Lawrence Pih e sua família ergueram, ao longo de décadas, a mais conhecida e uma das maiores empresas de moagem de trigo do país – o Moinho Pacífico. Paralelamente, Pih teve uma história de vida fascinante: foi um dos primeiros grandes empresários nacionais a apoiar a oposição política ao regime militar, ainda no final dos anos 1970. Estudioso de filosofia, o executivo de origem chinesa é um seguidor das ideias de Jean-Paul Sartre (“A Náusea”, do autor, é seu livro de cabeceira). Hoje surgiu uma notícia surpreendente: Pih acaba de vender a obra de sua vida, o Moinho Pacífico, para a multinacional do setor de alimentos Bunge.
Veja a seguir o perfil do empresário, publicado na edição de junho de 2013 de FORBES Brasil:
Vida de Pih
De fugitivo do comunismo a filósofo existencialista, de empresário de esquerda a defensor da iniciativa privada – os muitos caminhos já trilhados pelo dono do maior moinho do Brasil
Corria o ano de 1948. Xangai, cidade que era o centro da economia chinesa, não estava sob o controle de Mao Tsé-Tung – ainda. As tropas comunistas preparavam-se para invadi-la e incorporá-la à nascente República Popular da China (o que ocorreria no ano seguinte). Milhares de empresários locais, desesperados, fugiam da metrópole levando todos os bens que pudessem carregar. Um deles era um homem casado e com três filhos (duas meninas e um menino) que optou por deslocar-se provisoriamente para Hong Kong, na época uma possessão britânica. Ele o fez – e com grandes perdas: todas as fábricas e demais ativos que possuía na China foram simplesmente tomados pelos comunistas, sem indenização. A família de sua esposa, também de empresários, igualmente perdeu quase tudo.
Com grande esforço, o pai do então muito jovem (5 anos) Lawrence Pih conseguiu desviar para Hong Kong algumas cargas de produtos químicos que comprara e estavam seguindo, via navio, rumo a Xangai. Foi com elas que recomeçou seus negócios. Tais acontecimentos o traumatizaram para o resto da vida; daí por diante ele correria o mundo até encontrar, no Brasil, um lugar que (até em função da distância em relação a sua terra natal) lhe parecesse seguro. Seu filho caçula, Lawrence, aqui aportaria junto com o restante da família em 1952. O garoto não sabia, mas essa seria só a primeira das muitas rotas divergentes que percorreria ao longo de sua existência.
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Nos anos 70, 80 e parte dos 90, um dono de moinho (empresa que processa trigo e o transforma em farinha) costumava chocar a opinião pública brasileira em entrevistas e artigos de jornal. Era uma época na qual as posições políticas dos atores sociais eram muito mais previsíveis do que hoje: estudantes eram maciçamente de esquerda e militares, de direita; sindicalistas defendiam o socialismo puro e duro, enquanto empresários gritavam contra o perigo vermelho. Não havia nuances – mas havia, ao menos, uma surpresa: Lawrence Pih, homem forte (e, a partir de 1986, presidente) do Moinho Pacífico. A empresa de Pih já era então o maior complexo fabril do país voltado à moagem de trigo. Ele também possuía a Phase Empreendimentos Imobiliários, que se dedicava à compra e venda de terrenos, e investia no mercado de capitais por meio de uma distribuidora de valores que tinha em sociedade com João Sayad, Henri Philippe Reichstul e Francisco Vidal Luna, nomes que nos anos seguintes marcariam a história do país. Não se esperava que alguém assim viesse a ser o primeiro e mais notório defensor do Partido dos Trabalhadores (PT) a surgir no meio empresarial local. Mas Pih estava, como sempre, determinado a traçar seu próprio rumo.
“No começo dos anos 80, um oficial do II Exército pediu para falar comigo. Ele era amigo da família. Eu o recebi”, recorda-se. “Ele disse que meus artigos costumavam ser lidos pelas autoridades do regime militar. Observou que minha família tinha vindo ao Brasil fugindo do comunismo – o mesmo comunismo que os militares combatiam por aqui. E me sugeriu que fosse, digamos, mais contido em minhas manifestações públicas. Eu me limitei a agradecer o conselho e a lembrar-lhe que uma das virtudes da democracia era, justamente, a liberdade de expressão – e continuei a agir exatamente do mesmo modo”, conta ele.
O modo a que Pih se refere consistia em uma série de declarações públicas a favor dos direitos dos trabalhadores, a favor do então recém-surgido PT e contra o cartel formado pelos moinhos no Brasil – ou seja, contra o grupo de empresas que tinha no Pacífico, justamente, seu maior expoente. O que, aliás, não mudou: dono, em suas instalações em Santos (SP), de uma capacidade de armazenamento impressionante (200 mil toneladas) e uma de moagem de 2.500 toneladas de trigo/dia, o Moinho Pacífico sozinho tem força para influir decisivamente no preço de todos os produtos vendidos no Brasil a partir da farinha de trigo – inclusive, e especialmente, no do pão caseiro, símbolo da segurança alimentar. E tudo isso gerido a partir da propriedade de 5.400 m² da companhia na capital paulista, onde Pih concedeu entrevista à FORBES Brasil.
A empresa vende hoje 21 tipos de farinha de trigo. O Moinho Pacífico, sozinho, vale cerca de R$ 800 milhões; o conjunto das empresas de Pih (que estão agrupadas sob a holding Rivale Ltda.), R$ 1 bilhão. Seu pai optou por trabalhar com a moagem de trigo no Brasil por achar esse um setor imune a crises (“em uma terra estranha, com mulher e três filhos para sustentar, ele não podia se dar ao luxo de errar”). Perguntado sobre onde a companhia pretende investir nos próximos anos, ele não titubeia: infraestrutura, principalmente portuária.
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Pih é da etnia han, dominante em seu país natal (“meu signo no horóscopo chinês é cavalo”, conta ele, sorrindo). Com a primeira mulher, da qual se separou, tem dois filhos. Um deles, Terence, é seu braço direito e provavelmente irá sucedê- lo na liderança da empresa. Sua atual esposa, a catarinense Jussara, é decoradora. No jardim da sede do Pacífico, em São Paulo, há uma fileira de Pinheiros plantados por sua mãe, que era budista devota. Ele é agnóstico – e existencialista.
“Fui para os Estados Unidos em 1959 para aprender engenharia elétrica. Quando estava prestes a me formar, resolvi largar o curso e estudar filosofia. Meu pai ficou horrorizado”, conta. Pois ainda assim o jovem formou-se na área, e também nela fez mestrado. Seu objeto de estudo foram as ideias do pensador francês Jean-Paul Sartre, sobre as quais escreveu um livro. Seu orientador na faculdade era discípulo do alemão Karl Jaspers – ambos, Sartre e Jaspers, foram pilares da corrente de pensamento que recebeu o nome de existencialismo. Voltou ao Brasil em 1966 a pedido de seu pai, para ajudá-lo na empresa. Aqui, estudou com Vilém Flusser, filósofo tcheco naturalizado brasileiro.
Sua militância política estendeu-se por décadas, e só arrefeceu recentemente. Levava tão a sério a questão social que era convidado por trabalhadores do setor moageiro a sentar-se do seu lado da mesa nas reuniões onde eram discutidos os reajustes salariais da categoria – e aceitava o convite. Além do PT, apoiou também o PSDB quando de seu surgimento no final da década de 80 (chegou a filiar- se ao partido durante algum tempo), mas afastou-se da legenda por opor-se à aproximação dos tucanos com o então PFL (hoje DEM). No entanto – em mais um movimento surpreendente de correção de rumos em uma vida repleta desse tipo de atitude –, Pih demonstra estar se aproximando, nos últimos anos, de posições cada vez mais identificadas com a direita do espectro político.
“A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, é péssima. É absolutamente necessário que seja flexibilizada”, defende. “Ao ano, o Japão tem 25 mil ações trabalhistas; os EUA, 70 mil; a França, uma sociedade conhecida pelo clima tenso entre patrões e empregados, 75 mil; já no Brasil são abertas, todos os anos, mais de 2 milhões de ações trabalhistas. É uma aberração gerada por nossa legislação, a qual por sinal foi inspirada na Carta del Lavoro do regime fascista de Mussolini na Itália”, critica. Ele também vê com preocupação a disseminação de programas de assistência como o bolsa-família, embora não seja propriamente contra os mesmos: “Iniciativas assim só se sustentam se a economia for produtiva o suficiente para bancá-las, o que não é o caso do Brasil”, lamenta.
Diante desse quadro, Pih é bastante pessimista. “Há alguns anos, vieram aqui no meu escritório dirigentes de um pequeno partido político”, relata ele, sem citar nomes. “Me propuseram o seguinte: eu financiaria a agremiação e em troca eles me cederiam a legenda para que me candidatasse a deputado federal. Não estavam minimamente interessados nas minhas ideias, no que eu acreditava ou deixava de acreditar. Só queriam dinheiro. É claro que disse não”, recorda-se, desgostoso.
Como se resolve esse estado de coisas? “Cinco reformas são imprescindíveis”, responde. “A da Previdência, a trabalhista, a judiciária, a política e uma que elimine o que ainda resta de indexação na economia nacional. A iniciativa privada no Brasil precisa delas para avançar com força novamente. Existe a necessidade de um aprofundamento da competição entre as empresas e da melhora de nosso ambiente de negócios. Não vejo isso ocorrendo, infelizmente”, deplora.
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Dos muitos episódios da vida de Pih, dois marcantes são ligados ao setor de moagem. O primeiro se deu em 1967, quando um decreto-lei baixado pelo governo, o de número 210, acabou por limitar drasticamente a cota de trigo à qual o Moinho Pacífico tinha direito. Da noite para o dia a empresa ficou dois terços menor. Alguns de seus concorrentes à época, por outro lado, foram muito beneficiados pela medida. “Meu pai ficou abaladíssimo. Até hoje suspeito que algo bem estranho motivou aquele decreto”, diz, dando a entender que houve corrupção no processo.
O segundo evento deu-se logo após as eleições presidenciais de 1989, vencidas por Fernando Collor de Mello. Pih apoiara enfaticamente Lula. Em um debate televisivo com a futura ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, ele a desafiou a, uma vez empossada, cumprir a promessa do candidato Collor de acabar com os cartéis começando por aquele que dominava a indústria do trigo. Zélia respondeu de pronto: “Não tenha dúvida. Vamos fazê-lo, pode apostar”. E, de fato, ela o fez, mesmo tendo de enfrentar pressões muito fortes em contrário. “Não há como negar, é um mérito do governo Collor ter tomado essa decisão histórica para o setor”, afirma ele.
“O Trigo Chora na Haste a Mágoa de Não Ser Pão” é o título, poético e belo, de um dos vários artigos escritos por Pih sobre a atividade a qual se dedica. Hoje, focado no trabalho e, cada vez mais, na vida doméstica, o empresário manifesta-se pouco sobre esse ou qualquer outro assunto. O arco notável de sua vida parece estar completo. Pih conseguiu, tal como na máxima sartriana, fazer algo só seu daquilo que o mundo dele fez. Daí deriva, possivelmente, a serenidade que transmite.