Cervejaria artesanal enfrenta dificuldade para sair de seu nicho

2 de novembro de 2017
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Kim Jordan, cofundadora e CEO da New Belgium Brewing (Getty Images)

Em janeiro de 2013, Kim Jordan, cofundadora e CEO da New Belgium Brewing, convocou uma reunião e atordoou os funcionários ao anunciar que a empresa tinha sido vendida. Passada a comoção, ela contou ao pessoal que os envelopes que estavam em suas cadeiras continham a identificação do comprador. Dentro, eles encontraram um espelho, maneira que Jordan encontrou para informá-los de que passavam a ser os novos proprietários da New Belgium por meio de um plano de ações.

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Dois anos depois, os mais de 600 funcionários-proprietários despertaram com uma reportagem da Reuters que os atordoou de novo: a New Belgium estava à venda, e seus dirigentes estavam em busca de um comprador disposto a pagar US$ 1 bilhão pela cervejaria artesanal de Fort Collins, no Colorado.

Naquele momento, a belgo-brasileira Anheuser-Busch InBev estava comprando cervejarias artesanais. Ao mesmo tempo, os clientes da New Belgium estavam bandeando-se para as microcervejarias. A empresa não consegue ter o mesmo prestígio que as concorrentes menores nem o mesmo orçamento de marketing das gigantes. “Ela é grande demais para ser pequena e pequena demais para ser grande”, explica Harry Schumacher, editor da publicação Beer Business Daily. A resposta de Jordan: crescer.

Contudo, o caminho tem sido acidentado para uma empresa que se orgulhava de sua gestão vanguardista. A decisão de vender 100% aos trabalhadores satisfez os ideais de Jordan relacionados ao empoderamento dos funcionários, mas gerou endividamento e pôs pressão para gerar caixa a fim de garantir o pagamento da dívida. A New Belgium assumiu ainda mais empréstimos para construir uma segunda cervejaria em Asheville, na Carolina do Norte, que custou US$ 140 milhões e foi inaugurada em 2016. A segunda fábrica aumentou a capacidade de produção em 50%, e a New Belgium agora é vendida nos 50 estados, mas precisa concorrer em lugares onde os bebedores de cerveja nunca ouviram falar dela.

Em 2015, enquanto esperava a unidade de Asheville começar a produzir, a New Belgium teve seu primeiro ano de queda, quando a receita passou de US$ 226 milhões do ano anterior para US$ 225 milhões. Isso, junto com a decisão de colocar a empresa à venda, custou caro em termos do pessoal. Em outubro, Christine Perich, veterana com 16 anos de casa que Jordan tinha escolhido havia apenas um ano para sucedê-la como CEO, pediu demissão por telefone, sem ter outro emprego em vista e sem dar nenhuma satisfação pública. Em maio de 2017, Peter Bouckaert, mestre-cervejeiro da empresa há um bom tempo, anunciou que estava de saída para abrir sua própria microcervejaria. No último ano, à medida que mais gente questiona se a New Belgium ainda é um lugar especial para trabalhar, a rotatividade dobrou, chegando a 10%.

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Visitantes participam do tour pela cervejaria (Getty Images)

Esse pico é notável numa empresa cujos funcionários há muito tempo contam a história da empresa com orgulho: Jeff Lebesch, engenheiro de Fort Collins que produzia cerveja caseira, fez um passeio de mountain bike pela Bélgica em 1988 e se apaixonou pelas cervejas. Os cervejeiros belgas costumam adicionar frutas e condimentos à cevada maltada e ao lúpulo. Quando Lebesch conheceu a assistente social Kim Jordan numa festa, o casal viajou para a Bélgica e decidiu abrir uma cervejaria, a primeira a fazer cerveja ao estilo belga nos Estados Unidos. Casados, eles conseguiram uma segunda hipoteca, de US$ 60 mil, para comprar equipamentos.

O casamento não durou (Lebesch saiu da empresa em 2001), mas a cervejaria prosperou, e Jordan introduziu benefícios, como uma clínica no local com médico para atender gratuitamente os trabalhadores e familiares. O funcionário que completa um ano no emprego ganha uma bicicleta e, ao completar cinco anos, uma viagem à Bélgica. “A New Belgium era uma empresa que não agia como empresa”, diz Greg Owsley, diretor de branding entre 1996 e 2011.

Porém, à medida que a empresa crescia, a ambição de Jordan competia com seu idealismo. Em 2005, ela e sua equipe executiva decidiram que a empresa devia traçar uma estratégia nacional. O objetivo era oferecer novas oportunidades aos funcionários e construir uma plataforma maior para as práticas ambientais e administrativas. Outras pessoas viram nisso uma questão de ego.

Jordan diz não se arrepender de ter vendido a empresa aos funcionários, apesar de que uma venda no mercado aberto obteria um preço mais alto. FORBES calcula o patrimônio líquido dela em menos de US$ 200 milhões, uma fração da fortuna de US$ 1 bilhão de Ken Grossman, fundador e dono de 100% da cervejaria artesanal Sierra Nevada, na Califórnia, cuja receita não é muito superior à da New Belgium.

Quando Jordan decidiu analisar a possibilidade de vender a New Belgium em 2015, comparou esse processo a uma “marcha da morte”. Mas ela diz que tinha o dever de avaliar os possíveis compradores. No fim, segundo ela, embora houvesse ofertas na mesa, nenhuma era compatível: “Nós não encontramos a combinação mágica de entrosamento cultural mais compromisso com a arte cervejeira e a possibilidade de sermos inovadores e experimentais”.

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Antes de as discussões se encerrarem, Jordan se garantiu com uma nova contratação que não se encaixava no perfil típico da New Belgium. A maior parte dos funcionários, inclusive Jordan, se veste com camisa de flanela, calças jeans e moletons. Em março de 2016, Jordan contratou o irlandês Ruairi Twomey para o posto de vice-presidente de marketing – um colosso do ramo de bebidas, há 14 anos na Diageo.

Usando uma impecável camisa branca e paletó preto, Twomey descreve as novas linhas de produtos que ajudou a levar ao mercado, inclusive a Day Blazer, uma blond ale suave. Diz que testou 39 nomes e 16 designs antes de chegar à figura de inspiração inca destinada a atrair os consumidores latinos. Lançada em janeiro, ela já representa 6% das vendas da New Belgium.

O fato é que a companhia se recuperou de 2015 e vendeu mais cerveja do que nunca em 2016, registrando US$ 234 milhões, com um lucro líquido que FORBES calcula em US$ 17 milhões. No primeiro quadrimestre de 2017, enquanto as vendas da Sam Adams e da Sierra Nevada caíram 20% e 11,1%, segundo dados da Nielsen, as da New Belgium saltaram 8,5%. Jordan, que diz estar analisando candidatos a CEO, não se desculpa por ter feito um lançamento voltado ao mercado em baixa, nem por deixar a porta aberta para o caso de aparecer o pretendente certo, mesmo que seja uma das gigantes.

Negócio inteligente. Mas os fãs e funcionários que temem que algo especial esteja se perdendo na New Belgium podem achar que essas palavras são o prenúncio de uma forte ressaca.

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