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Na última sexta-feira (30), a coluna conversou com Eduardo Lambiasi, especialista em carros ingleses que visitou o Rolls-Royce presidencial em julho último e garante que o veículo está “muito melhor do que imaginava”, apenas com marcas do tempo previsíveis, como a capota já sem o viço de outrora.
O que poderia ter quebrado para imobilizá-lo?, perguntei.
“Não consigo imaginar, no carro que vi, algo que o impedisse de rodar. Talvez um problema mecânico, que dependesse da importação de alguma peça. Mas pelo que vi está muito bem mantido, funcionando perfeitamente”, afirmou Lambiasi.
Na mesma sexta-feira, recebi a confirmação do que me dissera Lambiasi. “Informamos que o veículo Rolls-Royce, que é utilizado nas cerimônias de posse presidencial, encontra-se em perfeitas condições de funcionamento, situação que se mantém na presente data”, dizia o comunicado oficial da Secretaria Geral da Presidência da República.
Presente da Rainha Elizabeth?
Polêmicas e mitos acompanham desde sempre o Rolls-Royce Silver Wraith presidencial, começando pelo motivo que o trouxe ao Brasil.
“A realidade foi sendo substituída por várias lendas que foram tomando corpo e substituindo os verdadeiros fatos. O resultado deste processo de desinformação coletiva – de forma proposital ou não – fez crer ao público que o automóvel conversível havia sido um presente da Rainha Elizabeth II ao presidente Getúlio Vargas, em 1953”, concluem José Vignoli e Sérgio Ribeiro, colecionadores e pesquisadores que conduziram um estudo sobre o modelo.
Até aqui a mais abrangente e detalhada já produzida, a pesquisa incluiu uma visita ao automóvel nas garagens do Palácio do Planalto, análises de arquivos fotográficos e de jornais, visitas à Receita Federal, consultas na Biblioteca Nacional, conversas com especialistas em Rolls-Royce na Inglaterra e entrevistas – uma delas com Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha de Getúlio Vargas.
“História do Rolls-Royce da Presidência da República” revela que em 1951 – ano do segundo mandato de Getúlio Vargas – o Major Ene Garcez dos Reis, chefe do pessoal da Presidência da República e responsável pelo Serviço de Transportes da Presidência, recebeu ordens do próprio Vargas para providenciar substitutos para os dois Cadillacs que o serviam.
Os escolhidos – um conversível e um fechado – foram os modelos Silver Wraith, que a Rolls-Royce lançara em 1946 e produziria até 1958. Vinham com motor de 4.257 cm3 e seis cilindros em linha, câmbio de quatro marchas e rodas de 16 polegadas, mas sem direção hidráulica. Aqueles destinados à Presidência ofereciam distância entre-eixos maior, de 3,378 metros, e somaram 639 unidades fabricadas.
E o carro da Presidência ainda conta com customizações para melhor desempenhar seu serviço: plataforma no para-choque traseiro para suportar o peso dos seguranças, mastros para o uso de bandeiras nos para-lamas dianteiros e velocímetro no compartimento traseiro.
De acordo com o levantamento da dupla Vignoli e Ribeiro, o modelo fechado custou à época 6.205 libras, enquanto a limusine aberta saiu por 7.949 libras, valores que incluem chassi, carroceria, extras, frete e seguro.
“Para se ter uma ideia de valores, com o preço do conversível seria possível comprar, na época, na Inglaterra, algo como sete exemplares do Jaguar XK 120”, avaliam. Responsável pela importação foi a Companhia Comercial de Motores e Veículos, que à época já representava por aqui outras marcas inglesas, como MG, Morris-Oxford, Wolseley e Riley.
“Neste momento, o Chefe do Gabinete Militar, General Aguinaldo Caiado de Castro, determinou que os automóveis fossem relacionados no Serviço de Transportes da Presidência da República, inclusive emplacando-os com placas oficiais e baixando-se assim, nos órgãos de trânsito, as placas particulares”, revela a pesquisa dos colecionadores.
O problema é que Vargas se matou, em 24 de agosto de 1954.
“Aí se inicia outra fase na história dos Rolls-Royce. A tal doação planejada pelo presidente nunca chegou a se concretizar e consequentemente os automóveis continuaram a pertencer ao cidadão Getúlio Vargas. Após sua morte, seus herdeiros reclamaram ao governo a entrega dos automóveis que lhes pertenciam”, contam Vignoli e Ribeiro.
No próximo dia 1º de maio o Rolls-Royce Silver Wraith presidencial completará 70 anos de serviços aos presidentes do Brasil – a primeira missão foi nas comemorações do Dia do Trabalho, em Volta Redonda (RJ) –, tendo no currículo a condução de vários líderes estrangeiros, como General Manoel Odria (presidente do Perú), Rei Balduino da Bélgica, General Charles de Gaulle (presidente francês) e a própria rainha Elizabeth II.
Para Vignoli, o Silver Wraith presidencial ainda tem um longo caminho pela frente: “nada de aposentadoria! Temos isso como uma das poucas tradições no Brasil. Que viva por muito tempo mais”.