“Como líder, você não é a voz mais importante”, diz o presidente da Bayer Crop Science Latam

Apresentado por
5 de outubro de 2023
Bayer/Divulgação

Mauricio Rodrigues diz que inovação e criatividade não existem a contento se a diversidade for escamoteada

Com mais de 20 anos de experiência no mundo dos negócios, Mauricio Rodrigues é hoje presidente da Bayer Crop Science para a América Latina e membro do Comitê Executivo Global da empresa, multinacional de origem alemã dedicada ao agronegócio e à saúde. Brasileiro, Rodrigues é engenheiro civil e também possui pós-graduação em instituições como Ibmec, Fundação Getúlio Vargas, Wharton School e Washington University.

O executivo assumiu o cargo em maio de 2021, com uma missão: falar de diversidade e como impulsionar suas políticas em uma empresa de agricultura e saúde. “Sou responsável pelos negócios agrícolas da Bayer na América Latina, em todos os países, do México à Argentina”, explica o executivo responsável por uma região dividida em três clusters (Norla, Brasil e Cone Sul) com uma estrutura de cerca de 7 mil pessoas.

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A empresa atua em praticamente todos os países com seus principais negócios: proteção de cultivos, sementes e digital, que já está incorporado em ambos os negócios. “Minha carreira sempre foi voltada para a área de finanças. Então, um dos primeiros desafios do meu cargo é ter um olhar mais transversal para todas as áreas e trazer minha experiência financeira, e conectá-la com a parte comercial, P&D e as áreas de apoio”, afirma.

“A segunda é, que como líder, você não é a voz mais importante, mas apenas mais uma voz. Você tem que trabalhar como professor de alguma forma, onde você não é o ator principal, mas sim um facilitador para que essas áreas brilham. Trata-se de como posso apoiar para que haja uma melhor coordenação e colaboração entre eles”, acrescenta.

E, em terceiro lugar, o executivo aponta o desafio de representar a região dentro de uma estrutura organizacional global. No ano passado, a divisão de agro da Bayer cresceu 274,6%, com vendas de 25,2 bilhões de euros (R$136,6 bilhões na cotação atual). Confira a entrevista:

Forbes: Que aspectos da política corporativa são incentivados para que a cultura seja diferente e avance em termos de inclusão e diversidade?
Maurício Rodrigues:
Sendo uma empresa de tecnologia, por definição somos uma companhia de inovação e de criatividade. É interessante porque, se falássemos sobre isso há 10 anos, possivelmente esse conceito ainda não existiria. A diversidade nos ajuda na inovação e criatividade. Se estou trabalhando em algo que é apenas uma reação imediata, muito urgente, ter três ou quatro pessoas que pensam exatamente como eu é mais fácil, mas se preciso de algo sustentável, preciso ouvir pontos de vista diferentes.

Já tive essa percepção muito clara trabalhando em finanças, e quando assumi esta posição foi ainda mais interessante porque interajo com pessoas, por exemplo da área científica ou comercial, e elas veem o mesmo problema e a mesma oportunidade de diferentes ângulos. Essa diversidade de pensamento é algo que a empresa sempre valorizou historicamente. Mas é o primeiro passo. A diversidade deve ser valorizada não só do ponto de vista funcional, mas em tudo: país de origem, raça, gênero, orientação sexual… Como empresa de inovação, não ter isso nos deixaria em uma situação muito difícil.

F: Como trabalhar isso em ações concretas que vão além dos valores?
MR: A coisa do “além dos valores” é interessante. Sou engenheiro civil e para mim os valores são como a base de um edifício, fundamentais, porque é preciso trabalhar e ter muito claro os valores para que não sejam temas de discussão. Além disso, você precisa começar a mudar o status quo.

F: Como?
MR: Com educação. E a educação passa por diversos treinamentos de seus preconceitos inconscientes. Começamos a trabalhar para que as pessoas pudessem ter mais empatia por grupos que muitas vezes não representam e que não têm essa perspectiva se ninguém abrir os olhos. Uma vez estabelecidos os valores, a educação e a comunicação, você começa a formar seus grupos para que eles possam interagir e agir de forma mais eficaz. Por exemplo, estou num grupo que trabalha com a questão de gênero, focado em como trazer mais mulheres, como empoderá-las. Criamos grupos que dão sentido à especificidade da região. A questão racial no Brasil é muito importante porque temos mais da metade da população negra, mas na Argentina talvez não.

F: Qual o ritmo desse movimento?
MR: Qualquer mudança forte leva tempo, mas isso não significa que você não tomará medidas para acelerar. Quando se começa a tomar medidas intencionais, se os valores e a educação não estiverem lá, seria algo fraco, alguém pode até pensar: “Não, isso é preconceito ao contrário”. Uma vez que você diz que isso faz parte dos nossos valores, por isso somos mais criativos, quando alcançamos as intenções fica mais fácil. Outra questão é trabalhar mais a interseccionalidade: preciso garantir que esse ambiente permita que quem vem aqui demonstre o seu principal valor, e não crie outros preconceitos. Se você realmente acredita e valoriza a diversidade, você acredita e valoriza tudo. É muito fácil dizer, mas é muito mais difícil fazer.

F: É uma combinação de ações táticas de curto prazo e uma estratégia de longo prazo…
MR: Exatamente. Somos um recorte da sociedade. Como podemos influenciar isso? Tomar ações que mudem o nosso ambiente, mas garantindo que não é de um dia para o outro, que vai demorar, embora todos os dias tentemos encurtar esse tempo. É importante ter passos consistentes e suficientemente grandes, reconhecendo sempre que é de médio ou longo prazo.

F: Como o sr. vê a região onde atua?
MR: Vejo uma região com uma perspectiva muito mais inclusiva do que há dois ou cinco anos. Vejo um progresso significativo. Estou ansioso, por isso aprecio estes avanços, mas quando olho para frente, ainda temos um longo caminho a percorrer, especialmente porque nem necessariamente todos os países estão no mesmo nível. Uma coisa que trabalhamos muito é: se todos não estão no mesmo nível, quem está um pouco mais avançado serve de exemplo e a gente acelera, usando esses exemplos internos como referência. Um ponto importante é garantir que o ambiente seja suficientemente inclusivo porque, caso contrário, as pessoas vão embora.

F: Como isso impacta os negócios?
MR: Primeiro, em termos da nossa capacidade criativa. O nível de criatividade é sempre muito maior. Quando você olha em termos da nossa capacidade de reinventar a empresa, muito também vem dessa capacidade de atrair pessoas com perspectivas tão diferentes. Ter essa criatividade e essa diversidade dá-nos a capacidade de ter pessoas com perspectivas que convivem melhor com a volatilidade do mundo de hoje.

F: Qual o atual crescimento da Bayer na América Latina, por ano?
MR: Normalmente, cerca de dois dígitos ou mais. É um dos motores do crescimento global, porque temos áreas suficientes, uma agricultura muito moderna, avançada e eficiente em vários aspectos. Em países como Argentina, Brasil e México, o poder da agricultura é um dos mais fortes do ponto de vista econômico, por isso estamos no negócio que é o topo dos países onde operamos. Do ponto de vista de tamanho, representatividade e oportunidade de crescimento, a América Latina é muito importante dentro da Bayer.

F: Quais são os desafios dos negócios na América Latina? Volatilidade, alterações climáticas?
MR: Um dos principais desafios e possivelmente uma das principais oportunidades é como produzir cada vez mais com menos. As questões de sustentabilidade são uma grande oportunidade para trazer mais tecnologia e trabalhar de forma mais colaborativa. Tivemos o outro desafio global de nos acostumarmos a trabalhar, no pós-pandemia, questões logísticas, aumento de custos, inflação global.

Tínhamos que ser mais eficientes para absorver parte desses custos e ser competitivos. Na região, o ambiente macroeconômico é um deles. Quando converso com alguém que trabalha em moeda forte é muito mais fácil, convivemos diariamente com volatilidade cambial. Na Argentina é sem dúvida forte, mas temos vivido situações difíceis nos últimos anos no México e no Brasil também. O cenário de volatilidade aqui é sempre muito mais forte e o cenário político e regulatório. Não sei se é pior ou melhor, mas é uma discussão importante poder ter o suporte para trazer cada vez mais tecnologia para enfrentar muitos desses desafios.

F: Como estão evoluindo os negócios da organização?
MR: Em primeiro lugar, há a questão das soluções abrangentes. Quais são os temas que podemos agregar hoje à nossa plataforma de negócios dentro do conceito de agricultura regenerativa que pode ampliar o escopo de onde atuamos? Nosso foco é como participamos da maior parte desse ambiente mais amplo de oportunidades. A sustentabilidade faz parte dos nossos três pilares estratégicos, juntamente com a inovação e a digitalização. Toda a nossa plataforma de negócios está focada nisso e é uma oportunidade de criar mais valor. Temos uma oportunidade significativa pela frente.

*Reportagem publicada originalmente na Forbes Argentina.