“As empresas do agro, a partir da pandemia – e até um pouco antes da pandemia –, começaram a ter rentabilidades muito maiores por conta do câmbio favorável e do preço da commodity que subiu”, diz Dell’Oso. “Também tem aí a própria consolidação que traz mais eficiência operacional e aumenta a rentabilidade, a geração de lucros e de caixa.”
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A Forbes conversou com Dell’Oso sobre esse movimento de M&As, a começar por 2022, um ano de elementos dados ao mercado que não devem se repetir nos próximos. Confira:
Forbes: Qual o cenário para fusões e aquisições a partir de janeiro de 2023?
Dell’Oso: Nossa expectativa é de que o mercado geral de M&As vai voltar a crescer no pós eleição e vai crescer também em 2023. Fatores que impactam essa análise, por exemplo, é o aumento da taxa de juros e o custo do dinheiro. Para quem está precisando captar recursos é muito mais barato admitir um sócio, fazer uma operação de M&A do que ir ao banco captar dinheiro.
Forbes: Os IPOs interferem nesse apetite?
Dell’Oso: No cenário geral, o ano de 2021 foi recorde histórico no número de IPOs no Brasil, com muita empresa abrindo o capital. E para grande parte desses IPOs, a justificativa aos investidores é: preciso fazer a captação de investimentos para crescer. As empresas farão aquisições porque é um compromisso com os investidores nos próximos anos. Por outro lado, ainda há resquícios dos efeitos da Covid19, com muitos setores ainda se recuperando, que ainda estão tendo dificuldades financeiras. Então, vão precisar passar por um processo de consolidação para sobreviver, para sair da crise.
Dell’Oso: No setor do agro, a expectativa também é de crescimento. Há aspectos importantes. O primeiro deles é que a economia do agro continua forte e o Brasil ainda é muito dependente dela, de tudo que o agro gera de negócios. A China (maior parceiro comercial) não pode deixar de importar comida, não pode deixar de importar carne, de importar grãos. Ela pode reduzir a importação, por exemplo, de aço, ferro, minério, etc, mas alimento não deixar de importar.
Forbes: Há muitos estrangeiros nesse processo de M&As?
Dell’Oso: O que vimos foi um grande crescimento do processo de consolidação feito pelas empresas brasileiras por meio de fusões e aquisições. Então, muito mais do que o investidor estrangeiro, o que se viu foi uma verticalização dos setores do agro e a diversificação dessas empresas fez com que o mercado de M&As no Brasil crescesse. Na verdade, no setor de agro, a participação do investidor estrangeiro em M&As no Brasil está diminuindo ao longo do tempo. De 2018 para cá ela só caiu.
Forbes: Qual o perfil desses investidores brasileiros?
Dell’Oso: Existem investidores estratégicos e investidores financeiros, e são de perfis diferentes. O investidor estratégico já opera no setor, comprando no que a gente chama de casamento perpétuo. É o que vai tocar aquela operação para o resto da vida. Já na operação financeira o perfil de investimento é de médio prazo. Faz-se o investimento agora, para um crescimento acelerado e se vende essa empresa no período de cinco a sete anos, em média.
A gente tem notado fortemente no setor do agro a presença do investidor estratégico. Aquele que opera uma usina e está comprando outra; tem a plantação e está comprando mais área de cultivo; opera em fertilizantes e está comprando empresas da área. O que vemos é que está acontecendo uma consolidação no mercado onde 93% das transações são de entre empresas brasileiras.
Dell’Oso: As empresas do agro, a partir da pandemia e até um pouco antes da pandemia, começaram a ter rentabilidades muito maiores por conta desses aspectos todos: o câmbio que favoreceu, o preço da commodity subiu. Também tem aí o próprio movimento de consolidação que traz mais eficiência operacional e aumenta a rentabilidade, a geração de lucros e de caixa. Por exemplo, na fusão de duas empresas com sinergias de custos, e às vezes de receita, ela não só cresce, ela gera mais caixa na sua operação. E aí qual foi a ideia dessas empresas que se fundiram? Vou usar o ganho extra para expandir as minhas operações através de processos inorgânicos, porque uma operação brownfield gera resultados mais rápidos.
Forbes: Para o próximo período de M&As ainda há caixa ou serão de recursos novos?
Dell’Oso: O investidor estratégico ainda tem caixa gerado pelos IPOs para essas aquisições. Pelo lado do investidor financeiro, os fundos estão capitalizados, mas os fundos de private equity estão segurando um pouco mais a decisão de investimento. O setor é bastante sensível à rentabilidade.
Pelo lado do vendedor, as operações de M&A não necessariamente são de compra e venda, mas de fusão. Para as empresas que necessitam de caixa, em vez de pegar dinheiro a juros de 25%, 35% ao ano, é melhor unir as operações. Porque a oferta de dinheiro no mercado, via taxa de juros altos, vai perdurar por um período. Talvez mais um ano, um ano e meio para a frente.
Forbes: Há fatores de atração nesse mercado de M&As?
Dell’Oso: A tecnologia é o que chama a atenção. Muitas empresas , as agtechs, estão crescendo e aparecendo com novas soluções. Com o 5G indo mais fortemente para o campo, ele tende a acelerar os movimentos no sentido de se buscar mais automação, mais eficiência no campo e mais rentabilidade na produção agrícola.
Forbes: Qual o perfil das startups de agro que estão sendo compradas?
Dell’Oso: Há transações para todo tipo de startup. Desde o investimento Anjo, que é aquela empresa que recebe até R$ 1 milhão de aporte. Ou R$ 500 mil para desenvolver uma solução, ou seja, tirar a ideia do PowerPoint. E há aquelas empresas em estágio mais avançado, que estão captando R$ 15 milhões, R$ 30 milhões. Tem mercado para todos os tamanhos de empresa no radar dos investidores. Recentemente vimos grandes empresas comprando startups, como a Cosan, Bayer, Ouro Fino. Estão investindo em inovação aberta, atentas a tudo que está acontecendo no mercado e participando do ecossistema.
Forbes: Por que os estrangeiros não vêm para o Brasil se o dólar favorece?
Dell”Oso: Porque a consolidação no mercado ainda é de empresas consideradas pequenas. Não tem investidor estrangeiro que venha para cá botar US$ 5 milhões numa M&A, ainda mais porque uma aquisição implica em gastos para gerir o negócio. Quando se fala em investimento estrangeiro, quem vem de fora está olhando investimentos de US$ 100 milhões, US$ 200 milhões, até US$ 1 bilhão.
Forbes: E como estão as M&As agora, neste ano?
Dell’Oso: Comparativamente ao mesmo período do ano passado, o setor está tendo uma ligeira queda. Mas tem um motivo. O ano de 2021 foi fora da curva histórica de fusões e aquisições, por causa da pandemia e da logística que já vinha complicada. Aconteceram 49 M&As, contra a média de cerca de 30.
Dell’Oso: Há um conjunto de fatores que impactam mais o agro do que outros setores. Especificamente, tem a Guerra na Ucrânia, que afeta um pouco o consumo do mercado europeu e asiático. A política de preços da Petrobras também tem afetado o mercado, deixando as usinas (de cana-de-açúcar) um pouco instáveis e houve a própria retenção de negócios em função das eleições. Até setembro, o mercado de M&A apresentou uma queda de 20% no volume de transações em relação ao mesmo período do ano passado.
Há, também, a questão atual dos custos elevados. Vou explicar o que acontece na prática. Tenho o mandato de uma empresa de pescados, de produção de camarão. Ela estava sendo negociada, tinha até uma boa lucratividade e uma boa base de mercado. Mas, como o custo da ração subiu demais, corroeu a margem e ela deixou de ser lucrativa. E quando ela deixou de ser lucrativa, deixou de ser interessante como investimento. O investidor prefere ter uma noção mais aprofundada do que vai acontecer na equação de custo, vendo, inclusive, as políticas econômicas, etc, para então precificar a transação e seguir em frente.