Muito além da carne

4 de outubro de 2014

A sacola, feita de um papel grosso e colorido, é daquelas típicas de loja de shopping. Perto da alça, uma etiqueta adesiva protege o conteúdo de seu interior como se fosse um presente. Dentro, um simpático e também colorido papel de seda envolve o que poderia ser uma peça de roupa ou um objeto de decoração. Na verdade, a sacola abriga alguns bombons, mas não de chocolate. Estamos falando de pequenos cortes de alcatra, embalados a vácuo. Nessa embalagem, o cliente do Feed, um dos açougues de luxo inaugurados neste ano no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, leva para casa qualquer um dos mais de 30 cortes de carne bovina disponíveis no local. Estamos falando de um açougue tradicional onde você escolhe a peça de carne e pede ao açougueiro para cortá-la conforme a preferência. Mas aqui não há sinal de azulejos brancos com rastros de sangue ou daqueles desajeitados balcões de inox refrigerados.

A sensação é de estar em uma loja de grife. Na entrada, o lounge é decorado com clássicos do design como poltronas Vladimir Kagan e Bubble Chai, próximas a uma mesa de centro com revistas de moda e livros de gastronomia. Ao lado, a parede de cimento queimado exibe de um jeito moderninho, com adesivos pretos, a relação dos cortes e seus preços. As carnes ficam ao alcance do cliente nos refrigeradores embutidos em painéis de madeira. No lado oposto, uma descolada estante de laca branca abriga azeites trufados, potes de sal com baixo teor de sódio e carvão que não faz fumaça. A área dos açougueiros completa os 350 metros quadrados de loja. Protegida por vidros do chão ao teto, ela deixa visível o trabalho dos artesãos da carne. Pelo açougue, discretos atendentes portando tablets estão de prontidão ao menor sinal de dúvida do cliente.

O Feed é propriedade do pecuarista Pedro Merola. O empresário de 35 anos pertence à quarta geração de uma família do interior de Goiás com tradição na criação de gado e no plantio de milho, feijão e soja. Há sete anos, ele começou seus estudos em torno da carne bovina. Criou um blend das raças angus e bonsmara e chegou a conclusão de que o abate deve acontecer quando o animal tiver entre 23 e 30 meses de idade e peso em torno de 560 e 630 quilos. A alimentação do gado também é controlada, diz Merola. Na menor suspeita de utilização de ração inadequada – o caroço do algodão, bastante usado em épocas de seca, quando há escassez de pasto, é um exemplo –, o rebanho é eliminado da lista de compra do Feed.

“Cerca de 25% do sabor da carne vem da raça e os outros 75% é a forma como o animal foi criado e alimentado”, afirma. A produção de Merola não dá conta de atender à demanda do açougue e de seus clientes pessoas jurídicas (os restaurantes). Por isso, ele também conta com pecuaristas parceiros, todos supervisionados por uma consultoria especializada. Ela garante o tipo de criação exigida por Merola. “Conseguimos manter um padrão para a carne. Ou seja, a picanha comprada aqui hoje vai ter a mesma maciez e sabor da peça adquirida daqui a um mês ou um ano”, afirma. Para montar seu açougue, o empresário rodou o mundo em busca de inspiração. E foi bater na porta do Victor Churchill. O açougue fundado em 1876 em Sidney é considerado pelo dinamarquês Martin Lindstrom, uma das mais importantes autoridades em neuromarketing no mundo, o mais luxuoso do planeta.

A fachada é uma mistura de boulangerie parisiense com uma livraria londrina. Na vitrine refrigerada, pequenos e poucos pedaços de carne são dispostos como joias. Aliás, os donos do açougue, o croata Victor Puharich e seu filho Anthony, adoram pensar que trabalham no mundo da moda. No interior do Victor Churchill eles instalaram uma vitrine em homenagem a Louis Vuitton. Doze câmeras filmadoras penduradas na parede estão voltadas para o sempre pequeno e delicado pedaço de “carne do dia” protegido por uma redoma de vidro. A cena remete à campanha de 2008 da marca francesa, quando peças de roupas do manequim eram filmadas 24 horas por dia na vitrine.

Um dos destaques do Victor Churchill é o wagyu (kobe beef) produzido pelo pecuarista David Blackmore. O empresário, um dos mais renomados produtores do boi da raça japonesa, faz parte da quinta geração de uma família de fazendeiros que estuda a genética desse animal. O wagyu recebe pontuação de 1 a 12, de acordo com seu grau de marmoreio (gordura entremeada). Quanto maior a nota, mais maciez e sabor. A produção australiana de Blackmore tem pontuação acima de 9, enquanto no Brasil o grau de marmoreio do wagyu chega somente a 8.

“Os bifes de wagyu do Blackmore são encontrados apenas nos restaurantes mais exclusivos do mundo e também no nosso açougue”, afirma Sarah Hendry, gerente de marca do Victor Churchill. Lá, o quilo da iguaria custa 199 dólares australianos (R$ 412). O açougue recebe clientes famosos, diz Sarah. Entre eles, o ator Hugh Jackman, além dos conceituados chefs Anthony Bourdain e Fergus Henderson. Até a apresentadora americana Oprah Winfrey já saiu de lá com um embrulhinho debaixo do braço.

Bem distante dali, mais especificamente no coração de Londres, funciona o Barbecoa Butchery, do midiático chef Jamie Oliver. Inaugurado há quatro anos, o local tem a fachada toda de vidro e passa a impressão de se tratar de qualquer tipo de comércio sofisticado, menos de um açougue. O abatedouro prestador de serviço do Barbecoa fica na Escócia. Lá, a cada 800 carcaças, apenas as seis melhores são selecionadas para o açougue de Oliver. E o corte das carnes foi entregue a especialistas. Dois de seus três açougueiros, entre eles uma mulher, Sophie, vêm de famílias ligadas ao ramo.

Por falar em especialistas, não são apenas os açougueiros as grandes estrelas desses estabelecimentos. No The Butchery, inaugurado em maio no bairro de Pinheiros, capital paulista, uma zootecnista fica de plantão para tirar dúvidas dos clientes. Lá, o forte são as raças bonsmara, angus e wagyu, cujo quilo custa R$ 299. O açougue premium dos jovens empresários Dennis Perlman, Caio Bortman e Leon Isfahani conta com três fornecedores fiscalizados por uma consultoria para assegurar o padrão de qualidade da carne.