Enfermeira, professora, doutora e, antes de tudo, mulher negra, Edna Maria de Araújo cresceu em um bairro de periferia em Feira de Santana, na Bahia. Parte de uma família de sete irmãos, sonhava em cursar Medicina, mas, sem condições financeiras, optou por Enfermagem e Obstetrícia. Superou obstáculos para construir uma trajetória de realizações acadêmicas e profissionais e foi uma das vozes que trouxeram à tona a desigualdade social e racial na pandemia de Covid-19. “É a população negra, na sua maioria, que não pode ficar em casa fazendo home office e vive em condições desfavoráveis”, diz a pesquisadora que se debruçou sobre o tema nos últimos dois anos.
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Estudos feitos com outros pesquisadores mostraram que o registro sobre a raça e cor da pele dos doentes por Covid-19 e dos vacinados, apesar de ser obrigatório, é feito de forma inadequada na maioria dos estados. Mesmo com essa dificuldade, levantamentos feitos a partir de diferentes sistemas de informações sobre saúde concluíram que pessoas negras e indígenas tiveram maiores taxas de hospitalizações e de mortes por Covid-19 do que pessoas brancas.
Pesquisas para ter avanço
Na academia, era a exceção. “À medida que eu ia avançando na carreira acadêmica, ficava mais difícil eu ter como par outra mulher negra.”
No doutorado em Saúde Pública, Araújo estudou a diferença entre a mortalidade por homicídio entre negros e brancos. Foi duas vezes estudar nos Estados Unidos com bolsas de estudo governamentais, uma delas para fazer um pós-doutorado, quando comparou a vida de mulheres negras da Filadélfia e do estado da Bahia. “A gente não faz a pesquisa pela pesquisa, faz para ter avanços, para que essas populações tenham uma melhor assistência, uma melhor qualidade de vida”, explica. O estudo mostrou que o fato de ser uma mulher negra e pobre causa um impacto muito maior à saúde do que ter apenas uma dessas identidades.
Uma das pesquisas que fez com alunos, por exemplo, traçou o perfil de pessoas com doença falciforme em Feira de Santana (BA), que atinge principalmente pessoas negras e indígenas. O grupo conseguiu incentivar a criação de uma associação dentro da universidade para facilitar a luta por melhor qualidade de vida para essas pessoas. “Sofremos muitas retaliações por preconceito. Isso não nos impediu de fazer muitas pesquisas que evidenciaram as dificuldades que essas populações enfrentam e como isso impacta na vida e na saúde delas”.
Hoje, aposentada das salas de aula da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), a professora segue atuando como orientadora de alunos do mestrado e do doutorado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da universidade e no mestrado profissional em Saúde da População Negra e Indígena da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). Integra ainda o conselho do “The Ubuntu Center on Racism, Global Movements & Populations Health Equity”, da Drexel University Dornsife School of Public Health, na Filadélfia (EUA).
Há três anos, ajudou a criou o grupo temático Racismo e Saúde na Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). “A partir dele, podemos fazer pesquisas e publicar notas denunciando as condições que a população negra vive neste país e como essas condições precárias foram ainda mais impactadas pela pandemia.”
Agora, Edna trabalha em um novo estudo sobre a importância de incluir o tema da saúde integral da população negra nos cursos da área da saúde. “Para um futuro mais a médio e longo prazo penso em viajar e escrever um livro sobre a minha trajetória para incentivar outras mulheres negras a serem resilientes na luta por mobilidade e justiça social no mundo.”