Uísque começa a conquistar os jovens

18 de outubro de 2014

O uísque está em alta nos bares da moda. O interesse é tão crescente que Claive Vidiz, o ex-executivo da indústria farmacêutica que se tornou o maior colecionador de scotch uísque do mundo, não faz muito tempo recebeu em sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, um grupo de pessoas interessadas em formar um bar só de single malts na cidade. Ele não sabe se a ideia vai vingar, mas até poucos anos atrás ela seria impensável. Desde que o mercado brasileiro se abriu para as importações no início dos anos 1990, a paulatina invasão de vodcas, tequilas, runs, gins, cervejas, conhaques e tantas outras bebidas de boa qualidade – especialmente os vinhos – foi como um iceberg colocado no copo em que o uísque se mantinha como “a” opção de bebida. Aquela imagem de Vinicius de Moraes, nosso “vate” 69, fazendo shows com seu scotch ao lado se tornou coisa passadista.

Mas nada como uma novidade depois da outra para convidar ao revival de ondas passadas. Sem contar que as opções de uísque no mercado também disparam em variedade e qualidade, a par das intensivas ações de marketing das destilarias da bebida em todo o mundo. Seja como for, empresários da noite como Marcos Campos, um dos sócios do bar Número, o point do jet set paulistano que já recebeu celebridades como Julian Lennon e Bono Vox, da banda U2 (não se sabe se Bono embalou a noite com o Jameson, o irlandês da casa), percebem há algum tempo um renovado interesse de jovens na faixa dos 20 anos pela bebida que fazia a cabeça de seus pais e avós e avós. O próprio Marcos buscou inovar em sua carta, e no Número atualmente faz sucesso o uísque japonês. O bar conta com quatro opções nipônicas da Suntory: a mais afamada é o Hibiki, de 12 e de 17 anos (este, R$ 90 a dose). Tem também o single malt The Yamazaki e o Suntory, mais simples. “O Hibiki é considerado hoje por muitos como um dos melhores uísques do mundo, tem personalidade, é marcante”, diz Campos, dono também do Club Disco, na Vila Olímpia, e do Cafe de La Musique de Floripa. Derivan Ferreira de Souza, barman do Número e um ícone da noite paulista em seu métier, conta que os japoneses da Suntory compraram, desmontaram e levaram para o Japão uma destilaria escocesa inteira. Grande conhecedor de uísque, ele lança em breve um livro sobre a bebida e já perdeu a conta das vezes em que foi visitar destilarias na Escócia. Na mais recente, teve a oportunidade de conversar com o master blender da William Grants & Sons, Brian Kinsman, sobre a penetração japonesa no mundo do scotch. “Para nós está maravilhoso”, disparou o britânico. “Ou eles compram tudo pronto de nós ou vão ter de plantar grãos em vasinhos.”

Outro exemplo do renascimento do uísque em todas as suas variedades vem do americano bourbon, o American Whiskey do Kentucky, à base de milho. Mais que uma bebida, o bourbon é um ícone cultural americano pelo qual muitos são capazes de sacar as armas do coldre. Assim como por seu similar Jack Daniel´s (veja o box ao lado), cuja destilaria é um monumento histórico e criou para si uma denominação controlada exclusiva – Tennessee Whiskey. As exportações de bourbon para o mundo triplicaram nos últimos 11 anos e apenas no Brasil a bebida respondeu, no varejo, por US$ 3,9 milhões em 2012. Dez anos antes, não ultrapassavam R$ 140 mil.

É claro que não dá para levar a turfa escocesa para lugar nenhum, nem suas águas, seu clima, suas plantas – tudo enfim que faz do genuíno uisge beatha, a “água da vida” no antigo celta, o único com o direito de usar a denominação “scotch whisky”– os fabricados nos demais países são “tipo” scotch. Mas nem todo mundo tem as exigências de experts como o brasileiro Claive Vidiz e seus companheiros na associação que formou para divulgar a cultura do uísque, que atende pela simpática sigla Abcw (Associação Brasileira do Colecionadores de Whisky) e hoje está praticamente desativada. Com Vidiz em seus 80 anos de idade, vários de seus antigos companheiros de associação já se foram ou não têm mais saúde para desfrutar das reuniões entre boas e fartas degustações – sim, porque Vidiz não é colecionador para inglês ver, mas fino apreciador e bom copo. Diz ele que nos últimos 40 anos a pergunta que mais se fez é: “Que uísque eu quero tomar agora?” Mas bêbado não ficou jamais na vida, conta. “Nem uma vez, nunca consegui, acho que não bebi o bastante”, brinca.

Outra razão é que sua magnífica coleção, a maior do mundo, que entrou para o Guiness Book em 1993 e nele permaneceu por cinco anos (o Guiness não pode repetir para sempre os mesmos recordistas, mesmo que não tenham sido batidos, ou não haveria livro que chegasse), já não está mais no país. Era ela que unia os membros da Abcw com grande orgulho, mas não há motivo para se lamentar: em 2009 o brasileiro fez um acordo para a transferência – cujos termos ele não abre – de todo o conjunto para a Diageo, a maior fabricante de bebidas premium do mundo e dona de mais de 40 destilarias escocesas. Desde então a coleção do brasileiro forma um museu do scotch uísque em Edimburgo que leva o seu nome – Diageo/Claive Vidiz Scotch Whisky Collection – e já foi visitada por mais de 300 mil pessoas.

São 3.884 garrafas fechadas e organizadas por destilaria, sem um único rótulo repetido, muitas delas edições históricas limitadas e raríssimas. Só um Strathmill single malt produzido para celebrar o centenário da destilaria de Skeye custou a Vidiz mil dólares em 1969, o que explica por que ninguém ousa arriscar um valor para a coleção. Ela é considerada inestimável na Escócia – um tesouro que voltou ao lar. Para se ter uma ideia da preciosidade que representa, a Diageo contratou uma firma internacional especializada no transporte de obras de arte para levá-la de navio, cada garrafa embalada separadamente. E ainda produziu um belo livro ilustrado de grande formato para contar a história da montagem do museu, em mais uma homenagem a Vidiz. Ele aparece em várias imagens com seu kilt recebido do governo escocês anos atrás, numa honraria geralmente concedida apenas a chefes de Estado, à época de seu ingresso no Guiness Book. E paramentado com os distintivos de um Keeper of The Quaich (em escocês antigo, Mantenedores do Copo), sendo que no Brasil é uma das duas pessoas a ter recebido da entidade o título de Master, conferido até hoje a pouquíssimos no mundo. Entre eles, o editor-chefe da Forbes Magazine nos Estados Unidos, presidente do Conselho e CEO da Forbes Inc., Steve Forbes, cujo avô e fundador da revista em 1917, B.C. (Bertie Charles) Forbes, era escocês. O outro Master of The Keepers of The Quaich no Brasil é o italiano Fabrizio Fasano, que juntamente com o lendário presidente da Fiesp Mario Amato foi um dos nossos “barões” do uísque. Produzia o Old Eight e Amato, o Drury´s.
Cid Simão, o dono do restaurante Tre Bicchieri, em São Paulo, foi o mais jovem membro da história da associação – ele ainda não completou 50 anos e entrou para o grupo no início dos anos 1990. Formou uma coleção que estima em cerca de 350 garrafas, parte delas exposta no bar Isola, que inaugurou há pouco tempo no Tre Bicchieri do Shopping JK Iguatemi. Apesar de ser uma casa italiana, quem entra no Isola pode observar, em meio à decoração, a homenagem ao uísque presente em referências como um mapa da Escócia e cartazes antigos de destilarias nas paredes. Mas Simão não segue adquirindo mais garrafas para a coleção, apenas preservas as suas intocadas em prateleiras altas na área do balcão, e que volta e meia um frequentador, ao se deparar ali com marcas há muito tempo não vistas no mercado, insiste em tomar. “Nunca abri nenhuma e nem irei abrir, a coleção é intocável”, diz Simão. Ele é mais um empresário que tem notado o espaço crescente para lugares noturnos com boa coquetelaria e destilados, como o seu. “Criei o Isola na área de espera do Tre Bicchieri inspirado pelos clássicos American Bar de hotéis, que normalmente têm seus nomes próprios e não o do hotel”, conta. Em relação aos destilados, nota que nas décadas de 1970 e 80, quando o mercado nacional não era aberto, o uísque reinava sozinho, vindo de contrabando do Paraguai. “Quando se entrava numa boate como Regine´s ou Gallery já tinha uma garrafa em cada mesa”, lembra. A abertura inaugurou uma nova era, especialmente levando as pessoas para o vinho, tanto que muitas destilarias, diante da concorrência, correram para adquirir vinícolas. “Mas o gosto pelo uísque está sendo resgatado, especialmente pelas marcas premium”, diz. “A tendência agora nesse tipo de bar é beber com qualidade, apreciar a bebida, seja um single malt ou uma boa cerveja especial”, diz.