Em 2019, ao comemorar seu septuagésimo aniversário, o consultor de energia João Alberto da Silva pretende subverter seu papel de homenageado, oferecendo um presente exclusivo aos convivas. Cada um deles receberá uma garrafa do vinho de marca JA49, um blend de malbec, shiraz e cabernet franc produzido no Vale de Uco, em Mendoza, na Argentina. “Criado e produzido em meus próprios vinhedos aos pés dos Andes” — dirá, ele, escandindo as palavras e degustando todas as notas aromáticas de uma vida vitoriosa.
João Alberto, que mora em Florianópolis, teve uma história distante das garrafas de vinhos. Mais recentemente, porém, como muitos brasileiros, aproximou-se dos copos — e desenvolveu o gosto por entender como eles são feitos, por meio de cursos e viagens a áreas produtivas. Ter um vinhedo próprio nunca esteve em cogitação, ainda mais nas terras do Vale do Uco, um território que produz vinhos de grande qualidade. Até que, em conversas com amigos um pouco mais adiantados no terreno da enofilia, tomou conhecimento de um projeto incomum, chamado The Vines.
A escolha do lugar foi relevante. Além de ótimo para produzir diversos varietais, o Vale do Uco é vizinho da Cordilheira dos Andes. Com dinheiro e conhecimento da área, Riili convenceu Michael a ficar com um gleba plana de 15 mil acres (cerca de 2.500 alqueires), todos eles com vista para a maior cordilheira do mundo. Já Michael — capaz de vender presidentes e governadores ao eleitorado americano — não teve problema nenhum para transformar um mero loteamento em um produto repleto de glamour e irresistível para os apreciadores de vinho e de investimentos pouco convencionais.
Os terrenos foram fisicamente separados por pequenas ruelas e cercas, de modo a garantir a seus proprietários futuros a clara visualização do vinhedo que adquiriram. E as vendas começaram. Qualquer pessoa (doravante chamada co-owner) estaria habilitada a adquirir entre 3 e 10 hectares da propriedade — e já poder começar a pensar no nome e no desenho do rótulo de seu próprio vinho.
Para realizar o sonho, o custo de uma pequena casa de campo: US$ 85 mil, algo como R$ 230 mil por hectare. No final do ano passado, 7 mil dos 15 mil acres iniciais já estavam plantados e pertenciam a 142 proprietários de diversas nacionalidades — 42 deles brasileiros.
Mas, assim como João Alberto, que prepara carinhosamente o vinho de seus 70 anos, alguns outros patrícios mais ou menos afamados não se importaram em falar de seus vinhedos. Sonia Hess, presidente da marca Dudalina, por exemplo, apaixonou-se pelo lugar e já produz seus próprios vinhos em seus 3 hectares. “É um lugar único, mágico e muito bonito”, elogia. Suas primeiras 300 garrafas são de vinho malbec e vão ser compartilhadas entre amigos e família. “Encaro o meu vinhedo (cujo nome é ‘Meus Amores’) como um investimento pessoal, para a vida. Espero passar muito tempo por lá com meus netos e bisnetos.”
Foi Emerson de Almeida, criador e ex-presidente da Fundação Dom Cabral (um amplo projeto educacional nascido em Belo Horizonte) quem sugeriu à Sonia uma visita ao The Vines. Ele próprio apaixonou-se pelo projeto dois anos antes de aposentar-se, em 2012. Emérito enófilo, comprou sua gleba, produz, no máximo, 2.500 garrafas por ano e deu ao vinho um nome que é uma reverência. Chama-se Gracias a la Vida e emociona ainda antes de ser ingerido. “O que vemos aqui — conta o sócio argentino, referindo-se ao perfil de seus co-owners — são pessoas que decidiram investir o seu dinheiro em seu hobby, mas nunca esquecidas do resultado futuro.”
A teoria é corroborada por muitos dos proprietários, como Wandyr Hagge, professor e diretor da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entusiasta de primeira hora do projeto, ele produz um vinho com uvas cabernet franc, malbec e merlot. No futuro, quer experimentar novas fórmulas. Mas não dispensa o “inigualável” prazer de passear entre suas uvas pelo menos cinco vezes por ano. “Mas é claro que não deixei de calcular o investimento imobiliário, que, tenho certeza, terá ótimos resultados no futuro.”
Mais ou menos neófitos, os novos donos de vinhedo são apresentados aos 26 tipos de uva que prosperam no vale e, depois de aprenderem tudo sobre vinificação, começam a provar taças e mais taças de vinhos diferentes até chegar, com o auxílio da sempre presente diretora de vinhos do complexo, Mariana Onofri, às cepas que mais lhes agradam. O processo é repetido à exaustão (ou à embriaguez), até que o dono do vinhedo defina sua preferência. “Meu vinho terá 30% de malbec, 20% de cabernet franc e 50% de cabernet sauvignon”, escolherá um proprietário hipotético. Isso significa que sua gleba terá a mesma proporção de variedades de plantas. Entretanto, se você quiser fazer — como alguns fazem — um torrontés 100% para a sua esposa que adora vinhos brancos, basta colocá-lo na equação.
É tudo muito simples e, segundo Mariana, os proprietários mais antigos (que já produzem vinho desde 2010) estão se convertendo em ótimos winemakers. Isso ocorre também porque, depois da aquisição de seu próprio vinhedo, os novos bodegueros voltam com grande frequência, seja para mostrar a propriedade aos amigos, seja para apreciar cada pequeno desenvolvimento de seu parreiral — fenômeno que ocorre o ano inteiro.
Para atender a essa crescente demanda por hospedagem, o The Vines inaugurou, no ano passado, o melhor resort de toda a região, chancelado pela The Leading Hotels of the World. Bem no coração da propriedade, foram instalados 22 chalés de diversos tamanhos — todos eles fartos de espaço e equipamentos. Com carrinhos de golfe ou passeando pelas trilhas, os hóspedes encontram-se, então, no prédio principal do resort, no entorno de uma grande piscina de borda infinita e — guess what? — uma linda vista dos Andes.
De um jeito ou de outro, como se vê, hospedar-se no The Vines Resort & Spa será uma experiência embriagante. Há passeios a cavalo, de bicicleta, trilhas para corrida e excursões off-road rumo a pontos diversos da cordilheira.
A opção de tornar-se dono de seu próprio vinhedo em Mendoza é exclusivamente sua. Seja para fazer vinhos de uso pessoal — em média, cada co-owner produz entre 600 e 800 garrafas por ano —, seja para arriscar voos mais altos, como Noel e Terry Neelands, canadenses que produzem respeitáveis 70 mil garrafas por ano de seu vinho Solo Contigo, vendendo-as a preços de premium na América do Norte. “Nosso objetivo — diz Riili — é, nos próximos dois ou quatro anos, fazer do The Vines o melhor projeto de turismo vitivinícola em todo o mundo. E, em seguida, replicá-lo em outras regiões produtoras.”
Já Mariana Onofri vê a coisa de um outro ângulo: “Você pode investir no que você quiser. Mas escolher algo que também te dá prazer é muito melhor”, diz. Com uma taça na mão e, claro, a Cordilheira dos Andes ao fundo.