Pessoas com poder de mais de 1 trilhão de dólares no mundo da saúde, medido pela capitalização de mercado, se reuniram em dezembro, em Nova York, na Cúpula da Saúde de FORBES.
Os CEOs da Pfizer e da Merck; o bilionário fundador da Regeneron; os dirigentes da GlaxoSmithKline e da Celgene. Mas o convidado mais importante foi um rapaz de 32 anos de agasalho de moletom.
Antes mesmo de ser preso sob acusações de fraude em investimentos, o ex-gestor de fundo de hedge Martin Shkreli tinha se tornado o maior vilão do setor farmacêutico. Shkreli era desconhecido fora dos círculos da biotecnologia até setembro. Foi quando sua empresa, a Turing Pharmaceuticals, comprou o Daraprim, um medicamento que trata infecções raras, mas mortais, de toxoplasmose em pacientes transplantados e portadores da Aids, por 55 milhões de dólares. A empresa aumentou, de um dia para o outro, o preço do medicamento de 13,50 dólares para 750 dólares por comprimido. Logo, ele passou a ser conhecido na internet como “o homem mais odiado dos EUA”.
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E ele foi mesmo à cúpula, encarando, com seus tênis, calças jeans e moletom, um batalhão de engravatados: “Nós temos acionistas, como qualquer outra empresa, e nossos acionistas querem que nós maximizemos nossos lucros”.
Quando Kym White, responsável pela área de saúde da gigante de relações públicas Edelman, perguntou se ele teria feito algo de maneira diferente, a resposta foi: “Eu provavelmente teria aumentado o preço ainda mais, é o que eu provavelmente teria feito”. Todo mundo engoliu seco.
“Acho que os preços na saúde são inelásticos”, disse Shkreli, friamente. “Eu poderia ter aumentado mais e gerado mais lucros para os nossos acionistas. Essa é a minha função principal.”
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Martin Shkreli tem o dom de dizer exatamente o que deixa as pessoas com raiva. Mas o segredinho sujo do setor é que ele está repleto de Martins Shkrelis, embora menos gananciosos e com sapatos mais bonitos e modos mais educados. Em geral, eles não aumentam o preço de medicamentos antigos em 5.000% — só em 50% ou 500%. Nos últimos três anos, os aumentos de preço da Merck chegaram a 29% do crescimento das vendas. No caso da Pfizer, foram 34%, e no da AbbVie, 112%. Os dados são da consultoria SSR, que faz pesquisas na área de saúde.
Esse é o problema chamado Shkreli do setor farmacêutico. Sim, muitos fármacos novos precisam ser caros. Mas será que alguém deve ter o poder de elevar o preço de um medicamento de 62 anos em 5.000% de uma tacada só?
QUANDO EU CONHECI MARTIN SHKRELI, durante um almoço em um restaurante de Manhattan, em 2012, ele estava de terno. E falou apenas sobre inventar novos medicamentos.
Filho de imigrantes da classe baixa, Shkreli administrava, na época, um pequeno fundo de hedge, o MSMB Capital, e estava ganhando certa fama por atacar empresas publicamente, ao mesmo tempo em que apostava na baixa das ações delas.
Mas ele disse que queria fazer mais do que ser apenas um especulador: queria inventar medicamentos e, para tanto, abriu uma empresa chamada Retrophin. De início, para obter a licença de um remédio para distrofia muscular, Shkreli pegou dinheiro com investidores. Então, inesperadamente, a Retrophin demitiu Shkreli em setembro de 2014 e o processou um ano depois, alegando que ele tinha usado ilegalmente contratos de consultoria falsos, ações e dinheiro da Retrophin para pagar seus investidores de fundo de hedge e se locupletar. Na sequência, o Ministério Público Federal e a Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio dos EUA entraram com processos civis e criminais, além de alegações mais impressionantes: que, em 2010, Shkreli estava dizendo aos investidores que a MSMB Capital tinha 35 milhões de dólares em ativos, quando, na verdade, tinha menos de 1.000 dólares, e que, em 2012, ele perdeu 7 milhões de dólares quando uma venda a descoberto de títulos da companhia farmacêutica Orexigen Therapeutics foi malsucedida. Shkreli alega que a Retrophin não quer lhe pagar a indenização por demissão e que as autoridades federais não entendem sua contabilidade.
Logo após ser expulso da Retrophin, Shkreli estava de volta à ativa, reunindo, diz ele, 100 milhões de dólares para sua nova empresa, a Turing Pharmaceuticals. “Dei alguns telefonemas e fiquei com 100 milhões de dólares no banco”, afirmou na Cúpula da Saúde. “Meus investidores sabem o que eu faço com esse dinheiro. Eu multiplico. Eu me saí muito bem e vou continuar fazendo isso. Faz parte do espírito do capitalismo norte-americano.”
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Como? Ele estava desafiando os limites em termos de preço. É incrivelmente fácil elevar o preço de um medicamento nos EUA: basta se certificar de que os pacientes possam arcar com os desembolsos. As seguradoras pagam a conta.
Nada disso era novidade: Shkreli tinha aprendido sobre os aumentos de preço observando os veteranos. Em 2007, um engenheiro mecânico e ex-diretor-executivo do setor de defesa chamado Don Bailey assumiu o controle da Questcor Pharmaceuticals e aumentou o preço de um medicamento usado para tratar convulsões em bebês, o Acthar Gel, de 50 dólares para 28 mil dólares por ampola, e depois o promoveu para doenças como esclerose múltipla, sendo que havia poucas provas de eficácia contra essa moléstia. A Questcor foi vendida à Mallinckrodt, de Dublin, por 5,6 bilhões de dólares em 2014.
Em 2005, um banqueiro de nome Steven Harr destacou que os únicos obstáculos aos preços nas alturas de medicamentos contra o câncer eram “a boa vontade e a tolerância à publicidade negativa das companhias” farmacêuticas, mas advertiu seus clientes de que corriam o risco de sujeitar o setor a uma maior regulamentação.
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A conclusão é que, se você vai aumentar os preços, a última coisa que quer fazer é buscar publicidade. Não foi o caso de Shkreli. Ele chamou um famoso jornalista de biotecnologia de “idiota” no Twitter. Após Hillary Clinton tuitar seguidamente sobre Shkreli para promover seus próprios planos de redução dos custos dos produtos farmacêuticos, Shkreli escreveu, em resposta, “kkkk”.
O maior problema não é o alto preço dos medicamentos novos, e sim a remarcação dos antigos. “Você não tem nenhuma pesquisa nova. A não ser medicamentos com preços mais altos”, diz Steve Miller, diretor médico da Express Scripts. De acordo com dados de sua empresa, o custo médio de um medicamento de marca aumentou 127% entre 2008 e 2014.
Todas as empresas de medicamentos fazem aumentos de preços em seus produtos nos Estados Unidos, muitas vezes a taxas superiores à inflação. Os executivos das companhias farmacêuticas os defendem. “Quando você põe uma droga no mercado, você tem uma base de dados relativamente pequena”, disse o diretor-executivo da Pfizer, Ian Read, na Cúpula da Saúde. “À medida que continua a investir nela e quando ela está no mercado, você gera novos usos, novas indicações, e vê o valor dela. Você deve definir o preço do medicamento com base no valor dele. Porque é assim que o mercado funciona. É assim que você obtém recursos para a pesquisa.”