A mudança mais importante que a geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) tem trazido para o mercado de trabalho pode ser resumida na preferência pela qualidade da entrega em detrimento do controle do funcionário. A divisão imaginária que se fazia entre a vida pessoal e a profissional foi, pouco a pouco, desconstruída à medida que a “jornada de trabalho” da nova geração passou a estar mais integrada do que nunca. As pessoas não “fazem” mais isso ou aquilo, elas simplesmente são a profissão que desempenham.
A geração Z é a primeira “nativa digital”, segundo a pesquisa “True Gen”, feita pela Mckinsey com parceria da Box1824. É uma geração extremamente comunicativa, com identidade fluida, menos apegada a questões materiais e mais em busca de experiências reais. São jovens que trazem, pela primeira vez, o ideal de economia criativa que faz com que grandes negócios surjam de ideias simples, expressas pela criatividade.
A questão de um milhão de dólares agora é: e depois? O que todas essas disrupções trarão para o futuro do mercado e, consequentemente, para as relações de comunicação profissionais? Para tentar responder a essa questão, Forbes Brasil ouviu diversas empresas que já apostam em um novo cenário.
Empreendimentos de Z para Z
“Para nós, o trabalho é a extensão da vida”, diz Eduardo Cutait, sócio-fundador do Volt, empresa que começou como um coworking e já avança para outros setores como o imobiliário, por exemplo. A ideia de abrir um escritório compartilhado surgiu em meados de 2015 quando Marcelo Cassab, Eduardo Cutait e Isabelle Nahas, que tinham, na época, entre 19 e 21 anos, tiveram a ideia de otimizar um espaço comercial e torná-lo um ambiente de trabalho coletivo.
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O conceito de coworking era ainda incipiente, mas já conhecido por Isabelle, que estudou as tendências da nova geração no mercado de trabalho durante uma iniciação científica na faculdade e estava familiarizada com a cultura do “compartilhar”, que, segundo ela, surgiu a partir de uma necessidade real de otimizar tempo, espaço e materiais depois da crise de 2008.
Essa cultura, no entanto, vai de encontro direto com a queda do ideal de “posse” que a geração Z apresenta. Para nascidos em décadas anteriores, como os Baby Boomers (entre 1940 e 1959), ter era quase uma regra. Eles queriam comprar um carro, ter um bom emprego, uma casa grande. Já o jovem de hoje não sente mais a necessidade de possuir bens, porque eles prendem a pessoa a um lugar só, e a máxima expressão da geração atual é justamente a fluidez de identidade.
No Volt, que se apresenta como uma empresa construída “de Z para Z”, os funcionários se sentem extremamente à vontade para irem trabalhar vestidos da forma que quiserem e fazendo o horário que for mais conveniente. Theo Tuch, 25 anos, o último sócio a integrar a equipe de sócios, brinca ao responder sobre frequência e horários: “Se o meu funcionário entrega, ele pode trabalhar até da Amazônia desde que dê as caras por aqui de vez em quando”. Mariana Barreto, 30 anos, é head financeira do grupo e diz estar muito satisfeita em trabalhar na empresa, pois é o primeiro emprego que respeita suas particularidades. “Eu trabalho melhor à noite, é um alívio para mim estar em um lugar onde eu posso chegar mais tarde e sair mais tarde”, completa.
Novos modelos de negócio
Bernardo Dinardi e Isadora Domingues são um jovem casal de 32 e 30 anos, respectivamente, e que empreendem aproveitando as oportunidades do mercado atual e com os olhos voltados para o futuro. O Grupo XXplode, fundado por Bernardo, compreende três empresas, a TM1 que realiza grandes eventos e experiências para marcas como Netflix, a martech The Hubi e a marca Sofisticada Sem Ser Cara, de conteúdos digitais, incorporada ao grupo mais tarde e encabeçada por Isadora. Juntas, as empresas funcionam em um mesmo espaço.
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“Nossa construção corporativa é totalmente direcionada para atender à necessidade do grupo”, explica Dinardi. “Nós temos hoje, além do tradicional RH, uma área de Community Management, que eu gosto de chamar de “recursos para humanos”, completa. Áreas como essas são, normalmente, encontradas apenas em grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook.
Segundo Isadora, a aposta veio por acreditarem que o bem-estar do funcionário faz com ele renda muito mais, o que traz benefícios para todas as partes. Simone Murata, CEO da The Hubi, 40 anos, reforça o ideal de que o que importa é a entrega, e não o tempo que a pessoa passa dentro da empresa.
O mundo digital e a geração Z
“Ele aparece aqui na empresa dia sim dia não, mas o que eu posso fazer? Ele entrega tudo o que eu peço”, brinca Rafael Grostein, 40 anos, sobre um de seus funcionários durante uma festa de confraternização da empresa. Ele comanda, ao lado de Hélio Machado, 37, a produtora NWB, responsável por alguns dos canais no Youtube mais famosos e acessados do Brasil, como o Desimpedidos.
Não há nada mais geração Z do que ganhar dinheiro com canais no Youtube, um produto feito por esta geração e para esta geração. Por isso, não é difícil de imaginar que o ambiente da produtora não tenha nada de tradicional. É um ambiente de trabalho que permite a comunicação direta entre os membros envolvidos e o surgimento de outras relações a partir disso, além da profissional. Em ambientes como esse, os funcionários não são apenas colegas, mas também amigos.
Rafael Campacci, 25 anos, faz parte do laboratório criativo da empresa há mais de dois anos e confessou que trabalhar lá é “tão bom que dá até um medinho de sair”. Todos trabalham como se estivessem brincando, se divertindo, “testando” coisas novas. Não à toa, alguns dos quadros e personagens dos programas surgiram de brincadeiras entre a própria equipe, segundo Hélio.
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Em relação ao controle do trabalho que cada um desempenha, Grostein é bastante claro: “Cada um aqui sabe o que tem de fazer, não precisa de controle porque, se o cara não fizer o programa, simplesmente não irá ao ar”. A qualidade de um funcionário para o ambiente de trabalho da geração Z está atrelada ao que ele entrega, e não a como ele desempenha suas funções. Quanto mais liberdade e conforto a empresa dá ao trabalhador, maior a qualidade do resultado, a criatividade e a autenticidade.
A nova “cultura” da empresa
Nas empresas da geração Z, há uma “cultura” cada vez mais consolidada de inovação e flexibilidade. Startups que deram os primeiros passos há pouco mais de dez anos, unidas a outras mais recentes, são hoje algumas das companhias mais valiosas do mundo, com faturamentos bilionários.
Para elas, a cultura profissional responde hoje por uma forte identidade empresarial. Ambientes descontraídos, divertidos e de integração são facilmente encontrados nos escritórios e trabalham para unir e fortalecer as equipes. É o caso da Loft, o primeiro unicórnio brasileiro. A empresa é tida como um fenômeno, não só para os consumidores, mas para quem trabalha lá.
O escritório de quatro andares localizado no coração do Jardins, em São Paulo, possui estações de café, sala de meditação e salas individuais para quem deseja trabalhar com maior tranquilidade, entre outros atrativos. Políticas como home-office são quase uma exigência da empresa: os funcionários são estimulados a adotá-lo pelo menos três vezes por semana.
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Para Daniela Bruzzi, 30 anos, head de people (o tradicional RH), a meta da empresa é alcançar o nível global e, para isso, é necessário que os funcionários se acostumem a trabalhar à distância, sem precisar estar fisicamente presente, ou seja, de forma descentralizada. “Ser descentralizado é o que permite uma empresa alcançar um nível global de forma muito mais rápida, a expansão não pode depender de uma barreira física”, completa.
“Aqui é muito normal você falar para um colega: ‘Estou indo para casa para me concentrar”, diz a líder de compliance da Loft, Laís Coslop. “Somos uma empresa com o foco em pessoas: pessoas se desenvolvem e desenvolvem junto a empresa”, acrescenta.
Segundo David Ledson, diretor de gente e gestão da Sympla, empresa de venda de ingressos com cerca de 460 funcionários, fatores como happy hour, ambientes descontraídos, home-office e horários flexíveis são um lugar comum em empresas de tecnologia. “Isso para nós é commodity, o importante, de verdade, o verdadeiro diferencial de uma empresa são as pessoas e a cultura que elas próprias criam”, diz.
Esta é uma característica nova para o mercado de trabalho: olhar o funcionário como um indivíduo único. Pela primeira vez a capacidade produtiva do trabalhador é colocada em segundo plano, logo abaixo de quem ele é. Ou seja, antes de ser importante o que a pessoa faz, é importante se ela é capaz ou não de fazer parte da cultura da empresa e de cultivá-la também. “O alinhamento entre funcionário e valores da empresa é o único fator inegociável em uma contratação, a pessoa precisa se integrar, precisa fazer parte, porque a empresa tem de ser uma extensão da pessoa”, afirma Ledson.
A Stone é uma startup de tecnologia que começou com a comercialização de maquininhas para pagamento com cartão e que une dois ambientes um pouco distintos: a disrupção de uma startup e a formalidade do mercado financeiro. Livia Kuga, 28 anos, líder do time de atração de talentos da Stone, explica que a flexibilidade da empresa gira em torno das necessidades do cliente e que, a partir delas, a dinâmica dos funcionários é estabelecida.
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“Meu começo profissional foi via Stone. Uma colega brincou outro dia dizendo que eu precisava trabalhar em uma outra empresa para descobrir que o que é normal para mim não é o padrão no mercado. Por exemplo, aqui tudo tem de ter uma justificativa, não existe nenhuma regra a ser seguida que não possua uma necessidade bem clara por trás”, afirma, ao deixar claro uma outra característica do novo mercado de trabalho: regras inteligentes. Não existe uma boa organização de equipe sem que algumas regras sejam seguidas, no entanto, aquele velho hábito de criar e obedecer regras por pura hierarquia ficou ultrapassada. A tendência é que o dever de cada um esteja totalmente conectado com o que é preciso ser entregue para que o negócio funcione, e não simplesmente pelo exercício de um controle ineficaz, cujo único papel é manter níveis hierárquicos.
É assim que trabalham os mais de seis mil funcionários da empresa, com liberdade para desempenharem as suas funções da forma que lhes for mais conveniente, dentro daquilo que é possível na função que eles desempenham e priorizando a qualidade da entrega. Rodrigo Edington, 27 anos, é especialista de investimentos no time de fusões e aquisições da Stone. Apesar de trabalhar em São Paulo, sua família mora em Salvador, cidade onde ele nasceu. “Na próxima segunda-feira, por exemplo,vou para Salvador, e você me perguntar o que eu vou fazer: vou visitar minha família e trabalhar de lá”, conta.
Inovação em ambientes tradicionais
Quem acha que ambientes tradicionalmente mais formais estarão fora do escopo da disrupção da geração Z pode se surpreender. Um escritório de advocacia de São Paulo, o Salles Franco de Campos Bruschini Advogados (SFCB), dá os primeiros passos em direção ao futuro mais flexível, jovem e inovador. Formado por três sócios na faixa dos 40 anos, Pedro Salles, Renato Franco de Campos e Guilherme Bruschini, o escritório foi pensado para deixar de lado tudo aquilo que os incomodava em passagens anteriores por escritórios mais tradicionais. “Nós sentamos e pensamos mais naquilo que nós não queríamos que existisse do que no que nós queríamos”, afirma Campos.
O resultado foi um open office, horizontalizado, com um dress code um pouco menos rígido. A ideia para o futuro é intensificar cada vez mais as mudanças. A implementação de home-office e a licença paternidade, por exemplo, já estão nos planos dos sócios. O escritório possui também com um espaço mais “à vontade”, com cadeiras para relaxar, uma varanda e videogames.
Os funcionários contam que o espaço não é só para o happy hour, é para quem quiser, a hora que quiser, para dar uma relaxada, o que eles acreditam que pode contribuir para a eficiência e integração da equipe como um todo. Maria Victoria Oliveira, 25 anos, é uma advogada recém-formada que integra uma das equipes do escritório. Ela afirma que lá é muito diferente de empregos anteriores. “Aqui ninguém tem sala. O Renato é sócio do escritório e senta em uma baia igual a minha. Isso horizontaliza não só a nossa comunicação, mas a relação interpessoal do escritório como um todo”, diz.
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