Hoje, McGhee é presidente do conselho da Ong norte-americana Color of Change e autora do livro “The sum of us: What racism costs everyone and how we Can prosper together” (A soma de todos nós: o custo do racismo para todos e como podemos prosperar juntos, em tradução livre. Ainda sem edição no Brasil), em que reúne dados para provar o real prejuízo econômico do preconceito racial. Já tendo passado pela diretoria de outras Ongs e publicações de ciência política, McGhee é especialista em economia, políticas públicas e desigualdade racial.
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Em visita ao Brasil para o “Filantropando: oxigenando boas ações”, evento promovido pelo Instituto Beja, Heather McGhee conversou com a Forbes sobre os impactos do racismo para as empresas, demissões discriminatórias e o racismo por trás de inteligências artificiais.
Forbes: Em seu livro, você fala bastante sobre as “drained-pool politics” (políticas de piscinas esvaziadas). O que são essas políticas e como elas afetam a população em geral, e não apenas as pessoas negras?
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F: Em sua palestra, você disse que o racismo afeta a todos, e não apenas os negros. Qual é o custo do racismo para as empresas?
HMG: O custo do racismo para os negócios é a má tomada de decisões. Racismo é a crença de que alguns grupos de pessoas são melhores do que outros, o que é discriminatório. Se você está tomando decisões com base nessa ideia errada, não está tomando boas decisões.
Além disso, o custo da falta de diversidade foi bem quantificado em estudos. A McKinsey e outras consultorias fizeram estudos que estimam o benefício significativo da diversidade para a inovação, a receita e os lucros gerais. Portanto, quando uma empresa decide manter o status quo e ter uma liderança homogênea, ela não está se beneficiando do potencial criativo gerado por ter pessoas de diferentes origens trabalhando juntas em um problema.
F: Em 2020, vimos uma onda de protestos contra o racismo nos Estados Unidos e no Brasil, principalmente devido ao assassinato de George Floyd. Também nos últimos anos, vimos que as demissões em massa nas empresas demitiram majoritariamente pessoas negras. Como você analisa esse contexto? Como o espaço para as pessoas negras no mercado de trabalho deve se desenvolver nos próximos anos?
F: Quando falamos sobre mulheres negras, vemos a falta de recursos para que elas possam se dedicar integralmente ao trabalho, especialmente em apoio para cuidar de seus filhos. O que você acha que deveria ser prioridade para as empresas que pensam em contratar mulheres negras?
HMG: Este é um exemplo de quando você desenvolve políticas para a população que mais é impactada pelo problema, todos saem beneficiadas. Você simplesmente não pode esperar que mães e cuidadores se sobressaiam no trabalho se não houver a oferta de creches. E isso é importante, obviamente, para as mulheres que não têm dinheiro extra para pagar babás para seus filhos e, também, para homens que são pais. É fundamental que mulheres com filhos tenham regimes de trabalho flexíveis e empresas que ofereçam berçários e outras opções de cuidados para crianças. Vimos que isso tem um tremendo impacto na retenção e na produtividade dos funcionários.
F: A IA (inteligência artificial) está avançando muito. Ao mesmo tempo, vemos muitos riscos surgindo com ela, como o viés do racismo algorítmico. Como a IA tem reproduzido preconceitos?
HMG: A falta de diversidade na indústria da tecnologia está permitindo a sistematização de preconceitos nos códigos de IAs. Temos muitas evidências de que a IA reuniu os preconceitos que existem em nossa sociedade e, sem intervenção humana para reverter isso, ela pode gerar perigosas violações de direitos dos cidadãos. A organização da qual sou presidente do conselho, a Color of Change, tem trabalhado muito com esse assunto. O presidente da Color of Change [Rashad Robinson] deu um depoimento na última semana no Senado dos EUA sobre a necessidade de ter leis para regulamentar a inteligência artificial.
F: Você já viu empresas se beneficiarem, na prática, de ter mais diversidade, especialmente em posições de liderança e tomada de decisões? Se sim, como?
HMG: Sim, claro. Eu estava falando com a liderança executiva de uma grande empresa de fabricação de energia nos Estados Unidos outro dia. Eles acabaram de ter sua primeira CEO mulher e tiveram grandes aumentos na diversidade racial nos cargos de liderança nos últimos anos. A sua lucratividade disparou e a cultura dos executivos realmente mudou para ser mais aberta, inovadora e arriscada. Eles atribuem os ganhos diretamente à maior diversidade.
F: Quais você acha que são as medidas que as empresas precisam tomar para que essas pessoas possam ter sucesso em suas carreiras e participar da liderança?
Isso significa que novos canais precisam ser criados, novos relacionamentos com diferentes comunidades, bairros e universidades – e que os empregadores precisam estar sempre recrutando. Eles não podem simplesmente aceitar as primeiras 50 candidaturas que chegarem para uma vaga, a busca por essas pessoas precisa ser intencional e ativa
F: Quais medidas não apenas as empresas, mas também os governos precisam tomar para que esse aumento de pessoas negras no mercado de trabalho não aconteça apenas a curto prazo, mas avance no futuro?
HMG: Precisamos da divulgação dos panoramas raciais e étnicos das lideranças e dos funcionários de empresas de capital aberto. Quando há demissões que impactam desproporcionalmente um grupo, deve haver uma forte crítica disso.
F: O que você tem aprendido ao viajar pelos Estados Unidos, e pelo mundo, conversando com pessoas sobre desigualdade e racismo?
HMG: Aprendi a importância das histórias, crenças e narrativas culturais. E fiquei mais otimista, na verdade, porque entendi que temos mais em comum do que aquilo que nos separa.