sendo que, dos 100 maiores produtores do país, 65 são clientes”, afirma Resende. O Brasil, o quarto maior no ranking global, produziu 35,4 bilhões de litros de leite em 2020.

Divulgação

Edsmar Carvalho Resende está à frente da gestora 10B, um projeto em parceria com a SK Tarpon

Na Agrivalle, um dos maiores projetos do país para a produção de insumos biológicos em escala, como fertilizantes especiais para controle biológico, inoculantes e adjuvantes, a mais recente decisão foi dobrar os investimentos para R$ 70 milhões na construção de uma fábrica que vem sendo erguida em Indaiatuba, município próximo à capital paulista, com a primeira fase em operação prevista para janeiro. “Se a gente tiver uma nova Embraer para surgir, ela vai nascer desse mercado de bioinsumos que trabalha com economia verde, circular e de carbono”, diz Resende.

O aporte adicional anunciado de R$ 35 milhões foi para aumentar a quantidade de biorreatores destinados à produção dos bioinsumos. A 10B tem cerca de R$ 500 milhões sob gestão, dos cerca de R$ 7 bilhões da SK Tarpon. A fábrica da Agrivalle, considerada a mais moderna da América Latina, também vai funcionar como um grande laboratório. Dos 24 mil metros quadrados de uma imensa construção com pé-direito de até 12metros de altura, parte dela está destinada a quatro laboratórios, dos quais um de 1.200 metros quadrados é um centro de qualidade e validação. Entre as tarefas dos cientistas e pesquisadores não estão somente novas descobertas, mas a impressão de eficiência nos atuais produtos.

Nos bioprocessos, essa busca é incessante e os resultados já apareceram. Um dos produtos que antes necessitava de 5 quilos por hectare nas aplicações hoje precisa de 75 gramas por hectare, com a mesma eficiência. Refinar tecnologias é um dos focos do setor do agro, e há uma corrida contra o tempo das equipes de P&D (pesquisa e desenvolvimento). “Nossa fábrica é um espaço que estamos abrindo para startups e pesquisadores e serve para fomentar esse processo de mais inovação e tecnologia”, diz Resende. “A fábrica é vista com um hub de produtos, soluções e conhecimento.” Além disso, com uma estrutura flexível, será possível produzir para terceiros e também se tornar um dos laboratórios de referência para o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).

Resende conta que as conversas com os gestores do Programa Nacional de Bioinsumos estão adiantadas. “Estamos com uma estrutura para produção direta, e se alguém quiser entrar no Brasil e precisar de uma fábrica, podemos, inclusive, fazer a parte regulatória. Se o produto for bom e fizer sentido, também podemos vender”, afirma. “Ao mesmo tempo, as soluções produzidas aqui são globais, então podemos mandá-las para o mundo inteiro. A agricultura tropical é bastante desafiadora, se o biológico funciona no Brasil, funciona em todo lugar.”

A empresa está montando um banco genômico com foco em bioinsumos, estudando a cadeia completa de DNA de 15 diferentes genomas de ativos que vão para as lavouras. A Agrivalle, criada há 18 anos pelo pesquisador da Embrapa Eduardo Bernardo, é dona de 12 patentes de mixagen de microorganismos. “É um banco de cepas, de conhecimento, de técnica refinada, coisas que estão sendo pensadas para o mercado”, afirma Resende.

A companhia é dona da tecnologia do único nematicida do mercado composto por duas bactérias e um fungo no mesmo produto. Isso significa uma atuação mais agressiva contra uma praga que ataca um pé de soja, com efeito de longo prazo na proteção da planta. Fungos e bactérias na mesma fórmula não seriam compatíveis porque um atacaria o outro, mas os pesquisadores da Agrivalle conseguiram a façanha de uni-los “pacificamente”. Resende, que entrou na história da empresa em 2019 com a nova modelagem de gestão e investimentos, acredita que o próximo passo será investir em educação.

Fundo para inovação na cadeia da soja

Ele não está sozinho nessa ambição. Na diversidade dos fundos e de seus propósitos, há espaço para ações como o LIF (Land Innovation Fund), criado em 2019 a partir de um aporte inicial de US$ 30 milhões da Cargill e gerenciado pela Chemonics International, com sede em Washington. O LIF foi lançado em janeiro do ano passado e tem recursos programados para até 2025, com a meta de continuidade em espaços colaborativos e a possibilidade de novos atores nesse investimento.

A inovação para a cadeia da soja está no foco da LIF para os três biomas da América do Sul – Amazônia, Cerrado e Chaco –, assim como está no foco do governo do Brasil como política de Estado com a criação de programas visando a criação de ecossistemas. “Nós temos um fundo criado pela Cargill, mas não é um fundo para a Cargill. É uma contribuição da empresa para ajudar a transformar a cadeia de suprimento da soja, para que seja sustentável e, mais importante, livre de desmatamento e de conversão de vegetação nativa”, afirma o biólogo especialista em fundos ambientais, especialmente os de financiamentos, Carlos Quintela, diretor geral do LIF.

O executivo diz que o fundo foi criado com três pilares que ajudam nas decisões. “Nesse mandato global estamos focados em inovação aberta dentro do conceito de paisagem, ações que são relevantes para a propriedade rural e soluções integradas”, diz Quintela. “Porque sabemos que a cadeia da soja é complexa, todas as cadeias de suprimento no agro são complexas demais para que uma inovação só mude a trajetória dela.”

Dois exemplos são as parcerias fechadas com a Agtech Garage, de Piracicaba (SP), um dos principais hubs de inovação do país. “A Agtech Garage tem uma abordagem de open innovation, de inovação aberta para o que nós queremos, que são as soluções integradas”, diz Quintela. Além disso, o LIF vai em busca de outros setores porque, para sua direção, olhar a cadeia de suprimento da soja vai além da inovação.

Quintela afirma que “nem tudo é tecnologia” – como a estrutura de mecanismos de controle e as regras do jogo estabelecidas por governos. “Muitas das grandes inovações no Brasil, ao longo da história, têm sido feitas porque o governo criou as condições. Não foi acidentalmente que o Brasil virou uma potência agroindustrial. Houve uma série de ações e de políticas para que esse processo ocorresse”, diz Quintela. “Agora novas regras precisam ser promovidas, criadas e testadas para que os inovadores possam jogar todo o seu esforço no desenvolvimento de novas ideias. A gente tem urgências para o mundo.”

Aiba/Divulgação

Bacia hidrográfica do Rio de Janeiro, no Oeste da Bahia, um dos locais de ação do LIF

O LIF está apoiando a AgroRobótica, uma startup que utiliza uma tecnologia da Nasa, usada em Marte, para medir a qualidade do solo. Está junto também em um projeto no oeste da Bahia, região que cultiva quase 6 milhões de toneladas de soja por ano, e que envolve o Senai Cimatec, uma das principais instituições de ensino em engenharia do país, o Solidaridad Brasil, braço da ONG ambiental argentina, e o Instituto Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia). A entidade representa 1.300 fazendas que ocupam 2,5 milhões de hectares de cultivos e 4,5 milhões de hectares de vegetação nativa protegidos por essas propriedades.

São quatro os projetos para a região: um mapeamento do balanço de carbono, o desenvolvimento de um sistema digital de monitoramento de dados socioambientais, novas soluções tecnológicas e uma extensão de um projeto global chamado “Diálogos”, para aprimorar a comunicação e o engajamento na cadeia produtiva. Sobre o futuro desse projeto e dos demais que o LIF hoje prospecta, Quintela é taxativo: “O interessante é que muitas inovações que vão ser feitas para a soja têm aplicação em outras culturas e em outras partes do mundo. Então nós queremos que o trabalho seja visto fora do país e que outros fundos vejam o que está acontecendo no Brasil. Existem atores e financiadores lá fora que podem ajudar nesse processo transformador”.

*Reportagem publicada na edição 92 da Revista Forbes como parte do Especial “As 100+ do Agro”