A discreta volta das usinas nucleares

30 de julho de 2023
Getty Images

Energia atômica representa 10% do total gerado; após décadas de estagnação e fechamentos controversos, há 55 unidades em construção em 32 países – Brasil entre eles

Energia não costuma causar polêmicas. Há vários consensos. A energia gerada pela queima de combustíveis fósseis, carvão e petróleo, é vista como negativa. A produzida por meios renováveis – solar, eólica e de marés – é considerada positiva. A energia hidrelétrica ainda é considerada amigável ao meio ambiente, apesar de ter sofrido críticas nos últimos tempos – uma usina inunda uma área extensa e força o deslocamento de muitas pessoas. Porém, nada é tão controverso quando a energia nuclear. Seus defensores a consideram a única alternativa viável para impedir o aquecimento global. Seus críticos afirmam que é algo perigoso e passível de acidentes. O debate sempre rememora os incidentes de Three Mile Island, nos EUA (1979); Chernobyl, na Ucrânia (1986); e Fukushima, no Japão (2011).

O melhor exemplo dessa controvérsia é a situação da Alemanha. Na virada do século, o país contava com 28 usinas nucleares em atividade. Em 2001, pressões ambientais fizeram o governo aprovar um plano de desligamento gradual de todas elas até 2030. O acidente de Fukushima apressou as coisas, e a última usina deveria ter sido desligada no início de 2022. Porém, a invasão russa à Ucrânia em março do ano passado interrompeu o fornecimento de gás natural à Alemanha, e as autoridades tiveram de adiar o fechamento das três unidades que permaneceram ativas até abril de 2023. A decisão esteve longe de ser consensual. Os favoráveis ao fechamento levantaram pontos como os riscos de explosões e vazamentos de radiação e a difícil e cara gestão dos resíduos radioativos. Seus oponentes trataram da complicada dependência de gás da Rússia e do fato – inquestionável – de que as energias eólica e solar ainda não são confiáveis o bastante para substituírem totalmente a eletricidade proveniente do carvão e do petróleo.

Qual é a importância desse negócio? Para a irritação dos opositores, a energia nuclear é imprescindível. Segundo a consultoria McKinsey, as 440 usinas em atividade atualmente em 32 países (duas delas no Brasil) respondem por cerca de 10% da geração global e têm uma capacidade de gerar 390 GWh. Suas desvantagens são conhecidas: além dos acidentes, as usinas são caras e demoradas para construir e geram rejeitos radioativos que têm de ser manejados por séculos.

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Porém, há vantagens inegáveis: o fornecimento é confiável. Para além da construção, a energia gerada não aumenta a pegada de carbono. As usinas são obras relativamente pequenas se comparadas a uma hidrelétrica. Por isso, é possível implantar uma unidade em um local onde não é possível gerar por meios tradicionais, o que reduz os custos de transmissão. E a energia nuclear é um bom complemento para as variantes eólica e solar, pois pode compensar momentos de queda nessa geração renovável – durante o inverno, por exemplo.

Não por acaso, projetos há muito engavetados estão sendo colocados em prática. De acordo com a World Nuclear Association (WNA), há 55 unidades em construção. A maioria delas na China, com 23 obras. Em seguida vem a Índia, com oito novas plantas. Elas têm um potencial conjunto de gerar 60 GWh, o que representa uma expansão potencial de 15% na capacidade instalada.

No Brasil, a participação da energia nuclear ainda é pequena, cerca de 2% do total. No entanto, conforme a estatal Eletronuclear, em 2022 as usinas de Angra 1 e Angra 2 geraram 15,5 mil GWh, o suficiente para abastecer a região Centro-Oeste. Angra III, cujas obras foram paralisadas em 2020 e não há previsão de retomada, deverá ter capacidade instalada de 1,4 GW. Cerca de 65% das obras estão concluídas e a previsão de entrada em operação é para 2028. Uma quarta usina, com 1 GW de potência, está no Plano Decenal de Energia 2022/2031, divulgado no ano passado.

Esse renascimento nuclear reverte uma tendência. A maior expansão do parque nuclear na Europa e nos Estados Unidos ocorreu entre as décadas de 1960 e 1970, mas desacelerou nos anos 1980 após os primeiros acidentes graves. As exceções foram China, Rússia e Coreia do Sul, que mantiveram seus programas inalterados, com a ajuda de um componente militar. Porém, nos últimos tempos, o aperfeiçoamento da tecnologia e o preço crescente das terras para instalar plantas de energia renovável reduziram a resistência com relação ao tema. Ou seja, apesar das resistências, ainda que não triunfalmente, a energia atômica deverá retornar.

*Reportagem publicada na Revista Forbes (que pode ser acessada no aplicativo ou no impresso) que integra o Especial ESG na edição 108.