Em 2020, foram criados 85 fundos rotulados como sustentáveis por gestores no Brasil, contra apenas seis em 2019, segundo um levantamento realizado pela Morningstar. A pandemia, embora não seja sozinha responsável por tal crescimento, reforçou o olhar social que embasa a tendência observada ao redor do mundo nos últimos anos, e que começa a despontar no país.
A sigla ESG, que faz referência a questões ambientais, sociais e de governança medidas nas práticas de uma empresa (em inglês, Environmental, Social and Governance), foi cunhada pela primeira vez em 2005, e em menos de 20 anos deixou de ser uma iniciativa de responsabilidade corporativa lançada pelas Nações Unidas para se tornar um movimento global que vale mais de US$ 30 trilhões, de acordo com dados da Global Sustainable Investment Alliance.
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Fabio Alperowitch, cofundador e gestor da FAMA Investimentos, avalia que o crescimento e popularização das práticas ESG estão ligadas a três grandes movimentos: “O primeiro é a mudança do capitalismo shareholder, que é aquele em que as empresas se importavam apenas com seus próprios lucros, para um capitalismo stakeholder, mais inclusivo. O segundo é um processo de mudança geracional – a geração Z se importa com questões que as gerações anteriores não se importavam, como direitos humanos, meio ambiente, crueldade animal, etc. O terceiro é questão de urgência da mudança climática, que direciona as atenções para alguns temas e exige mudanças regulatórias.”
A Europa é hoje responsável por cerca de metade dos ativos sustentáveis globais, e líder também na criação de padrões para os investimentos sustentáveis. Além de contar com o EU Taxonomy, um sistema de classificação que determina se uma atividade econômica pode ser considerada sustentável, o bloco também implementou, em março deste ano, o SFDR (Regulamento para Divulgação de Finanças Sustentáveis, em tradução livre), que busca impedir que firmas de investimento façam alegações inverídicas ou equivocadas sobre seus compromissos sustentáveis.
No Brasil – onde os fundos ESG captaram ao menos R$ 2,5 bilhões no último ano -, o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) é a principal referência no desempenho médio das empresas bem posicionadas na agenda ESG. Para atender melhor às demandas de transparência ESG, o benchmark passou em julho por uma reformulação que entrará em vigor em 2022. “O ISE tem uma importância histórica, com quase 15 anos de vida, e foi um dos primeiros índices de sustentabilidade do mundo”, diz Alperowitch, acrescentando que “ao longo dos últimos anos ele se perdeu completamente.”
Uma das mudanças contempladas pela reformulação do índice está relacionada ao peso das empresas em sua composição: antes, esse peso era dado pelo seu valor de mercado, mas agora será pelo seu desempenho ESG. “Eu ainda tenho críticas. Empresas de combustíveis fósseis, carvão e armas, que são setores que certamente não trazem nenhum benefício para a sociedade, não são excluídas do ISE. Mas obviamente a reformulação do índice é bem-vinda”, argumenta o gestor.
ESG à brasileira
Embora ocupem um espaço próximo no mundo dos negócios, investimentos ESG e de impacto não são a mesma coisa. O primeiro se preocupa com a forma como uma determinada empresa opera – ou seja, se as suas ações mitigam riscos ambientais, sociais e de governança. Já o segundo se preocupa com a finalidade das operações de uma empresa, que deve ser de criar impactos positivos na sociedade.
“Se a gente fosse colocar numa visualização, primeiro viriam os investimentos tradicionais, que consideram retorno financeiro em primeiro lugar”, diz Nathalia Pereira, consultora da WayCarbon. “Depois os investimentos sociais responsáveis, que normalmente usam um método de exclusão de setores com impacto negativo. Em seguida, os investimentos ESG, que priorizam empresas com boas práticas, ambientais, sociais e de governança. Aí depois o investimento de impacto, e por fim a filantropia.”
Para Laura Albuquerque, gerente técnica da WayCarbon, o investimento de impacto tem o potencial de ganhar o espaço que o ESG tem hoje. Segundo a Global Impact Investing Network, os ativos dos investimentos de impacto alcançaram mundialmente US$ 715 bilhões em 2020. No Brasil, alguns fundos de impacto que se destacam são os da Vox Capital, que busca expandir o acesso ao atendimento bancário e fomentar a inclusão financeira da população brasileira, e IG4 Capital, que investe em empresas de saneamento básico e infraestrutura hospitalar, por exemplo.
“Existe um potencial gigantesco no Brasil de causar transformações”, avalia Laura a respeito dos investimentos de impacto. “Mas isso precisa vir acompanhado não só de ações voluntárias do mercado financeiro, mas também de uma segurança jurídica. Não tem como o setor financeiro atuar se o regulador não fiscalizar, e se governos como um todo – reguladores também são parte do governo, como CVM e Banco Central – não estiverem alinhados buscando o mesmo objetivo.”
Alperowitch, no entanto, avalia que os desafios são ainda maiores. Entre eles, o gestor aponta a imaturidade do público investidor, que ainda não compreende os selos de sustentabilidade. Ele cita o PRI (Princípios do Investimento Responsável), que muitos investidores acreditam ser um indício de práticas ESG, mas que na verdade é um selo autodeclaratório, que qualquer empresa pode ter.
“O amadurecimento do mercado ESG no Brasil está extremamente atrasado. O debate aqui é superficial, raso, quase que monotemático. A gente escreve ESG com S minúsculo, num país que tem desafios sociais gigantescos. Não usamos um ESG à brasileira; o ESG a gente traz o importado e reduzido”, conclui.
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