Até o século 16, todos acreditavam que a Terra era o centro do universo. Então surgiu Copérnico e sua ideia revolucionária de que o planeta se mexia em volta do Sol. Claro, as pessoas ficaram desconfortáveis. Não era apenas mais uma afirmação, mas uma mudança sobre a importância da Terra e da sua espécie mais poderosa, os seres humanos.
Demorou 100 anos para que a teoria de Copérnico ganhasse fôlego e fosse aceita pela comunidade científica. De repente, a descoberta representou uma completa oposição à verdade conhecida até então. A Terra era apenas um planeta orbitando no universo. Isso significa que o sistema solar mudou, ou não?
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Esquemas conceituais
No inverno de 1973, Paul McCartney e os Wings lançavam o disco “Band on the Run”, enquanto “O Exorcista” estreiava nos cinemas e o filósofo Donald Davidson fazia um dos discursos presidenciais mais memoráveis na história da American Philosophical Association (Associação Filosófica dos Estados Unidos, em tradução livre).
Davidson (1917-2003) estudou em Harvard e ocupou cargos de professor em muitas das melhores universidades dos Estados Unidos antes de se fixar na Universidade da Califórnia, Berkeley. Embora esse tipo de plano de carreira – frequentar uma universidade importante e se tornar um professor da área – não seja um ponto fora da curva entre as figuras acadêmicas importantes, as ideias de Davidson eram tudo, menos comuns.
O discurso dele de 1973 virou um ensaio intitulado “Sobre a própria ideia de um esquema conceitual”, em tradução livre, onde ele aborda a forma como nossa realidade é afetada de acordo com o que falamos sobre ela.
Agora, o que é um esquema conceitual e como sua falta de existência questiona a ideia de que nossa realidade é relativa à linguagem? E o que significa isso na prática?
De acordo com Davidson, os esquemas conceituais são “formas de organizar experiências; são pontos de vista a partir dos quais indivíduos, culturas ou períodos examinam a realidade”.
Se isso estiver certo, antes de Copérnico havia um esquema conceitual em vigor para entender a astronomia. O conceito de “Terra” significava algo (o centro estacionário do universo) e esse entendimento ditava como compreendiamos o tema e, portanto, como falávamos sobre o assunto. Então veio o heliocentrismo e nosso esquema conceitual mudou. “Terra” virou um conceito totalmente novo, assim como a maneira como entendíamos e falávamos sobre astronomia. Em outras palavras, tudo aquilo que não é um fato absoluto é baseado em conceitos.
É importante ressaltar que, para dois grupos com esquemas conceituais diferentes, somente a explicação não é suficiente para que a discrepância de compreensão seja superada. Um astrônomo de 1680 não teria sucesso explicando astronomia para um astrônomo de 1380. Como Davidson coloca, “se os esquemas conceituais diferem, as linguagens também diferem”.
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Ambos podem estar falando o mesmo idioma. Embora a palavra “Terra” seja a mesma, o significado não é. Isso se deve ao fato de os dois se basearem em conceitos distintos. No entanto, um astrônomo que falasse italiano em 1680 não teria problemas para entender seu colega contemporâneo que falava inglês.
Isso porque você pode traduzir idiomas, mas não esquemas conceituais. Assim, encontrar alguma semelhança entre dois grupos com conceitos diferentes é um grande obstáculo, pois eles não podem nem mesmo começar a se entender.
O objetivo de Davidson é eliminar os esquemas conceituais. Evidentemente, continuar em um mundo onde simplesmente assumimos nossos conceitos como realidade, seja na ciência, filosofia, política, etc, seria como a Revolução Copernicana, e levaria gerações para acontecer.
Felizmente, sua solução é bastante simples. Davidson nos diz que, “gostemos ou não, se quisermos compreender os outros, devemos considerá-los certos na maioria dos assuntos”. Simples, mas bastante profundo.
O esquema conceitual de hoje
Se ele conseguiu ou não implementar essa ideia no mundo filosófico, nós não sabemos, mas há uma área nos Estados Unidos em que dois grupos parecem ter esquemas conceituais diferentes atualmente e, portanto, não conseguem se entender.
Há razões para acreditar que aqueles que se identificam como democratas parecem ter conceitos totalmente diferentes daqueles que se identificam como republicanos.
Pense no termo “eleição presidencial de 2020”. Para os democratas, isso significa uma eleição livre e justa, na qual Joe Biden foi devidamente eleito o 46º presidente dos Estados Unidos. Para um número significativo de republicanos, entretanto, o conceito de “eleição presidencial de 2020” tem um significado totalmente diferente: uma disputa fraudada que foi roubada de Donald Trump. Como alcançar um entendimento entre esses grupos em relação às eleições se o conceito da ideia para cada um é fundamentalmente diferente?
Outro exemplo de grupos trabalhando em dois esquemas conceituais separados é quando pensamos em racismo. Muitos democratas e pessoas de tendência esquerdista veem o tópico como um problema institucional e embutido no tecido do país, enquanto conservadores e funcionários republicanos geralmente acreditam que é uma questão individual. O senador republicano Tim Scott, da Carolina do Norte, disse recentemente que eles “ainda não acreditam ou percebem que o racismo [institucional] existe, nem entendem o quanto isso dói”.
Quando não existe acordo sobre o que é e de onde vem o racismo, a capacidade de superá-lo fica claramente prejudicada. É exatamente disso que Davidson está falando. Embora a esquerda e a direita, democratas e republicanos, falem a mesma língua, parece que estão trabalhando sob diferentes esquemas conceituais, minando assim a chance de fazer qualquer progresso real.
Mas Davidson tem uma sugestão. É hora de os dois lados considerarem que o outro está certo na maioria das questões – quer eles gostem ou não. Fazendo isso, começaremos a superar nossas divergências e teremos mais pressupostos básicos compartilhados. Com diferentes esquemas conceituais, isso simplesmente não seria possível. Superar conceitos discordantes é o primeiro passo para um futuro melhor.
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