A evolução do vidro ao cristal

18 de janeiro de 2023

Conta a lenda que o primeiro copo de vidro facetado foi feito por Yefim Smolin, um vidreiro russo. Teria sido um presente para o czar Pedro, o Grande (1672-1725), com a garantia de que o vidro não quebraria. O czar gostou do presente, mas, após usá-lo, gritou: “Que o vidro seja!”, e o atirou no chão, quebrando a peça. O vidreiro não foi punido e seguiu a produção de copos.

A parte divertida da história é que os convidados não entenderam bem as palavras do czar e pensaram que ele havia gritado para quebrar o vidro: nascia a tradição de quebrar copos em ocasiões especiais, algo que perdura até hoje em restaurantes russos.

Desde a Idade da Pedra, nossos antepassados utilizavam recipientes para beber água (folhas, pedaços de bambu, chifres, ossos, couro, entre outros objetos). Por volta de 10 mil a.C., o barro passou a ser transformado em cerâmica, base dos primeiros copos e jarras. Existem registros de que fenícios e babilônios descobriram o vidro, sem querer, em 5000 a.C. No entanto, foi somente por volta de 1400 a.C. que os egípcios controlaram o formato do material, graças à técnica de assoprar, também usada por persas e aprimorada pelos romanos, responsáveis pela difusão do vidro na Europa. Com o epicentro na ilha de Murano, Veneza se tornou a principal referência mundial na produção de vidro.

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As taças percussoras das que usamos hoje começaram a ser confeccionadas na Andaluzia (Espanha), no século 9, quando Abu l-Hasan ‘Ali Ibn Nafi’, um sofisticado artista, passou a usar a transparência do vidro para substituir as peças escuras de metal. As taças de vidro ganharam mais espaço na Idade Média: refletiam a luz das velas nos banquetes.

Por volta de 1440, o Cristallo apareceu nas principais cortes europeias. O novo material era feito a partir de seixos de quartzo triturado nos rios vindos dos Alpes suíços. Raro e de difícil manejo, era tão especial quanto os diamantes, e usado somente em peças decorativas, joias e taças.

Por volta de 1673, na Inglaterra, o produtor de vidros George Ravenscroft tentou competir com o Cristallo veneziano e começou a usar o óxido de chumbo para deixar a estrutura mais firme, clara, com maior facilidade de moldagem e, o mais importante, por um custo muito menor.

Até o início do século 19, as taças eram mais rasas, com bordas bem abertas, para facilitar o consumo e o compartilhamento das bebidas. Com o passar dos anos, os fabricantes entenderam os benefícios de curvar as bordas para dentro: menor desperdício por derramamento, maior reflexão de luzes e melhor concentração dos aromas.

Embora sejam parecidos com o vidro convencional, os cristais permitem perceber as tonalidades da bebida; já o espaço interno facilita que se agite o líquido para liberar o odor. A haste longa não deixa que a mão modifique a temperatura da bebida. A fina espessura de uma taça de cristal ajuda o vinho a deslizar melhor, dando maior prazer no contato com a boca. Ao mesmo tempo, o cristal tem mais resistência por causa do chumbo usado na fabricação. Características que valorizam qualquer brinde. Tim, tim!

Carla Bolla é restauratrice do La Tambouille, em São Paulo.

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Artigo publicado na edição 103 da revista Forbes, em novembro de 2022.