Investidores e empresas estão prestes a embarcar em uma viagem inovadora, conforme recebem informações sobre os impactos ambientais daquilo em que colocam seus recursos – um movimento que poderá impulsionar o fluxo do mercado de capitais, onde as companhias prospectam financiamento e os investidores oferecem fundos em valores que chegam a US$ 20 trilhões (R$ 100,2 trilhões na cotação atual) por ano.
Nesse novo modelo que se desenha, em vez das empresas se concentrarem apenas nas pegadas climáticas ou nas emissões daquilo em que investem, elas passariam a considerar também os impactos mais amplos na natureza, desde a saúde do solo ou perda de biodiversidade até a utilização da água.
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A New York Climate Action Week (Semana de Ação Climática de Nova Iorque), realizada em setembro, marcou essa mudança de comportamento com o lançamento de um documento histórico sobre sustentabilidade, denominado TNFD (Taskforce on Nature-related Disclosures Recommendations, ou Grupo de Trabalho sobre Recomendações de Divulgação Relacionadas com a Natureza). Mais de 86% de 239 empresas financeiras, de um grupo de 36 países, demonstraram intenção de começar a reportar utilizando este modelo até 2026, de acordo com um levantamento realizado durante o evento, como parte das recomendações.
Abordagem unificada para resultados melhores
Atualmente, embora as divulgações sobre a natureza pareçam ser palavras da moda nos debates sobre investimento responsável, é necessário aprofundar verdadeiramente o seu significado e implementação. A seguir, confira algumas áreas que exigem atenção:
As novas recomendações chegam em um momento crítico. Em setembro, os cientistas relataram que seis dos nove limites planetários foram violados, ultrapassando a zona operacional segura da Terra. O ozônio como limite planetário foi transgredido na década de 1990, mas o mundo foi capaz de trazê-lo de volta a limites seguros devido a iniciativas globais acertadas, como o Protocolo de Montreal que eliminou gradualmente a produção e o consumo de substâncias que destroem a camada de ozônio, comumente usadas em refrigeradores e aparelhos de ar condicionado, extintores de incêndio e aerossóis. Mas, agora, será necessário um nível de persistência sem precedentes para fazer o mesmo em relação a essas outras fronteiras, como a concretização dos objetivos do Quadro de Biodiversidade de Kunming Montreal e do Acordo de Paris. As recomendações do TNFD são uma estrela norte nessa direção.
As novas recomendações são importantes porque, até agora, as metas climáticas de algumas das maiores instituições financeiras tinham sido definidas em torno das emissões que financiam por meio das empresas em suas carteiras, conhecidas como emissões financiadas.
A utilização das emissões como métrica alinha-se bem com o objetivo de reduzir as emissões para cumprir as metas climáticas globais. No entanto, na realidade, utilizar apenas as emissões como métrica pode causar danos. Por exemplo, a bioenergia, produzida a partir de biomassa naturalmente disponível em madeira, culturas ou estrume, é frequentemente aclamada pelas agências de energia como uma fonte de energia renovável eficaz, uma alternativa mais limpa ao carvão ou ao petróleo para fins energéticos. Contudo, não é necessariamente uma solução amiga da natureza. Por exemplo, nos EUA, os cientistas destacaram o risco para a qualidade da água no rio Mississipi devido ao escoamento de fertilizantes nitrogenados aplicados às culturas bioenergéticas. Portanto, essas recomendações, ao fornecerem um quadro para analisar os impactos climáticos e ambientais mais amplos, oferecem uma abordagem sistêmica à sustentabilidade.
O que vem agora
Esta é a primeira vez que um quadro de metas abrange investidores e empresas sob o mesmo guarda-chuva. Portanto, a escala em que isto pode gerar impacto parece ser sem precedentes. No entanto, vai depender muito da eficácia e rapidez com que for implementado. Uma estrutura por si só é ineficaz, só tem efeito quando os defensores adotam e implementam.
As recomendações do TNFD foram criadas tendo em mente a facilidade de adoção, com semelhanças a um outro quadro direcionado para o clima, o Task Force on Climate Related Disclosures (Grupo de Trabalho sobre Divulgações Relacionadas com o Clima). A expectativa é que as organizações assimilem mais facilmente a implementação.
No entanto, existe uma lacuna de capacidade significativa, tanto por parte das instituições financeiras, como das empresas que vão inserir as metas. As equipes de administração e elaboração de relatórios são, muitas vezes, pequenas e sobrecarregadas com os requisitos de relatórios já existentes. As disparidades nas regiões, para além dos Estados Unidos e da Europa, são muito maiores, principalmente porque as regulamentações ficam para trás.
Algumas recomendações de divulgação, especialmente as relacionadas com a governança e a estratégia, são relativamente simples e mais acessíveis para implantar. Em contrapartida, áreas como a gestão do impacto por meio de métricas e metas sobre a natureza, exigem um reforço maior. Por exemplo, avaliar a proporção de fornecedores em questões relacionadas com a natureza, como a água e a biodiversidade, não é simples.
Medir a qualidade da água é relativamente mais fácil, por exemplo, verificando o teor de algas ou amoníaco, mas avaliar a biodiversidade é mais complexo, pois é difícil resumi-la em uma unidade de medida por causa da existência de múltiplas espécies em qualquer local. Em regiões menos desenvolvidas, algumas unidades operacionais de uma companhia podem nem sequer ter um sistema de relatórios e conjuntos de competências em vigor.
As recomendações do TNFD oferecem uma lista anexa de métricas de divulgação global recomendadas relativas às dependências e impactos da natureza, tais como o valor investido na restauração. Essas métricas são úteis para começar. Ao inserir essas práticas, é importante que, em vez de procurarem inicialmente a perfeição, as empresas comecem determinando algumas métricas que serão reportadas e vão ampliando gradativamente as listas, refinando a qualidade ao longo do tempo. Os investidores também precisam de mais conhecimento para interpretar os dados divulgados de forma eficaz para que assim possam tomar decisões baseadas em informações concretas.
Discussões sobre natureza e investimento não são de hoje
O foco na natureza pode ser relativamente novo na comunidade global de investimento responsável. No entanto, compreender os impactos e dependências dos seres humanos em relação à natureza ou vice-versa, não é um conceito recente.
Em 2007, os ministros do Meio Ambiente do G8+5 (Grupo dos oito e cinco países com a maior potência econômica) se reuniram em Potsdam, na Alemanha, estimulados pela dinâmica gerada pela Revisão Stern da Economia das Alterações Climáticas de 2006. Na ocasião, expressaram a necessidade de um projeto semelhante sobre a economia dos ecossistemas e da biodiversidade. Isto acabou por abrir caminho para uma iniciativa global denominada The Economics of Ecosystem and Biodiversity (A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade), que visava “tornar visíveis os valores da natureza”. Seu principal objetivo era integrar os valores da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos na tomada de decisões, em todos os níveis.
Em 2012, tornou-se clara a necessidade de uma abordagem unificada para as empresas avaliarem as suas pegadas ecológicas. O resultado foi a criação do Natural Capital Protocol (Protocolo do Capital Natural) para responder à necessidade de um método padronizado para as empresas avaliarem os seus impactos e dependências. Muitas companhias começaram a compreender as interligações da natureza dentro e fora da sua cadeia de valor.
Em 2021, a ONU (Organização das Nações Unidas) adotou, formalmente, o System of Environmental-Economic Accounting—Ecosystem Accounting (Sistema de Contabilidade Econômica Ambiental – a Contabilidade dos Ecossistemas), um passo histórico na valorização da natureza. O quadro ajuda os países a ir além da valorização da sua produção interna, utilizando o produto interno bruto para incorporar o capital natural na sua contabilidade nacional.
Aprofundando o discurso sobre a importância econômica da natureza, o Tesouro do Reino Unido encomendou uma revisão independente sobre a Economia da Biodiversidade, liderada pelo professor Sir Partha Dasgupta. A análise global de 600 páginas enfatiza a centralidade da natureza nas estratégias e decisões econômicas.
A médio prazo, na medida em que estes esforços influenciarem os tomadores de decisão, tanto nacional como internacionalmente, nos setores privado e público, haverá a necessidade de ligar os pontos para compreender como tudo isto se coloca no quadro geral. Será preciso determinar fronteiras planetárias dentro de limites seguros, refletindo os esforços coletivos da recuperação bem-sucedida da camada de ozônio.
*Simi Thambi é colaboradora da Forbes EUA, economista climática. Atualmente responde pela avaliação de cenários de risco climático para a Iniciativa FAIRR, rede global de investidores com mais de 380 investidores e mais de US$ 70 bilhões em ativos combinados.