De piloto a CEO do Grupo Vulcabras Azaleia

24 de agosto de 2019
Divulgação

Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras Azaleia

Arrependimento é uma palavra que não faz parte do vocabulário de Pedro Bartelle, CEO do Grupo Vulcabras Azaleia. Vitória, sim. Esse gaúcho de 43 anos desistiu aos 22 anos de uma promissora carreira no automobilismo logo depois de vencer uma prova no campeonato sul-americano de Fórmula 3. O que, a princípio, seria uma pausa nas pistas acabou se tornando um adeus definitivo – e o início de uma trajetória bem-sucedida na empresa que lidera o segmento de calçados esportivos no Brasil. “Ganhei no Rio de Janeiro e nunca mais entrei num carro de corrida”, afirma, ao recordar que a ideia era ficar apenas um ano fora das pistas. Durante esse período sabático, acabou assumindo outras responsabilidades na empresa da família – e lá ficou até hoje.

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Bartelle conquistou dois títulos brasileiros (de Fórmula Chevrolet e Fórmula 3) e foi vice-campeão sul-americano de F-3. Como se vê, ele tratava o esporte com total profissionalismo. “Tive o Nuno Cobra como preparador físico, tinha assessores e obtive ótimos resultados”, lembra. Mas havia também muita pressão e responsabilidade. “E eu queria aproveitar a juventude”, lembra, ao justificar a pausa. “Depois me dei conta de que poderia ter ido longe no automobilismo”, diz – sem ressentimentos.

No IPO de 2017: novo patamar

Com a marca Olympikus, a companhia está à frente de concorrentes de peso como Nike, Adidas, Asics e Mizuno no mercado brasileiro – graças, segundo o executivo, a uma estratégia que reúne agilidade na produção e na reposição de estoques, tecnologia aparente nos calçados esportivos e preços mais acessíveis, com o uso de cerca de 80% de matéria-prima nacional. Soma-se a essa receita um acordo com a norte-americana Under Armour com o objetivo de galgar novos patamares e concorrer no segmento premium, com preços a partir de R$ 300. Os tênis Olympikus são vendidos com preços entre R$ 130 e R$ 300. Por sua capacidade de reposição rápida de estoques, dificilmente são feitas liquidações dos produtos da marca. Segundo Bartelle, em três meses a empresa consegue colocar um produto nas gôndolas, contra seis meses dos concorrentes gringos.

Diante das peculiaridades do mercado brasileiro em relação, por exemplo, à variação da cotação do dólar e à disposição para o consumo, a Under Armour, que já estava no país desde 2014, procurou a Vulcabras Azaleia para propor uma parceria – a brasileira já tinha expertise em contratos de licenciamento após representar a Reebok durante 20 anos, até 2015, experiência que ocorreu por influência de Bartelle. “Estive nos Estados Unidos três vezes para conversar principalmente com o fundador da Under Armour, Kevin Plank. Tivemos um relacionamento muito bom. Eles viram valor na Vulcabras e no nosso diferencial competitivo e se sentiram confiantes em nos deixar criar produtos para o mercado brasileiro”, conta Bartelle, lembrando que em apenas três meses decidiram celebrar o acordo.

"Estive nos EUA três vezes para conversar com o fundador da Under Armour. Eles viram o nosso valor e sentiram confiança"

Pelo acordo, ficou decidido que a brasileira pagaria R$ 97,5 milhões para assumir por dez anos a operação da norte-americana no país, incluídas aí sete lojas: três em São Paulo, três no Rio de Janeiro e uma em Brasília. Além disso, será responsável pela produção de toda a parte de calçados e de metade da de vestuário. Neste caso, a Vulcabras não terá participação na criação dos artigos, apenas “clonará” as peças que for mais vantajoso ou mais rápido produzir no Brasil – caso contrário, importará os itens do parceiro. No que se refere aos tênis, tem total liberdade para criar produtos sob a marca Under Armour – seis modelos serão feitos no país (a empresa também pode trazer outros dos Estados Unidos).

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“Temos um setor têxtil que vem crescendo muito. E temos uma parceria há um ano com [o estilista] Alexandre Herchcovitch”, destaca Bartelle ao citar o enfoque recente em life style esportivo, em meio ao crescente uso de moda esportiva em ambientes diferentes de seu original. “No Sul, temos 600 pessoas entre criação, ferramentas e produção.”

História de vida

Pedro Bartelle é um competidor nato. Aos 14 anos, ingressou no automobilismo e passou oito anos correndo. Passou pelo Kart, Fórmula Ford, Fórmula Chevrolet e Fórmula 3. Dois anos antes de parar, montou um outlet da Reebok, uma forma de começar a trabalhar sem se envolver na empresa da família. Chegou a deter quatro lojas no Sul e 15 em São Paulo, até a Vulcabras incorporá-las em seu negócio.

Nessa época, o jovem empreendedor passou a trabalhar na área de marketing da empresa, onde ficou até 2003, quando foi morar na Argentina para operar a licença da Reebok no país, já que o operador local sucumbiu com a crise que assolava o país vizinho. Quando retornou ao Brasil, alguns anos depois, o empresário nascido em Farroupilha (RS) assumiu a área global de marketing do grupo. Embora os planos fossem para montar base em São Paulo logo após o casamento, em 2007, onde está toda a família, acabou pegando novamente a estrada de volta para o Sul – a aquisição da Azaleia pela Vulcabras acabou demandando a presença de alguém perto do centro de desenvolvimento em Parobé (RS).

Até os 22 anos, uma carreira vitoriosa no automobilismo

A família também foi a responsável por fazer o executivo abrir mão de um de seus hobbies: pescar na Amazônia. Pedro conta que costumava passar uma semana “800 quilômetros rio acima” pescando. Agora, com dois filhos pequenos (Pedro Paulo, de 8 anos, e Vitório, de 5), prefere passar o tempo livre com os dois, já que eles – ainda – não têm idade para acompanhá-lo na pescaria.

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Hoje morando em Porto Alegre, ele passa boa parte da semana viajando. Em São Paulo, num escritório no prédio ao lado do Shopping Eldorado, ficam os departamentos comercial, de negócios e marketing. Em Jundiaí, no interior paulista, concentra-se o centro administrativo da empresa, que detém ainda três fábricas no Nordeste: em Horizonte (CE), Itapetinga (BA) e Frei Paulo (SE). Há ainda duas filiais e centros de distribuição no Peru e na Colômbia.

A promoção de Bartelle a CEO ocorreu em 2015, ao término de um período bastante delicado para a companhia, durante um processo de reestruturação que demorou dois anos e meio e contou com a ajuda da consultoria Galeazzi & Associados, especializada em reestruturação de empresas. O processo levou à demissão de 30 mil dos 45 mil funcionários, além do fechamento de 22 fábricas e venda da unidade da Argentina. “O governo tinha adotado medidas antidumping contra os produtos chineses. Havia expectativa de um grande crescimento nas vendas de calçados, mas não foi o que aconteceu, porque nos demos conta de que a produção estava espalhada pela Ásia”, recorda o empresário, ao acrescentar que, naquele momento, os países ricos também vinham em crise e os excedentes de produção acabaram caindo nos países emergentes, dificultando ainda mais o mercado.

Números

Depois que largou o automobilismo, Pedro Bartelle passou a buscar sua dose de adrenalina no esqui aquático, esporte que hoje pratica pouco, deixando para o lado profissional as maiores aventuras. Administrador de empresas formado na Ulbra, já estava à frente da empresa quando ela abriu o capital – a Vulcabras já tinha feito um IPO em 1977, mas as ações não tinham liquidez, quase não eram negociadas, e por isso a operação de 2017 foi considerada uma abertura inicial.

“A reestruturação colocou a empresa num nível de bons resultados, bons níveis fabris, estabelecemos governança corporativa, nos profissionalizamos. Embora tenhamos cortado um contingente elevado, elevamos a terceirização”, conta o CEO ao calcular que o número de empregos indiretos gerados pela empresa é de três a quatro vezes o de diretos, ou seja, de 45 mil a 60 mil vagas.

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Com o processo que levou ao enxugamento da estrutura, o faturamento líquido caiu de R$ 2,3 bilhões em 2010 para R$ 1,5 bilhão em 2018. No primeiro trimestre deste ano, segundo resultados recém- -divulgados, a Vulcabras Azaleia registrou lucro líquido de R$ 26,2 milhões, desempenho 21,6% abaixo do auferido no mesmo período do ano passado por causa do impacto do ritmo fraco das economias brasileira e argentina.

A receita total, de R$ 299,8 milhões, apresentou alta de 2,7% em relação ao primeiro trimestre de 2018, mas a margem foi ligeiramente menor. As vendas da marca Olympikus afetaram a categoria calçados esportivos, que caiu 1,6% na receita líquida, passando de R$ 227,5 milhões no ano passado para R$ 223,9 milhões. O segmento respondeu por quase 75% da receita líquida da companhia no período.

No comentário do balanço, a empresa destaca que as vendas dos produtos Under Armour entrarão no segundo trimestre, o que, junto com a melhora no desempenho vista a partir de março, pode culminar em resultados mais promissores.

Top of mind

Além da Olympikus, a empresa é dona das marcas Vulcabras, Azaleia, Dijean, Olk e Opanka. Na linha feminina, a Azaleia, segundo Bartelle, é “top of mind”. Mas, da mesma forma que ele na condução atual de seu preparo físico, a empresa apenas tem feito a “manutenção” dessas linhas. “Fast fashion muda muito. Damos atenção, mas é relativamente menos importante. A marca, no entanto, segue relevante no Brasil e no exterior”, destaca, ao citar as 50 lojas próprias na Colômbia e no Peru e as 22 franquias que a marca possui no Chile. “Estamos crescendo lentamente”, acrescenta. 

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Segundo ele, o maior desafio é ver a economia brasileira ficar mais saudável, melhorar a geração de empregos e, por consequência, o poder de compra dos consumidores. “No nosso setor, uma economia mais saudável traria mais confiança. E isso facilitaria o planejamento do negócio”, avalia.

O CEO da Vulcabras Azaleia é o segundo filho do primeiro casamento de seu pai, Pedro Grendene. Sua irmã mais velha, Giovana, já trabalhou na empresa, e, dos dois irmãos caçulas, do segundo casamento, apenas Gabriella não se envolveu nos negócios; André é conselheiro da empresa. 

Seu pai, que está atualmente no terceiro casamento, fundou a Grendene com o tio, Alexandre, em 1971. Pedro Grendene adquiriu a Vulcabras em 1988 e, em 2007, a Azaleia, embora ainda tenha participação na empresa do irmão.

“Depois do processo de crise, aprendemos que a empresa precisava se profissionalizar”, lembra Pedro ao comentar o envolvimento dos parentes nos negócios e a migração da companhia para o Novo Mercado da Bolsa. “Temos dois conselheiros independentes. Sou o único acionista que tem cargo executivo”, conclui, lembrando que os cargos são profundamente ligados à performance dos executivos. “Sabemos separar quem é acionista e quem é executivo.”

Reportagem publicada na edição 68, lançada em junho de 2019

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