Suplementos dietéticos têm má reputação e com boa razão: não têm eficácia clinicamente comprovada nem são aprovados pela FDA (Food and Drug Administration). Para piorar, raramente funcionam. O ômega-3 é uma das muitas pílulas que os americanos tomaram por décadas sem que houvesse qualquer comprovação da sua eficiência e, por isso, os médicos ficaram perplexos quando um desses produtos se mostrou capaz de reduzir significativamente o risco de um ataque cardíaco.
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A fabricante da pílula ômega-3 testada, a Vascepa, também: empresa de capital aberto, a Amarin viu suas ações subirem mais de 500% após o anúncio. O valor de mercado da companhia saiu de menos de US$ 1 bilhão para mais de US$ 5 bilhões em poucos dias. Antes do estudo, em 2017, o suplemento tinha uma receita de US$ 180 milhões.
A droga, que pode ser adquirida no Brasil por meio de importadoras de remédios, difere da maioria dos suplementos alimentares ômega-3, pois seu principal componente, o Epa, está em um estado altamente purificado, enquanto os demais geralmente contêm uma mistura com DHA (sigla em inglês para Ácido-Docosa-Hexaenóico) e outros compostos. Sua formulação diferenciada levou a FDA a classificá-la como “nova entidade química”, o que protegeu o produto da concorrência.
Se o óleo de peixe é mesmo uma droga milagrosa, e por que todos os estudos anteriores apontaram que era ineficaz? E como funciona esse comprimido específico?
O composto contém peixe?
Ainda que o mercado esteja animado com os resultados de um teste chamado Reduce-it, isso não significa que todos devam sair comprando suplementos de óleo de peixe. O que a experiência concluiu é que a droga, quando associada à estatina normalmente prescrita, pode reduzir o risco de ataques cardíacos em 25% nos pacientes com histórico de doenças cardíacas e diabetes tipo II, e também com níveis de triglicerídeos elevados.
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De fato, pesquisas anteriores pareciam demonstrar que o ômega-3 não é eficaz na prevenção de ataques cardíacos — ou câncer ou derrame etc. — na população em geral. O experimento da Amarin foi bem-sucedido porque teve como alvo um grupo bastante doente e de alto risco e, como um estudo controlado, assegurou que os participantes tomassem uma dose diária alta do ômega-3 purificado.
Apesar das ressalvas, para aqueles com histórico de doenças cardíacas e diabetes, o produto poderia salvar vida. E, considerando que a doença cardíaca ainda é a maior causa de morte em países desenvolvidos, e que até 80% delas são evitáveis, dezenas de milhões de vidas poderiam se beneficiar desses resultados.
Agora: como o ômega-3 realmente funciona?
Dos males, o menor
O ômega-3 por si só não é uma droga milagrosa. É benéfico apenas em oposição ao seu primo próximo, o ômega-6. Ambos são convertidos no corpo em eicosanóides, uma classe especial de lipídios (gorduras) que promovem a inflamação. Embora o processo inflamatório seja uma função normal de resposta a uma lesão, em excesso pode ser fatal — ela é o precursor do câncer e um catalisador para o acúmulo de placas que causam doenças cardíacas.
Felizmente, o ômega-3 é transformado em eicosanóides (moléculas inflamatórias) muito mais lentamente que o ômega-6. Ambos competem para ser convertidos, então uma pessoa que consome um alto volume de ômega-3 e ômega-6 tem, em teoria, menos inflamações pelo corpo. Desta forma, o produto não é realmente anti-inflamatório, mas sim o menor de dois males.
Um óleo saudável
O ômega-3 é um composto oleoso poliinsaturado. Tradução: contém múltiplas ligações duplas — em contraste com as gorduras insalubres e saturadas da carne que não contêm essas conexões. Este óleo é um dos muitos que o corpo humano não consegue sintetizar sozinho e deve obter na dieta, o que o torna, por definição, uma vitamina.
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Faz todo o sentido que os seres humanos não sejam capazes de sintetizar todas as moléculas que usam. Diferentes tipos de ômega-3 são encontrados em plantas e ovos de galinha, assim como na vida marinha, então qualquer pessoa com uma dieta equilibrada consegue quantidade suficiente de ácido graxo.
É natural que poucos consigam manter uma dieta balanceada. Os alimentos processados têm substituído as gorduras insaturadas, como o ômega-3, por gorduras saturadas e gorduras trans, que são mais baratas e menos propensas à deterioração, por isso podem ficar mais tempo estocadas.
Além disso, lembre-se que a quantidade de ômega-3 é importante em relação ao seu gêmeo “maligno”, o ômega-6. Alguns acreditam que, como caçadores e coletores, os humanos conseguem equilibrar a presença de ambos na dieta. Já a dieta agrícola mais difundida hoje tem até trinta vezes mais ômega-6, o que exacerba a inflamação e pode levar à obesidade. E não são apenas grãos e pães que representam problema — a carne de animais alimentados com ração tem muito mais ômega-6 do que a daqueles que se serviram de capim. Peixes e vegetais folhosos, por outro lado, podem ajudar a substituir um ácido graxo pelo outro.
A riqueza do ômega-3 e nutrientes similares na vida marinha pode ajudar a explicar por que o Japão, que em grande parte consome grandes quantidades de peixe, tem as maiores expectativas de vida do mundo. Estudos apontam que aqueles que comem pescados ao menos duas vezes por semana obtêm todos os benefícios suplementares dos ácidos graxos.
Tomar ou não tomar?
Em última análise, a maior lição que uma pessoa comum pode tirar do estudo sobre o ômega-3 é que, como sociedade, devemos mudar nossa abordagem da comida. Suplementos e até compostos como estes não podem ser absorvidos, assim como nutrientes encontrados em produtos naturais.
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Aqueles com histórico de doenças cardíacas, diabetes e colesterol alto devem conversar com seu médico sobre o ômega-3 (junto com a vitamina E para ajudar na absorção). O resto de nós seria mais bem servido com o consumo de carnes magras, peixes, nozes e vegetais.