“Provavelmente, vamos estender a plataforma para os nossos clientes. E se a gente achar que esse mercado vai ganhar tração, podemos fazer a nossa própria plataforma”, diz o economista Cláudio Coutinho, presidente do Banrisul, um experiente executivo que já foi dono de seu próprio banco por 13 anos, o CR2 de Investimentos nos anos 2000 e também diretor das áreas de crédito, financeira e internacional do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Para o executivo, “o que o Brasil tem de mais valoroso é o seu REDD [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], é o desmatamento evitado”.
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Em relação ao CDC Sustentabilidade (crédito direto ao consumidor) para financiamento de equipamentos de energia solar e eólica, o saldo contábil em agosto deste ano era de R$ 530 milhões, valor 133,2% maior em 12 meses. O banco tem, ainda, o programa Operação 365 para monitorar a qualidade do solo no estado, visando o aumento de produtividade. A parceria é com a CCGL (Cooperativa Central Gaúcha), onde estão 171 mil produtores cooperados, e com a Embrapa Trigo, unidade localizada no município de Passo Fundo (RS).
Outra frente é o Programa Sementes. No primeiro semestre, 2.438 famílias – a maior parte quilombolas e indígenas que praticam agricultura familiar– receberam 30 milhões de sementes de leguminosas e verduras. Coutinho conversou com a Forbes sobre a iniciativa com o BB, os desafios da estruturação de um mercado robusto de carbono, como o Brasil deveria se apresentar na COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) que acontece no próximo mês, no Egito, e como a instituição vem gerenciando o crédito ao produtor rural. Confira:
Forbes: Como a instituição está se organizando nesse ambiente de crédito de carbono que vai além da parceria fechada com o BB?
Cláudio Coutinho: A gente acabou de assinar essa parceria com o Banco do Brasil, que está montando uma ferramenta como se fosse uma caixa de liquidação, um ambiente para se negociar. Temos uma boa relação com o presidente, Fausto de Andrade Ribeiro, com o qual estivemos durante a Expointer [maior feira gaúcha, que ocorreu em setembro]. Vamos usar a plataforma do Banco do Brasil para neutralizar toda a nossa emissão de carbono, comprando os créditos. Provavelmente, vamos estender a plataforma para os nossos clientes. E se a gente achar que esse mercado vai ganhar tração, podemos fazer a nossa própria plataforma.
Forbes: Como essa caixa vai ser operada?
Forbes: Há uma avaliação muito otimista do mercado de carbono, mas ainda há grandes desafios, principalmente em relação aos preços dos créditos. Qual cenário o sr. traça para esse desafio em um mercado hoje tido como irreversível?
Coutinho: Sendo franco, acho muito complicado. Acompanhei todo o mercado do Protocolo de Kyoto, que micou completamente. Porque os requisitos para se constituir um crédito de carbono e vender são muito complexos. É preciso ter toda uma certificação, não só na largada para provar que ele existe, como na continuidade desse crédito. Então, de tudo que eu assisti, acompanhei e discuti, é muito complicado porque ainda custa caro fazer a certificação.
Temos exemplos de certificações feitas por empresas no Brasil que custaram US$ 500 mil dólares, um negócio milionário. A governança de Kyoto tinha um padrão da ONU (Organização das Nações Unidas), com certificação no ministério das relações exteriores. Agora, foi-se para o mercado voluntário, mas continua o desafio da certificação. As empresas estão comprando de forma voluntária, para dizerem que estão mitigando, mostrando seus esforços.
O que o Brasil tem de mais valoroso é o seu REDD, que é o desmatamento evitado. Os países centrais relutam em pagar para o Brasil esse tipo de compensação. São vários desafios, que não são simples. Eu espero estar enganado e que isso consiga caminhar.
Forbes: Faltam metodologias para se desenrolar o nó dessa corda?
Forbes: Como deve ser uma agenda do Brasil para a COP27 que está logo aí?
Coutinho: O Brasil tem de levar pessoas com capacidade técnica ultra reconhecida, que tenham capacidade de negociar e que conheçam em detalhes. Por exemplo, a ex-ministra Isabela Teixeira conhece profundamente, sabe negociar e é realmente uma técnica. A Marilene Ramos, que foi presidente do Ibama [diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Grupo Águas do Brasil] , conhece e sabe do que está falando. E é preciso um governo com credibilidade, porque se chegar lá com “deixo desmatar, deixo queimar”, a conversa azeda desde o início.
O Brasil é uma potência ambiental e agora consegue posar de vilão. Isso é inacreditável, porque o país tem uma matriz ultra limpa, em grande parte hídrica e agora com cerca de 10% eólica. Tem o etanol como combustível renovável, mantém cerca de 60% do território coberto por vegetação, por florestas. Nenhum país do mundo tem isso.
Forbes: Onde houve erros?
Coutinho: Acho que o Brasil errou na comunicação e no marketing, não tenho a menor dúvida. E também no mercado interno. Nós temos que falar para nós mesmos que a gente faz o dever de casa. Precisamos nos orgulhar perante nós brasileiros e perante estrangeiros A nossa agricultura é responsável, com legislação ambiental sem paralelo no mundo. Na Europa, a França e a Alemanha, por exemplo, não têm APP (área de preservação permanente) e reserva legal nas propriedades rurais. Temos uma legislação muito avançada e temos que vender isso. Nosso agronegócio é compliance e convive com regras.
Forbes: Como vê os bancos privados cada vez mais com apetite para financiar o agro?
Coutinho: Essa entrada está acontecendo há mais de 10 anos. Era pouco e está crescendo, mas lá atrás já operava em grandes volumes em Mato Grosso para os grãos, açúcar e álcool em São Paulo. A banca sempre teve apetite para financiar. Agora, o grande desafio é parecido ao que o mercado de capitais vivia em relação ao BNDES lá atrás. Com taxa subsidiada para investimento, ficava muito difícil um banco fazer uma proposta, uma debênture, uma transação a taxa de mercado.
A gente capta no DIR (Depósito Inter Financeiro vinculado ao Crédito Rural), no equalizado, no Moderfrota. Tudo isso compõe o nosso funding e ainda tem as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), que são muito próximas de mercado. Acho que o Brasil vai, paulatinamente, diminuir o uso dos recursos equalizados entre os grandes produtores. Mas para a agricultura familiar nunca deveria deixar de existir. Para o pequeno produtor, ou o familiar, devemos continuar porque é assim no mundo inteiro. Não vamos ser mais realistas que o rei.
Forbes: Qual análise o banco faz da atual safra?
Coutinho: A visão das nossas consultorias é de um ano de bonança porque os estoques globais estão muito apertados. Não se espera grandes safras no hemisfério norte e então o Brasil entra. Apesar da seca que ocorreu, principalmente em algumas regiões do Rio Grande do Sul, o setor de alguma forma está capitalizado. Na Expointer, 30% dos negócios de máquinas e equipamentos foram à vista. Nós tivemos um crescimento de quase 90% em negócios, comparados com o ano anterior. Financiamos mais de R$ 800 milhões.
Forbes: Mas os produtores mostram que os custos são muito apertados.
Coutinho: Certamente, os custos dos produtos de forma geral no Brasil, medidos em sacas, subiram bastante. Mas as consultorias nos mostraram também uma queda muito importante de preços dos fertilizantes. Os embargos continuam e a explicação para isso ninguém sabe ao certo. A especulação é que, de certa forma, a produção dos países que estavam embargados encontrou algum caminho para chegar ao mercado. Então, a expectativa de falta de oferta não se concretizou. Continuamos vendo os produtores animados, com muito pedido de financiamento. Fizemos uma previsão de R$ 7 bilhões para o ano safra 2022/23, um crescimento de 35% em relação à safra anterior. Na safra 2021/22, a nossa expectativa era crescer 30% e ela se concretizou com mais de 60%.
Forbes: O mercado chinês é o principal alvo do agro brasileiro, mas um mercado de commodity, embora tenha uma classe média superior a 300 milhões de pessoas ávidas ao consumo. O Brasil tem chance de ser uma exportador de valor agregado agroindustrial?
O chinês quer saber se o que você está vendendo a ele é o melhor do seu país. Ele compra o vinho Château Lafite Rothschild e guarda a garrafa para mostrar ao vizinho. Compra o Poulet de Bresse, frango alimentado. O chinês gosta de brand e olhando para os produtos que o Brasil produz e exporta, o país infelizmente não tem brands internacionais. Em poucos produtos conseguimos vencer essa barreira, que é o caso das Havaianas [chinelos]. No café temos alguma coisa, mas a maioria do que vendemos é commodity, enquanto a Colômbia vende a marca. A que a gente vai continuar, ainda, por um bom tempo escravo de volume.