
Minha mãe está prestes a completar 95 anos de idade. Todos os dias, recebe um personal trainer que a acompanha no seu treino. Não ingere bebidas alcoólicas há muitos anos. Lê bastante – inclusive as minhas redes sociais. Cuida do seu jardim com muito carinho e vive cercada pelos 4 filhos, 9 netos e 10 bisnetos, que a deixam mais atualizada que eu, que tenho 70 anos, em alguns aspectos desse mundo ultramoderno.
Minha mãe ainda não é uma centenária, mas é membro que um grupo que no passado não tão longínquo era considerado minoritário e raro e que, hoje, embora não se saiba exatamente quantos eles são no mundo, estima-se que só os maiores de 100 anos já tenham ultrapassado 600 mil pessoas, com expectativa de que esse número vá crescer ainda mais nas próximas décadas.
Logicamente, a genética tem um papel importante na longevidade de alguém, mas cada vez mais se estuda e se sabe que o estilo de vida tem papel tão ou mais importante no quão bem e quão saudável uma pessoa chega à velhice.
Será que podemos aprender algo a respeito de saúde mental e qualidade de vida com os centenários?
Eis, a seguir, algumas lições de vida que, penso, eles podem nos oferecer:
1. Mexa-se – É preciso sempre repetir o óbvio: atividade física é essencial em todas as fases da vida. O que a turma que está perto de chegar aos 100 ou já os ultrapassou nos ensina é que o exercício físico nos permite recuperar o senso de autoestima e de autoconfiança. Além disso, nos possibilita algo importantíssimo: preservar a nossa autonomia.
Pessoas ativas têm maior probabilidade de criar laços interpessoais. E esses vínculos são determinantes para a sensação de bem-estar e de pertencimento.
Por exercício físico não mais entendemos apenas os já consagrados (caminhada, musculação, corrida, esportes e outros), mas também os chamados pequenos exercícios: arrumar a casa, trocar o elevador pela subida pela escada, o carro por uma caminhada até o supermercado etc.
2. Mantenha-se cercado de pessoas – É pouco provável que pessoas com idade tão avançada tenham alcançado esse “status” sem suporte. Já há muitas evidências de que a falta de uma rede de apoio familiar e da comunidade tem impacto negativo na saúde física e mental e contribui negativamente para a menor longevidade.
O capital social é um fator muito importante em todos os momentos de nossas vidas, especialmente na adulta.
3. Fuja dos ultraprocessados – Estudos com populações que vivem nas chamadas Zonas Azuis (aquelas áreas do globo onde há um grande número de centenários) nos têm mostrado haver uma característica comum entre elas: o consumo de produtos naturais, feitos em casa, e não industrializados ou ultraprocessados. O que isso tem a ver com saúde mental? Tudo. Saúde física e saúde mental são duas faces da mesma moeda.
4. Controle o estresse – Essa é outra lição que os centenários que vivem nas Zonas Azuis nos dão: eles vivem em locais onde o estresse quase não existe. Não dá para tirar o estresse da nossa vida – isso vale principalmente para quem mora nos grandes centros urbanos -, mas é possível controlá-lo, de maneira que o impacto dele em nossa saúde mental seja minimizado. Ter hobbies e praticar a meditação ou o mindfullness são duas atividades que ajudam nesse manejo.
5. Adapte-se – Idosos avançados certamente tiveram de se adaptar ao declínio físico e cognitivo progressivo que vem com a idade para seguir encarando a vida com leveza. Esse talvez seja o grande ensinamento que eles nos passam: temos de ser flexíveis. Essa maleabilidade nos ajuda a construir resiliência psicológica, o que resulta em maior capacidade de enfrentar as agruras da vida.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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