“Bêbadorexia”, uma junção das palavras “bêbado” e “anorexia” – ou “drunkorexia”, de drunk, no inglês – refere-se a uma tendência preocupante que combina abuso de álcool e comportamentos alimentares desordenados. Alguns pesquisadores acreditam que pode representar um novo transtorno alimentar, enquanto outros acham que não pode ser classificado apenas como transtorno alimentar ou transtorno por abuso de substâncias, mas contém elementos de ambos.
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A pesquisa mostra que os comportamentos associados incluem jejum, exercícios em excesso, alto consumo de álcool e embriaguez. Embora ainda não seja um diagnóstico médico oficial, o termo destaca um padrão recorrente de comportamento em que os indivíduos restringem a ingestão de alimentos, praticam exercício físico excessivo ou purgam para “abrir espaço” ou compensar o elevado teor calórico do álcool que irão consumir.
Esse comportamento é particularmente prevalente entre estudantes universitários e jovens adultos. Por exemplo, em uma amostra de pesquisa com estudantes universitárias australianas, 79,1% das participantes relataram envolvimento em comportamento de drunkorexia.
A embriaguez representa riscos significativos para a saúde, incluindo deficiências nutricionais, um sistema imunológico enfraquecido, um risco aumentado de envenenamento por álcool, danos a órgãos, problemas de saúde mental exacerbados, entre outros efeitos colaterais.
Confira aqui duas das principais motivações subjacentes à drunkorexia.
1 – Um impulso para a magreza
O medo de ganhar peso com as calorias do álcool é um dos principais fatores que permitem o comportamento de drunkorexia. Um estudo de 2020 descobriu que um maior desejo de magreza está associado a níveis mais elevados dessa síndrome.
A busca pela magreza se deve em grande parte às pressões sociais e culturais que idealizam os tipos de corpo magro como o epítome da beleza, do sucesso e da saúde. Isto é perpetuado por meio de representações midiáticas, padrões da indústria da moda e redes sociais, que muitas vezes glorificam e normalizam formas e tamanhos corporais irrealistas.
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Esta idealização generalizada da magreza pode levar à insatisfação corporal, a comportamentos alimentares desordenados e a uma busca incansável pela perda de peso, muitas vezes à custa da saúde física e mental.
A pesquisa mostra que, em função dessa ênfase generalizada na magreza, as mulheres tendem a ter mais preocupações com o peso do que os homens. Os pesquisadores também descobriram que as mulheres que bebem muito procuram especialmente controlar o peso, tornando-as mais suscetíveis à drunkorexia.
2 – Aliviando emoções desconfortáveis
A pesquisa mostra que a drunkorexia pode muitas vezes resultar da “submissão ao álcool”, que é o consumo causado pela pressão social e pelo medo de perder ou ser rejeitado por outros. O consumo de álcool, muitas vezes em grandes quantidades, é altamente normalizado e até glamourizado como meio de celebração, vínculo social e alívio do stress, tanto que a abstinência pode ser encarada com estigma.
A drunkorexia pode então se tornar um mecanismo de enfrentamento de estressores emocionais e psicológicos. Um estudo de 2020 descobriu que sentir ansiedade, depressão e níveis mais baixos de regulação emocional estavam associados a tal comportamento.
“Os adolescentes que experimentam tanto ansiedade elevada como desregulação emocional podem ser mais propensos a recorrer à drunkorexia para reduzir o seu efeito negativo desregulado na ausência de estratégias de autocontrole emocional mais adaptativas”, explicam os pesquisadores.
A pesquisa mostra, ainda, que experimentar níveis mais baixos de autoestima relacionados ao corpo e à aparência também pode dar origem a pensamentos autocríticos e emoções negativas avassaladoras que alimentam a drunkorexia.
Um estudo de 2022 refletiu essas descobertas. Os pesquisadores mostraram que a ansiedade em torno da imagem corporal e do ganho de peso pode incitar atitudes alimentares pouco saudáveis ligadas à drunkorexia. Esses comportamentos tornam-se uma “medida de segurança” e aliviam a ansiedade ao garantir que o indivíduo não ganhe o peso que rejeita.
Os pesquisadores também descobriram que a drunkorexia é usada como uma ferramenta de enfrentamento e um meio de distração para escapar de níveis mais elevados de emoções negativas, estresse percebido e depressão associados à autopercepção negativa. Indivíduos que lutam para regular essas emoções intensas e buscam uma sensação de controle são mais suscetíveis a se envolverem nesses comportamentos.
Além disso, um estudo de 2019 descobriu que a drunkorexia está associada à falta de consciência das sensações corporais internas, como sinais de fome e saciedade. Os pesquisadores destacam a importância de sintonizar os sinais emocionais e físicos da mente e do corpo, sem se sentir culpado ou ameaçado por essas necessidades, para ter uma relação mais saudável com tudo o que consome.
Na verdade, um estudo de 2022 descobriu que a atenção plena pode ser uma ferramenta importante no combate à drunkorexia, pois está associada a níveis mais baixos de distúrbios alimentares e de uso de álcool. Os pesquisadores descobriram que níveis mais elevados de atenção completa ao momento presente e uma atitude sem julgamento em relação a si mesmo estavam associados a níveis mais baixos de drunkorexia.
A síndrome merece uma séria atenção e intervenção. Abordá-la muitas vezes requer orientação profissional, um ambiente de apoio, autorreflexão, maior consciência dos seus mecanismos de enfrentamento e se eles estão realmente servindo à pessoa, bem como um esforço consciente para neutralizar os pensamentos críticos internos com autocompaixão. Curar o relacionamento com a comida e o álcool é possível, sendo a chave para um auto relacionamento mais saudável.
*Mark Travers é colaborador da Forbes EUA. É doutor e psicólogo pelas Cornell University e University of Colorado Boulder. Atualmente é psicólogo-chefe da Awake Therapy, empresa de telessaúde nos EUA.