
Roberto Rodrigues é uma personalidade de muitos papéis. Aos 82 anos, já presidiu diversas entidades do agronegócio, como a Associação Brasileira de Agronegócio (Abag) e a Sociedade Rural Brasileira. Ele também foi ministro da Agricultura entre 2003 e 2006. Uma pauta que sempre esteve presente em suas ações foi a sustentabilidade no setor. Agora, essa temática o chama de volta para o centro das discussões. Rodrigues, hoje professor emérito da FGV, foi anunciado Enviado Especial para Agricultura na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, por André Corrêa do Lago, presidente da conferência, que ocorre em novembro em Belém do Pará.
Mas afinal, o que um enviado especial faz? O enviado é uma figura considerada essencial no engajamento e na escuta dos setores e regiões que representa. Ele atua como interlocutor para o fluxo de informações na área que representa, além de apresentar demandas para a presidência da COP30. Ao todo, serão 10 enviados para regiões estratégicas, com atuação geral nos locais que representam, e 20 enviados para setores-chave.
É nessa categoria que entra Rodrigues. Em entrevista exclusiva à Forbes, ele conta sobre os assuntos que serão prioritários na sua agenda, como o papel do agronegócio na garantia da segurança alimentar global e no combate às mudanças climáticas.
Qual é o papel do enviado especial para Agricultura na COP30?
No momento, estou como assessor do presidente da COP 30, para assuntos de agricultura. Meu papel inicial é reunir e conversar com todas as entidades do agronegócio e montar uma agenda única. Porque cada instituição, cada entidade tem um projeto, um objetivo, uma demanda específica e tem outras que são gerais para todo mundo. Então, estou reunindo especialistas das diferentes cadeias de produção, entidades de classe e da academia para montar uma agenda única, que todos estejam de acordo. E, eventualmente, vamos incorporar essa agenda única que sirva para todos. São mais de 50 instituições, e cada uma têm os seus propósitos, preocupações e ambições, mas temos que montar essa agenda única.
Ao conseguir um consenso entre as instituições, é preciso convencer o governo de que essa é uma agenda necessária e que precisa ser defendida na COP30. Mas vale ressaltar que o presidente da COP representa o Brasil e o mundo todo. Então, ele não tem o papel de defender o agro brasileiro, mas sim um agro universal. Todas as propostas que tratarei de conseguir, vão considerar a inserção do Brasil no comércio agrícola e no consumo mundial. Claro, que ele também pode ter uma função de defesa do nosso agro, mas temas universais, como as mudanças climáticas, a questão da transição energética e da segurança alimentar, são prioridades na agenda.
Quais propostas devem integrar essa agenda universal?
Isso ainda não está totalmente definido. Preciso discutir com as instituições do setor. O que é fundamental, do meu ponto de vista,é fazer uma clara demonstração de como a atividade rural no Brasil é sustentável. Somos um país muito relevante para a segurança alimentar global, e também temos uma matriz energética que é 50% renovável, e metade vem da agricultura.
Vamos mostrar como as nossas práticas agrícolas podem ser replicadas, sobretudo, nos países tropicais, e como a sustentabilidade na agricultura implica na redução das emissões de gases de efeito estufa.
Para o senhor, o que é preciso para que a agricultura brasileira seja mais sustentável?
Nós já temos uma agricultura tecnicamente construída para ser sustentável que ainda não acontece em sua totalidade. Para melhorar essa realidade, entra a questão do financiamento global, medida em que os países desenvolvidos, que supostamente emitem menos, ajudam os subdesenvolvidos a atingir suas metas climáticas.
Fato é que o que nós fazemos aqui pode refletir em toda a América Latina, a África, a Oceania e em países do cinturão tropical asiático, etc. E a reprodução dessa tecnologia que aplicamos na nossa atividade agropecuária necessariamente precisaria de subsídio e subvenção do financiamento global.
Como o senhor pretende deixar claro na COP30 que o agronegócio também é fortemente afetado pelas mudanças climáticas?
Vamos mostrar nossos números, que falam por si. Dos anos 1990 até hoje, portanto, em 35 anos, a área plantada de grãos no Brasil cresceu 115%, dobrou. E a produção de grãos cresceu 457%. Quatro vezes mais que a área plantada. O que provocou isso? A tecnologia. Hoje, produzimos mais sem precisar aumentar a área. O Brasil é o único país do mundo que faz duas e até três safras na mesma área no mesmo ano. Isso é uma coisa inédita.
O etanol de cana, por exemplo, emite apenas 10% do CO2 que a gasolina emite. Um combustível com 27% de etanol de cana contribui para a redução das emissões de gases de estufa. Além disso, fala-se muito de desmatamento no Brasil. O nosso setor já plantou 10 milhões de hectares de florestas que impulsionam a economia florestal.
Como a pecuária deverá ser discutida na conferência?
Uma pastagem bem formada sequestra muito mais carbono do que a emissão do metano pelo gado. Então, esse sequestro de carbono vai ficar positivo em relação às emissões da pecuária. É isso que vamos mostrar.
Na COP29, em Baku, foi lançada a iniciativa climática Baku-Harmonia, que debatia o financiamento climático e a necessidade de enfrentar mudanças climáticas na agricultura. Esse programa vai continuar?
Por enquanto, o foco está na agenda universal para o agro. Quando ela estiver consolidada, vamos ver as outras ações laterais que vêm pela frente. Temos iniciativas que foram feitas no próprio G20, no ano passado, como a criação de um programa mundial de combate à miséria e à fome, que serão discutidas. Isso faz parte, evidentemente, dos temas para a COP30, mas ficarão para um segundo momento.
Como o senhor se sentiu ao ser convidado para ser o enviado da agricultura na COP30?
Fiquei surpreso. Tenho 82 anos, tive uma vida muito ativa na agricultura. Fui presidente da Sociedade Rural Brasileira, da Abag, participei do Conselho da ONU, fui presidente do Conselho Superior do Agro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), enfim, um conjunto muito grande de entidades ligadas ao agronegócio. Hoje sou um acadêmico na agricultura, conselheiro de empresas e palestrante. Não sou mais um líder rural. Aliás, nunca fui um líder rural, sempre fui um representante do que a agricultura necessitava.
Agora, nessa posição, não imaginava que teria esse convite. Fiquei profundamente surpreso e um pouco assustado, confesso, porque é uma missão realmente desafiadora harmonizar interesses tão distantes como existem na agricultura e na indústria. Mas também fiquei orgulhoso de poder ter uma contribuição a mais para o agro brasileiro, sobretudo ao lado de um homem digno, como é o presidente André Corrêa do Lago, que eu admiro profundamente.