Não sei dizer com exatidão o momento em que céu e terra se uniram. Um sentimento de perfeita harmonia invadiu todas as minhas células, sem pedir permissão, e tomou conta da minha alma. A respiração profunda e espaçada anunciava o prelúdio de que seria um dia memorável.
“Vou pedir demissão e vamos realizar nosso sonho de morar em Lisboa”
“Vamos, Luli”. A resposta dele (marido ou anjo?) veio pronta, carregada de amor e compaixão.
Talvez o medo da morte tenha me dado a coragem que eu precisava para conectar minha mente e meu espírito, em busca da minha unicidade. Entendi que teria que assumir a responsabilidade e abrir espaço para que o novo pudesse se manifestar. O pensamento não bastaria. Apenas a ação abriria o caminho.
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O trabalho sempre foi visceral para mim. Um dos meus maiores prazeres era ser a primeira a chegar no escritório. No dia seguinte de ter sofrido o meu primeiro aborto, estava lá pontualmente às 8h30. Passei anos (muitos anos) na terapia, tentando entender e acessar quem era a Luciana sem o crachá. Era como se eu não existisse sem o meu emprego ou não tivesse valor para a sociedade.
Cresci ouvindo a frase “o trabalho enobrece o homem”. É verdade. Tanto que eu fiquei viciada nisso. Um “vício” bastante conveniente, que nos proporciona crescimento, evolução, conquistas e, no meu caso, amigos que sempre levarei comigo.
Ocupar o cargo de CEO foi um dos maiores privilégios da minha vida. Desenvolver pessoas, com responsabilidade e empatia, para que pudessem, consequentemente, desenvolver o negócio de forma rentável e sustentável, tem sido a minha missão. Pessoas diversas e plurais transformam o mundo.
“Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda.” Carl Jung
É essencial reconhecer quando o desconforto que você está sentindo está alinhado com seus valores. Desde que comecei a estudar neurociências passei a investir a maior parte do meu “share” de leitura em autores e assuntos que não tinham a ver com carreira. Reconheço que todos os clássicos do mundo corporativo que tive a oportunidade de ler ao longo dos anos me proporcionaram conhecimento técnico. Esses livros ajudaram a incrementar a minha caixa de ferramentas, o que foi fundamental na minha ascensão como líder.
Fato é que, nesse processo de autoconhecimento, me deparei com algumas preciosidades como “Consciência quântica” do Ph.D. em física nuclear Amit Goswami, ou mesmo “A sabedoria da natureza”, do professor de taoísmo e I Ching, Roberto Otsu. Mas o livro que mais me impactou foi “A Jornada da Heroína” da Ph.D., psicoterapeuta e escritora Maureen Murdock, que validou a minha necessidade de adequação aos valores masculinos e o eterno conflito entre o que a sociedade patriarcal espera de nós, mulheres, e o que realmente somos. A leitura desse livro transformou as noites do casal. Marcão foi praticamente obrigado a ouvir um audiobook.
Mulheres fortes podem dizer não
Renunciar ao cargo de CEO tem um peso. Sou muito grata por ter ocupado a mais alta posição na hierarquia corporativa. Uma posição desafiadora, estratégica e de muita influência. E é claro que me preocupo com a mensagem que estou passando para as mulheres que almejam chegar à liderança. Não quero decepcioná-las, e muito menos desencorajá-las. A nossa subida só está começando. Respeitar o seu momento de vida é o mais importante a ser feito. No entanto, minha intenção é enfatizar que fazer escolhas é uma forma de poder.
Para quem costumava associar sucesso apenas com trabalho, esse meu despertar proporcionou a valorização da Luciana sem o seu crachá.
“Mamãe, quando eu crescer vou escrever sobre a sua história de coragem”. Isadora, 10 anos.
Experimente ouvir a voz do seu coração. Sua felicidade virá de dentro.
“Eu não conheço o futuro. Eu não vim aqui te dizer como isso vai acabar. Eu vim aqui te dizer como vai começar.” Morpheus (Matrix, 1999)
Luciana Rodrigues é executiva C-level do setor de comunicação, mentora e conselheira.
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