Viver mais vai muito além de viver mais tempo

8 de dezembro de 2022
Marko Geber/Getty Images

Viver mais tempo não é o suficiente. É preciso viver mais

Na mitologia grega, a imortalidade dos deuses está ligada à alimentação. Os olimpianos se fartavam de néctar e ambrosia – bebida e comida, respectivamente, feitas a partir de frutas – e justamente porque tais alimentos eram o segredo de sua imortalidade; eram proibidos aos humanos. O mito grego de Tântalo surge justamente da tentativa deste de roubar o alimento da mesa de Zeus: seu castigo foi passar a eternidade sofrendo com fome e sede insaciáveis.

O mito de Tântalo, como outros dos antigos gregos, mostra que um dos desejos profundos e ancestrais do ser humano é a imortalidade. Outro, por exemplo, é o de voar, representado na lenda de Ícaro – e neste caso, parte dele ao menos foi realizada com a invenção do avião. No caso do desejo pela vida eterna, vemos sua manifestação nas pesquisas em curso para se estender ao máximo a vida humana. O dono da Amazon, Jeff Bezos, para citar um caso, já anunciou investimento de US$ 3 bilhões em uma empresa – a Altos Labs – para avançar na pesquisa de “reprogramação celular” (com a qual, segundo especialistas, se prolongaria a expectativa de vida).

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De certa forma, o avanço da medicina ao longo do século 20 fez a duração da vida dobrar: em 1900, a expectativa de vida ao nascer rondava os 35 ou 40 anos de idade; hoje, passa (em média) dos 70 anos, segundo o site Our World in Data. A imortalidade não está em nenhum futuro próximo, é bom que se diga desde já. A alimentação é, claro, peça central – embora não a única – na manutenção da saúde e da busca pela longevidade. Outros fatores entram na conta para que se faça a vida se prolongar o mais possível. E em alguns lugares do planeta, prolongar a vida não só é possível como a barreira dos cem anos de vida não é um feito tão incomum.

Essas regiões atraíram a atenção de um pesquisador chamado Dan Buettner, que registrou suas conclusões em diversos livros e reuniu cinco regiões em que a longevidade ultrapassa a de outras partes do planeta. São elas: Okinawa (Japão); Loma Linda (EUA); Icária (Grécia); Península de Nicoya (Costa Rica); e Sardenha (Itália).

Ele foi capaz de encontrar características comuns em todas essas cinco regiões que certamente favorecem a longevidade. O interessante dessa lista é que parte dela parece ser apenas uso do bom senso: mover-se naturalmente (ou seja: exercícios regulares de baixa intensidade); praticar restrição calórica consciente; alimentar-se de produtos frescos e vegetais. Inegável que esses pequenos passos conduzirão a um estilo de vida muito mais saudável, favorecendo em muito que se alcance uma vida mais longa. Outros itens têm relação com valores: priorizar a família; ter conexões sociais saudáveis e positivas; desacelerar sua rotina.

As zonas azuis não são sociedades isoladas – ainda que a civilização entendida como edifícios, carros, ruas extremamente movimentadas e poluição, por exemplo, estejam a uma boa distância. São áreas em que a geografia mesma favorece o caminhar, o exercício ao ar livre, o estar razoavelmente desconectado do mundo digital. Os esforços de autoridades no mundo todo deveriam buscar um ponto em que os grandes centros pudessem voltar a ter a qualidade de vida que as zonas azuis hoje apresentam.

Hoje, com algum distanciamento histórico, pode-se dizer que o avanço das metrópoles foi desordenado. O avanço do chamado “progresso” se fez à custa de coisas que, hoje se vê, eram preciosas e deveriam ter sido preservadas. Pessoas que vivem mais e melhor o conseguem porque têm ao seu alcance um estilo de vida muito pouco compatível com as rotinas que assumimos para nós mesmos, com os compromissos que determinam como usaremos nosso tempo. É tempo de pensar em como readequar um pouco da vida moderna ao que ela pode ter sido antes.

Uma das características listadas por Buettner é o encontrar um propósito para a vida. Isso é o que tentamos fazer a cada dia – toda manhã começa uma nova construção, que, esperamos, venha a compor um mosaico que nos deixe orgulhosos de admirar na idade avançada. Isso certamente é muito mais difícil se a vida que se leva não permite um instante sequer de paz para se pensar. Alimentar-se bem é uma dica de ouro; mas também serve de guia uma frase que circula muito e diz: “Lembre-se de não acrescentar mais dias à sua vida, e sim mais vida aos seus dias”.

Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.

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