Solução circular da natureza
Em um mundo onde a infraestrutura de reciclagem industrial é fragmentada e mal equipada para fornecer circularidade de materiais, uma solução vinda da natureza está na cara, literalmente, desde sempre.
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Por que bactéria?
A simplicidade das bactérias como organismos unicelulares fazem com que elas sejam potências microscópicas que produzem substâncias úteis (como celulose) durante seus processos metabólicos naturais.
A startup Polybion, com sede em Guanajuato, aproveita isso, adicionando uma camada de bioengenharia para recodificar os genes das bactérias para orquestrar saídas metabólicas específicas, criando assim novos biomateriais. A primeira delas é uma membrana de celulose, que as bactérias transformam em uma ‘pele’ que pode ser curtida e usada como alternativa ao couro, que eles chamam de Celium.
No que diz respeito a alternativas ao couro, o Mycelium, que é cultivado a partir de fungos, se tornou objeto de grande interesse, ganhando a atenção de marcas como Allbirds, que está trabalhando com o material plant-based Mirum da NFW, e Hermes, que trabalha com o Fine Mycelium da Mycoworks. Então, por que a Polybion está usando bactérias em vez de fungos e qual é a diferença entre os resultados?
A batalha dos microrganismos: bactérias versus fungos
Como o Celium é feito?
A Polybion usa alimentos e água agroindustriais locais para alimentar suas bactérias em uma unidade de fermentação industrial. A bactéria desenvolve a membrana de celulose na superfície da água, consumindo glicose e frutose dos resíduos de alimentos e polimerizando-os em celulose, o que leva 20 dias.
A membrana é removida e transportada para um curtume próximo, onde é estabilizada (para interromper o processo de decomposição) e curtida usando um método sem cromo, compatível com as diretrizes da REACH, o regulamento sobre registro de químicos da EPA (Agência de Proteção Ambiental) dos Estados Unidos.
É importante ressaltar que a estabilização e o curtimento do Celium não requerem nova infraestrutura, apenas química otimizada e uso de água dentro das instalações de curtimento existentes. Todo esse processo, desde a matéria-prima até a ‘pele’ acabada, acontece em um raio de 1,6 quilômetros de Irapuato, em Guanajuato, no México.
Escalando a celulose bacteriana
Os volumes de produção são parcialmente dependentes dos resíduos disponíveis localmente, mas disso não há escassez (como é o caso de qualquer local do planeta com pessoas e agricultura industrial). Os resíduos de frutas em um raio de 48 mil metros da FOAK I (a instalação piloto da Polybion) poderiam produzir 15,3 milhões de metros quadrados de Celium por ano: equivalente a 1% do mercado global de couro.
Axel e seu cofundador, CFO e irmão, Alexis Gomez-Ortigoza, prevêem que a tecnologia deve escalar dez vezes após a capacidade piloto ser atingida em 2023, apoiada pelo licenciamento da tecnologia (provavelmente europeu) para potencializar uma rápida expansão.
Mindset de inovação em primeiro lugar
É importante dizer que a pesquisa e o desenvolvimento para a tecnologia chegar a esse estágio de produção demorou seis anos e custo de apenas € 4 milhões (cerca de R$ 20,5 milhões na cotação atual). Essa despesa de capital é pequena em comparação com inovações semelhantes de materiais de última geração.
Uma das principais conclusões desta entrevista, acredito, é o impacto da engenhosidade e persistência, mesmo diante de recursos financeiros modestos. É também um lembrete justo, e provavelmente atrasado, de que a inovação crítica está acontecendo em todo o mundo – em todos os cantos, em todas as regiões e em todas as culturas.
Ganhos de sustentabilidade
Os ganhos de sustentabilidade do Celium são proporcionais à adoção de processos biológicos no lugar dos sintéticos. Os microrganismos não requerem limpeza de terrenos, nem precisam de reposição diária de água. Eles não são emissores de metano e evitam o uso de poliuretano e PVC (policloreto de vinila), que causam poluição micro-plástica
Na verdade, o Celium é um biomaterial projetado de forma holística, em oposição à vasta gama de alternativas de couro à base de plantas e à base de plástico no mercado que são compostos de fibras vegetais e polímeros plásticos que os tornam comercializáveis como ‘veganos’, mas ambientalmente suspeitos.
Em relação ao upcycling, 1.200 toneladas métricas de resíduos de frutas serão processadas por ano, na capacidade máxima, ajudando a evitar que cerca de 3.000 toneladas métricas de CO2 entrem na atmosfera. A pegada de carbono da Celium decorre totalmente do transporte e logística e é de 0,792 quilogramas de CO2 equivalente por pé quadrado. Recuso as comparações de impacto material, mas para compartilhar as informações que eles forneceram para o contexto, a Polybion coloca o Celium em cerca de metade do impacto das emissões de “couros” de animais e plásticos. Os impactos calculados do Celium serão revelados em detalhes após o recebimento da LCA (Avaliação do Ciclo de Vida) final.
Público alvo do novo couro
A estratégia da startup para colaboração e expansão é segmentar marcas globais premium e de luxo acessíveis que produzem em grandes volumes. “Estamos trabalhando com marcas de consumo globais com visão de futuro em vários setores, desde luxo acessível a premium e high-end”, compartilha sua chefe de comunicação e cultura, Gabriela Irastorza Dragonné.
Seus parceiros de marca abrangem os setores de moda, acessórios, calçados e automotivos, e a tecnologia que eles desenvolveram também é adequada para materiais destinados às indústrias alimentícias e farmacêuticas.
Mapa da inovação
Eles estão buscando materiais recombinantes (de organismos com material genético recombinado) nunca antes vistos pela humanidade, projetados e cultivados usando a “paleta molecular” da vida. A saída? Metamateriais Orgânicos Híbridos. Meta de fato, graças a 3,5 bilhões de anos de sabedoria da natureza combinada com tecnologia avançada e engenhosidade humana: talvez a melhor receita para a próxima geração de materiais ambientalmente responsáveis.
- Brooke Roberts-Islam é colaboradora da Forbes EUA e fundadora e editora da plataforma de moda e tecnologia, Techstyler. Ela escreve sobre inovações materiais e iniciativas de sustentabilidade.