E ela não está sozinha: o vinho argentino passa por um movimento de renovação, com produtores fazendo uma bebida que foge de estilos padronizados e experimentando processos para expressar ao máximo cada microrregião de plantio. Uma nova gastronomia se combina a essa tendência, com chefs preparando pratos criativos que valorizam ingredientes e a identidade locais.
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Construída entre 2013 e 2016, a Piedra Infinita foi eleita em 2021 e em dois anos anteriores a melhor vinícola do mundo pelo prêmio World’s Best Vineyards, que analisa quesitos como infraestrutura, atendimento turístico e, é claro, os vinhos (recentemente, o rótulo Piedra Infinita Gravascal 2018, à venda por R$ 3.671 na Grand Cru, recebeu 100 pontos do crítico Robert Parker).
Mas a história dos Zuccardi com a vitivinicultura é bem anterior. É Julia quem conta: “Meu avô e minha avó começam com um vinhedo em Maipú (outra região da província de Mendoza) e nos anos 1960 constroem a vinícola que hoje é a Santa Julia. Até dois anos atrás eram três gerações juntas, porque minha avó trabalhou até o último momento, aos 94 anos. Hoje somos meu pai e três irmãos.”
A escolha de Paraje Altamira, no Vale de Uco, para erguer uma nova vinícola veio depois de anos de investigação dos melhores terrenos para a produção. “Descobrimos que ali havia um grande potencial para a vitivinicultura, para vinhos de montanha, com muita personalidade”, diz Julia. “Hoje em dia o Vale de Uco é o lugar por excelência para cultivar vinhedos em Mendoza.”
Do lado de fora, numa área de 200 hectares, os vinhedos estão distribuídos de acordo com um mapeamento minucioso do solo que revelou microrregiões formadas pela descida de água com minerais dos Andes. A classificação levou a adaptações nas práticas de cultivo: da seleção de uvas à irrigação, passando pela escolha do melhor momento para a colheita. Essa variedade é valorizada na vinificação, como mostra um tour pela área de produção.
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Ali, se percebe que a bebida descansa em tanques de concreto; há uso mínimo de madeira, para evitar que passe um sabor acentuado para o líquido. Trabalha-se com uma política de intervenção mínima, evitando “maquiagens” como o gosto de carvalho, para assim revelar a identidade (ou as múltiplas identidades) do vinho. Ou, nas palavras do enólogo Sebastián Zuccardi – irmão de Julia à frente da produção agrícola e enológica da vinícola –, “não buscar vinhos perfeitos, e sim aqueles que expressam o lugar”.
Sim, o malbec continua a ser o vinho argentino por excelência. E Mendoza, a capital mundial do malbec. Mas há mais variedades de uvas para explorar, além de diferentes formas de fazer malbec. Na vinícola SuperUco, de apenas dois hectares, ele pode ser feito a partir de uvas cultivadas mediante práticas orgânicas e biodinâmicas, fermentado em ovos de cimento, com leveduras nativas, e então descansar em carvalho francês usado (que passa menos sabor de madeira para a bebida).
“O posicionamento do malbec foi definitivo, agregando também grandes expoentes do tinto como o cabernet franc”, diz Leonardo Bonetto Michelini, responsável pelas exportações e pela comunicação da SuperUco. “E os vinhos brancos estão no auge na Argentina, depois de muitos anos de foco nos tintos.”
Também está em alta, segundo ele, o enoturismo. “Há não mais de dez anos, a atividade turística era acessória para pequenas e grandes vinícolas, mas hoje se tornou um pilar econômico”, diz Leonardo. “A Argentina (especialmente Mendoza, e dentro de Mendoza o Vale de Uco) tem se consolidado fortemente entre visitantes locais, brasileiros e americanos, principalmente.”
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Nem só de comer e beber se faz o enoturismo. A Casa de Uco, hotel e vinícola localizada em Los Chacayes, oferece de passeios de bicicleta e cavalgadas noturnas nos vinhedos a trekking e amanhecer nos Andes. Mas também dá para fazer um típico “asado” argentino entre as videiras, montar um piquenique em uma reserva ecológica e fazer degustações no restaurante ou ao ar livre.
Outro que oferece programas variadas é o The Vines Resort & Spa. Mas, segundo Josefina Rivas, gerente de vendas do hotel, os brasileiros geralmente se concentram nos vinhos. “O perfil de nossos visitantes do Brasil está composto em sua maioria por casais e amantes do vinho, do luxo e da boa gastronomia”, diz ela. “Ainda que Mendoza e sobretudo o Vale de Uco ofereçam diversas atividades de aventura outdoor, o brasileiro costuma escolher as visitas a vinícolas.”
Há desde cavalgadas e passeios de bike até degustações, criação de blends com uma equipe enológica e “sunset” ao ar livre regado a vinhos (como o oferecido pela Gimenez Riili, uma das vinícolas instaladas na área). Ficou com vontade de se tornar um dos cerca de 250 donos de vinhedos do The Vines e fazer seu próprio vinho? Existe essa possibilidade.
Outra possibilidade é ter aulas de cozinha no Siete Fuegos, restaurante de Francis Mallmann, chef argentino conhecido internacionalmente por seus pratos que valorizam produtos regionais – incluindo a carne vermelha – e os preparos com fogo. Quer só almoçar mesmo? Também é possível. Sem esquecer o vinho, é claro.
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