Do zero, até aqui, foi um longo trajeto que envolveu tomar decisões sem tirar do foco o produto genuíno proposto: um tênis diferente do que havia no mercado, feito com lã de ovelhas de uma raça específica. No caso a merino, considerado um dos ovinos domésticos mais antigos do mundo, descendente de um ovino selvagem primitivo natural da Ásia Menor, o Ovis arkal australiano. A aposta em um produto em que sua principal matéria prima tem um pé no campo como identidade de marca, vem sustentando o crescimento da empresa.
LEIA MAIS: Cubo Agro Itaú quer dobrar o número de startups em 2023
Além de Abichequer, a Yuool tem como fundadores, todos vindos da corretora XP Investimentos, Marcelo Maisonnave, hoje na NVA Capital, mais Pedro Englert, também sócio de quatro fintechs (Warren, FitBank, Monkey Inc, e Vortex) e Eduardo Glitz, fundador da Lovin’ Wine, entre outros empreendimentos.
Foi justamente com a decisão de empreender com os tênis de lã, ainda inéditos no Brasil, que Abichequer e sua turma tentaram estabelecer contato com as empresas que já produziam em outros países para, assim, trazer as suas marcas ao país. Mas conversas não foram adiante e eles decidiram dar um outro rumo ao projeto de negócio. O motivo? Estavam impressionados com as qualidades do tecido de lã dos ovinos da raça merino, que é termodinâmico, antibacteriano e capaz de ser higienizado em máquinas de lavar. Foi então que decidiram criar a própria empresa, uma startup que chamou a atenção do mercado logo de saída.
“A gente foi para o desenvolvimento da lã, que é o grande segredo. Mas não conseguimos cardar no Brasil, porque a lã ficava áspera, o que não pode ocorrer no caso do tênis”, pontua Abichequer. Cardar, no linguajar técnico, significa desenredar ou pentear a lã (ou algodão, linho, etc) com carda, que é uma máquina da indústria de fiação e tecelagem para tratar a fibra que será utilizada para fabricar os fios.
O Uruguai, onde a lã comprada pela Yuool é produzida, tem uma vasta tradição na ovinocultura e é um dos quatro maiores exportadores globais de fibra de alta qualidade, segundo dados da SUL (Secretaria de Lã do Uruguai), órgão do governo. No mês passado, por exemplo, o país usou a Copa do Mundo de futebol no Catar para promover sua lã, vestindo todos os jogadores com ternos de fios de 18 microns, um tecido extremamente leve, pesando 260 gramas por metro. Atualmente, a lã uruguaia é exportada para 40 países.
A saída encontrada pela Yuool também envolveu colocar outro país na rota: a Itália, escolhida pela sua histórica relação com o mundo da alta costura. “Compramos a lã bruta no Uruguai, mandamos para a Itália e lá ela é preparada por tecelões que trabalham com marcas de luxo, como Loro Piana e Zegna”, diz Abichequer. “Por causa desse processo, a lã chega mais cara que o couro no Brasil. Já chegamos a pagar entre R$ 250 e R$ 300 pelo metro, um negócio absurdo.”
Então, como fizeram a Yuool dar lucro?
Levar a empresa ao lucro foi outro desafio. Um tênis de lã é vendido por R$ 449 em seu e-commerce. Abichequer diz que o segredo dos dividendos, usando três países para produzir e comercializar os seus produtos, está no modelo de negócio construído. A empresa adota o DNVB (sigla em inglês para marca vertical digitalmente nativa), um conceito criado em 2016 por Andy Dunn, fundador da Bonobos, marca nova-iorquina de roupas masculinas. As empresas que adotam esta maneira de funcionamento atuam vendendo diretamente ao cliente final, sem canais de distribuição e intermediários, o que reduz custos.
Outro ponto que também ajuda a saúde financeira da empresa é apostar no “corporate”, o que significa vendas em grandes quantidades a um único comprador. A Yuool procura e é procurada por outras empresas e startups interessadas em adotar como uniforme de trabalho o tênis de lã de merino (ou as outras linhas produzidas a partir de algodão orgânico ou PET reciclado). O caso mais notável foi com o banco Nubank.
“O David Vélez [CEO do Nubank] nos procurou logo no início e aí lançamos esse braço corporativo durante a pandemia. Fizemos cerca de 3.700 pares para todos os colaboradores do Nubank e entregamos em mais de 17 países, na casa de cada funcionário”, conta Abichequer. “Já fechamos negócios similares com cerca de 70 empresas, como o banco Inter, XP Investimentos, Vigor e Dell.”
Outra frente é apostar em parcerias com personalidades. A mais recente para os calçados com design genderless (moda sem gênero) e minimalistas, fechada no final do ano passado, foi com o muralista paulista Eduardo Kobra, um dos mais famosos artistas do grafite no mundo.