Contando com fundos recolhidos de famílias que vieram da Velha Bota, como os Pignatari, Crespi, Falchi e, principalmente, os Matarazzo, o prédio começou a tomar a forma neoclássica prevista pela prancheta do arquiteto italiano Giulio Micheli. Dividido entre alas para pessoas que podiam e não podiam pagar pelo atendimento médico, o hospital ganhou novas estruturas de estilos heterogêneos até 1974, então um complexo de dez edifícios, como a capela Santa Luzia (1922) e a Maternidade Filomena Matarazzo (1943) – Filomena foi a mulher de Francesco Matarazzo (1854-1937), com quem teve 13 filhos.
O local foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) em 1986 e fechou as portas para o público em 1993. O roteiro de abandono de um dos pontos mais privilegiados da cidade, colado à avenida Paulista, começou a ganhar novas linhas quando surgiu no script o empresário francês (nascido no Estados Unidos, criado na Costa do Marfim e na Líbia) Alexandre Allard, de 51 anos. Ele arrematou o terreno por R$ 117 milhões em 2011, depois de quatro anos de estudos em como poderia revigorar a área e iniciar um dos projetos arquitetônicos e comerciais mais ousados do país. Nascia o Cidade Matarazzo.
“Eu estava criando um monstro, não parava de viajar, Jeff Bezos queria me ver a cada 15 dias.”Como cartão de visitas da criatividade que move Allard, em 2014 ele montou a mostra Made By… Feito por Brasileiros, abrindo as portas do terreno para visitantes apreciarem trabalhos de artistas feitos para o espaço, mas logo desmontados após a exposição. De vídeos performáticos como Baba Antropofágica, de Lygia Clark, à instalação de Daniel Senise, passando por filmes clássicos do cineasta José Mojica Marins, um extenso cardápio de artistas atraiu um público de 100 mil pessoas.
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Ao falar da própria linha do tempo profissional, o empresário deixa clara a importância do caráter inovador desde seus primeiros trabalhos. Após a temporada na África, voltou a estudar na França, atuou como publicitário na década de 1980, mas ganhou dinheiro mesmo nos anos 1990, coletando informações de consumidores, montando e vendendo bancos de dados gigantes. Criou a Consodata em 1994, empresa que seria vendida em 2000 por 400 milhões de euros para a Telecom, da Itália. “Aos 30 anos, eu já era bilionário”, resume. Chegou a um ponto que, pressionado pela mulher, abandonou a carreira para curtir a vida (viajando de barco mundo afora) e ter dois filhos, Sacha, de 18 anos, e Milla, de 16. “Eu estava criando um monstro, não parava de viajar, Jeff Bezos queria me ver a cada 15 dias, outros presidentes de empresas também me acionavam, precisava sair disso, embora muita gente ache estupidez pular fora de um negócio que hoje valeria uns US$ 15 bilhões.”
Forbes: Por que você nasceu nos Estados Unidos e passou a infância na África?
Alexandre Allard: Para te dizer a verdade, eu nasci por acidente. Não acho que meu pai estava esperando ter um bebê com a minha mãe. Eles acabaram se casando por causa da gravidez. Os dois são franceses. Ele, de uma região costeira; ela, das montanhas. Meu pai era engenheiro, sempre gostou de cavar buracos, que na época significava encontrar água. O sonho dele era ir para a África, trabalhar na Legião Francesa. Mas um dia foi para o Peru em uma missão, e lá conheceu minha mãe, que era professora de uma escola. Nasci nos Estados Unidos e seis meses depois meu pai pegou uma missão na África. Primeiro fomos para a Líbia, depois Costa do Marfim. Tenho um irmão que nasceu na França e uma irmã que nasceu na África. Acho que eles não tiveram comigo a mesma atenção que deram para meus irmãos. Estudei em uma escola de africanos. Era a única criança branca.
Como foi essa época?
Como você “descobriu” o Brasil e por que veio para cá?
Descobri o Brasil com dois cantores em meu barco, quando estava na Córsega, em Porto Vecchio. Toquinho e Chico Buarque. Eles vieram cantar em um festival e o prefeito me perguntou se eu poderia levá-los para um tour na ilha. Eles que me falaram que eu deveria conhecer o Brasil. Então, fui para o Rio de Janeiro pela primeira vez. Mas só quando fui à Bahia é que eu me apaixonei pelo país. Salvador é a minha cidade, me sinto em casa. Conheci Ivo Pitanguy [1926-2016], uma pessoa muito inspiradora e sofisticada: não existia nada mais brasileiro que ele. Também me apaixonei por sua propriedade em Angra dos Reis.
Qual foi a sua primeira ideia de negócios aqui?
Como o terreno do Cidade Matarazzo entrou no seu radar?
Em 2004, decidi enviar um funcionário para encontrar um imóvel na cidade. Ele pesquisou durantes anos. Quando vim conhecer o imóvel em 2007, aqui ao lado, não gostei. Quando nós subimos no topo do prédio para tirar uma foto e observar a vizinhança, eu vi este lugar [terreno do Matarazzo].
Qual sua primeira impressão de São Paulo?
Que outros destinos você conhece no Brasil?
Eu viajei muito. Acho que conheço mais o Brasil do que muitos brasileiros. Os brasileiros vão mais para Miami. Eles não vão para o Mato Grosso. Eles não sabem onde fica o Acre. Mesmo Manaus: eles sabem que é no norte, mas não sabem exatamente onde. Meu lugar favorito é a Bahia. Acho que é absolutamente incrível a sensação de como uma colonização europeia foi tomada por negros. Tenho sonho de ter um hotel lá, mas agora estou totalmente focado aqui. E eu amo o Rio de Janeiro – é impossível não amar; é a cidade mais bonita do planeta, vivi lá por muitos anos, em Ipanema. Todos os dias que acordava e olhava para a minha janela, ficava encantado. A Chapada Diamantina também é uma área impressionante, sem equivalente no planeta.
Como descreveria o seu dia?
Em comum, os projetos demonstram que você gosta muito de arte e de arquitetura. Quando isso começou?
Não existe nada mais poético do que o processo criativo. Amo quando vejo alguém em um estúdio de música, trabalhando em como agregar as notas, amo a moda, criei algumas marcas fabulosas [como a Faith Connexion], amo quando vejo alguém preparando um desfile. Sou um amante do processo criativo porque acredito que isso salvará o mundo. A arquitetura é muito importante porque ela molda como os humanos vivem – é uma responsabilidade gigante. Com este pedaço de terra, eu espero mudar uma cidade inteira, contaminar São Paulo e outras cidades no planeta. Quando você percebe que pode fazer isso, é incrível.
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O Le Royal Monceau é uma pequena parte do que estou fazendo agora. Se você olhar para o projeto [atual], é tudo que eu já fiz em minha vida. A parte tecnológica será a mais avançada do planeta. Do ponto de vista social, você verá uma fazenda urbana, empoderamento de aldeias indígenas. Tudo que aprendi durante a vida estou aplicando aqui.
Você conheceu Philippe Starck no Royal Monceau?
Não, eu o conheci fazendo um projeto no centro de Pequim [bairro de Qianmen] em 2004. Ele é amigo. O meu luxo é trabalhar com os melhores do mundo, sempre tive essa oportunidade.
É uma máquina gigante para celebrar a diversidade brasileira. Olha, eu não faço esse projeto para o Brasil. Faço para o mundo. Os brasileiros, por acaso, estão por perto. O Brasil e essa cidade representam as raízes do futuro. E eu estou aqui para ajudar os frutos a vigorarem.
O projeto se mostrou mais complexo do que você imaginou inicialmente?
Muito mais. Realmente complexo, mas ficará muito melhor do que imaginei. É um projeto extremamente cansativo, mas sou incansável, tenho uma energia imensa e fui feito para isso. No fim, entregaremos algo incrível.
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