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Mas, para Krijn de Nood, fundador e CEO da Meatable o feito deverá ser lembrado como “um dia normal, com alguém comendo uma salsicha de porco comum”, lembrando que a experiência gastronômica pode lá não ser exatamente satisfatória: trata-se apenas de uma carne comum, produzida em laboratório.
A salsicha híbrida contém 28% de gordura de porco manipulada artificialmente, enquanto o restante dos ingredientes é de origem vegetal: ela é macia, segundo os pesquisadores que a fritaram numa panela também usual.
A salsicha artificial já foi degustada por cerca de 50 pessoas em Singapura, na Malásia, enquanto a companhia busca a aprovação do produto no país asiático. Mas, para a Meatable, realizar uma degustação do produto em seu local de origem, a Holanda, é algo completamente diferente. “É um grande momento, pois representa os cinco anos do nosso trabalho”, diz Nood.
Regras do jogo da carne cultivada
Mais de 10 anos se passaram desde que o primeiro hambúrguer cultivado foi desenvolvido na Holanda lá em 2013, mas ninguém teve a chance de prová-lo naquela época.
A legislação europeia exige das empresas que desejam vender qualquer alimento criado após 1995 que apresentem uma análise científica detalhada à EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), antes que o ingrediente seja consumido pelos cidadãos europeus.
As mesmas regras se aplicam não somente à comercialização dos produtos, mas também à degustação, o que representa uma outra barreira para quem deseja colocar novos produtos no mercado. Os legisladores holandeses vêm trabalhando desde 2022 em uma nova resolução parlamentar que permite a degustação de carne laboratorial, desde que seja dentro de critérios e condições controladas.
Quando a empresa holandesa Mosa Meat, por exemplo, inaugurou a maior “fazenda” de carne artificial do mundo nos Países Baixos, em maio de 2023, ainda era muito cedo para que se pudesse provar o novo tipo de hambúrguer. Hans van Wolde, um chef holandês reconhecido pelo guia francês Michelin, até ousou fazer no momento uma demonstração culinária, na qual os hambúrgueres foram grelhados na chapa. Mas ninguém pôde comer a carne em questão, podendo apenas sentir o cheiro e dizer se parecia uma proteína animal.
Em julho do mesmo ano, os legisladores holandeses revogaram a proibição, autorizando a degustação em ambientes controlados. A medida hoje garante que cientistas saibam o que estão produzindo e que consumidores em potencial possam decidir se querem experimentar o produto.
Fundamentos da degustação
A Meatable é uma empresa com mais de 90 funcionários, a maioria em home office. “No laboratório também há pessoas, pois as degustações não podem acontecer sem ninguém”, diz Daan Luining, cofundador da empresa.
As células utilizadas para produzir os produtos cultivados não são extraídas de animais vivos, mas sim da fertilização de óvulos de porcas. A tecnologia patenteada, chamada opti-ox, pela Meatable permite que essas células-tronco embrionárias suínas cresçam em condições que lhes permitam expandir-se em grande número e rapidamente.
Em março de 2023, a empresa afirmou que seu processo de produção de diferenciação de tecido adiposo e muscular de alta qualidade foi encurtado de oito para quatro dias, em um processo mais rápido do que qualquer outra empresa do setor.
Durante a degustação, havia na bancada linguiças totalmente vegetais para que fossem comparadas com a amostra de gordura de porco cultivada. Segundo Nood, não é surpresa para ninguém descobrir que a carne de porco cultivada tem, de fato, gosto de porco.
“É uma especificidade”, disse Luining. “Nos suínos, diferentemente dos bovinos, a maior parte do sabor vem da fração de gordura”. Segundo relatos do grupo de convidados à coletiva da Meatable, o sabor da carne de porco permaneceu bastante forte na boca, mas não pareceu desagradável ou artificial. E que o que foi provado parece de fato carne porque, apesar da gordura de porco representar apenas um terço do produto total, o sabor dos outros ingredientes que são vegetais não pôde ser identificado.
Para Luining, foram as restrições até mesmo para a degustação do produto que atrasou o desenvolvimento da carne artificial — isso para todas as empresas —, sendo que até o ano passado somente alimentos plant-based podiam ser comercializados em Singapura.
No caminho da expansão
Como muitas empresas europeias de novos alimentos, a Meatable planeja lançar sua salsicha primeiro em Singapura, onde o processo de aprovação é mais rápido e eficiente. A empresa já apresentou um dossiê e Luining disse que “em breve” eles poderão receber uma resposta da agência de alimentos do país.
Até o momento, apenas produtos de carne cultivada à base de aves estão acessíveis aos consumidores da Malásia e dos EUA. A mais recente novidade em Singapura é um produto de carne cultivada à base de codorna, da empresa australiana Vow.
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Esse é o principal motivo pelo qual a Meatable tentará entrar nos EUA antes de olhar para outras regiões, a partir de 2026. “Não abandonamos a Europa, só precisamos ter certeza de que temos força suficiente para convencer as pessoas a nos ajudar na próxima fase do negócio”, disse Luining.
Debate sobre o clima
Outro viés desse mercado é que a carne cultivada tem sido associada a maiores reduções nas emissões de carbono. De acordo com avaliações realizadas por pesquisadores da Universidade de Delf, nos Países Baixos, a carne artificial garante ganhos ambientais superiores à carne convencional.
Luining, entretanto, menciona que estudos realizados até agora não avaliam os métodos de produção. “Ninguém modelou nosso método de células pluripotentes. Como todo mundo ainda está usando células musculares primárias e células de gordura primárias, esses têm sido os únicos métodos analisados”, disse ele. Como o processo da Meatable reduz o tempo de produção pela metade, sua metodologia poderia economizar ainda mais energia e matéria-prima. “É por isso que o tempo de produção é muito importante.”
*Daniela De Lorenzo é colaboradora da Forbes EUA. Escreve sobre sistemas de produção de alimentos, meio ambiente e energia.