No final de novembro do ano passado, em Ilhéus, litoral baiano que tem sua história ligada à cultura do cacau, aconteceu o Concurso Nacional de Qualidade da fruta, a matéria prima dos chocolates. Na terceira edição, o concurso já se tornou o principal prêmio aos produtores que vão em busca de qualificar suas roças de cacau. O movimento de melhoria das amêndoas faz sentido porque ele pode se reverter em valorização do que vai para o mercado do chocolate.
Na avaliação às cegas, aquela em que o juiz não conhece a procedência de um produto, estavam nomes como os do chocolate maker Diego Badaró, da AMMA; Luciana Lobo, chefe chocolatière da Dengo Chocolates, e o empresário e chocolatier Ale Costa, da Cacau Show, entre outros nomes conhecidos do setor. “Fico emocionado em ver uma cena como esta”, disse ele durante premiação dos seis finalistas a partir de 98 produtores inscritos na disputa.
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Mas o que significa uma amêndoa de qualidade? O que ela deve conter e como deve ser? Qual amêndoa pode se transformar no mais delicioso, aromático e espetacular chocolate? Para responder a essas perguntas, a busca pelo chocolate perfeito tem se tornado uma corrida de produtores, academia e empresas privadas. “Nós estamos crescendo no entendimento do que é a cadeia do chocolate”, diz Ubiracy Fonseca, presidente da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas).
Criado pela fabricante norte-americana de chocolate Mars, uma gigante do setor que fatura no mundo cerca de US$ 40 bilhões, o Centro de Ciência do Cacau, em Barro Preto, município há 60 quilômetros de Ilhéus, tem procurado respostas na genética. A Mars, dona do único centro privado de pesquisa de cacau, tem no portfólio marcas como Twix, M&M’s e Snickers. O centro foi comprado na década de 1980 para ser um organismo de predição de safra da matéria prima da indústria.
Hoje, está no local um dos maiores bancos de germoplasma da fruta, com 700 variedades, partindo de 35 mil amostras que foram totalmente genotipadas, incluindo materiais de outros países como Costa do Marfim, Costa Rica, mais a Ásia. O cacau possui 10 grupos genéticos. “Nós sabemos quem é quem, como se fosse um teste de paternidade”, afirma Dayana Santos, doutora que gerencia o laboratório de pesquisa.
No centro há cinco laboratórios: molecular, químico, cultura de tecidos, microbiologia/fitopatologia e qualidade com foco na produção. Além das instalações físicas, as plantações ocupam as duas fazendas: uma de 90 hectares e outra de 30 hectares. Nas áreas de cultivo, os pesquisadores buscam os clones certos de cacau para, por exemplo, trabalhar a densidade da lavoura, ou plantas resistentes a pragas. “É a qualidade da coleta de dados que vai dando o caminho”, diz Luciel Fernandes, doutor em produção com foco em genética.
Para manter o banco de germoplasma, a Mars é parceira da Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), um órgão do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) que atua nos estados da Bahia, Espírito Santo, Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso. A Ceplac é organizadora do concurso de qualidade, juntamente com o CIC (Centro de Inovação do Cacau), uma iniciativa de 2017 do Parque Científico e Tecnológico do Sul da Bahia.
O CIC é um laboratório especializado em análises de amêndoas, como classificação da fermentação, medição do nível de acidez, percentual de gordura, índice de oxidação de gordura, entre outros aspectos. “É preciso que o produtor entenda a qualidade”, diz a gerente de qualidade do CIC, Adriana Reis, doutora em biologia e biotecnologia de microrganismos.
No Ceplac, que completa 65 anos em 2022, a crença é de que a pesquisa e o saber acumulados nas últimas décadas possa dar suporte para transformação radical na produção de cacau e deixa para trás, de vez, a tragédia provocada pela praga vassoura de bruxa, no final do anos 1980, que atingiu acima de 70% das lavouras. Para o órgão é possível esperar para 2025 uma produção de 300 mil toneladas/ano, chegando a 400 mil toneladas até 2030, marca já registrada pelo país antes do ataque da praga. “As técnicas de manejo, a difusão e a transferência de tecnologias e operações estratégicas da instituição mostram para esse caminho”, afirma Waldeck Araújo Júnior, diretor da Ceplac.
No Brasil desde 2018, no ano passado, a WCF (Fundação Mundial do Cacau) apresentou a CocoaAction Brasil para atuar no relacionamento público-privado do setor. Empresas como Barry Callebaut, Cargill, Dengo, Harald, Mars Wrigley, Mondelez, Nestlé e Olam são membros financiadores, até agora, de 17 projetos e R$ 100 milhões envolvidos. “O Brasil está retomando as bases para fazer a retomada forte da produção de cacau”, diz o agrônomo Pedro Ronca, coordenador do CocoaAction Brasil, que segue um plano lançado em 2021 e vai até 2024.
A meta é um mapeamento da cadeia e como desenvolver ferramentas de aumento da produção por meio de assistência técnica a produtores, capacitação de técnicos, fortalecimento de cooperativas, acesso a crédito rural e promoção do reflorestamento. Entram aqui as plantações de cacau que utilizam os sistemas agroflorestais já testados e que colaboram com a saúde do meio ambiente.
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