Produtividade, faturamento e criatividade são frutos da diversidade, diz pesquisadora

14 de novembro de 2023
Divulgação/Heather McGhee

Heather McGhee é especialista em economia, políticas públicas e desigualdade racial

Heather McGhee viaja para cada canto dos Estados Unidos ouvindo pessoas sobre como o preconceito racial e discriminatório afetou suas vidas, seja na oferta de infraestruturas públicas ou na obtenção de empregos. Sua curiosidade por tais histórias começou ao descobrir que, no século XX, comunidades preferiam destruir suas piscinas comunitárias ao invés de abri-las para o uso de pessoas negras.

Hoje, McGhee é presidente do conselho da Ong norte-americana Color of Change e autora do livro “The sum of us: What racism costs everyone and how we Can prosper together” (A soma de todos nós: o custo do racismo para todos e como podemos prosperar juntos, em tradução livre. Ainda sem edição no Brasil), em que reúne dados para provar o real prejuízo econômico do preconceito racial. Já tendo passado pela diretoria de outras Ongs e publicações de ciência política, McGhee é especialista em economia, políticas públicas e desigualdade racial.

  • Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida

Em visita ao Brasil para o “Filantropando: oxigenando boas ações”, evento promovido pelo Instituto Beja, Heather McGhee conversou com a Forbes sobre os impactos do racismo para as empresas, demissões discriminatórias e o racismo por trás de inteligências artificiais.

Forbes: Em seu livro, você fala bastante sobre as “drained-pool politics” (políticas de piscinas esvaziadas). O que são essas políticas e como elas afetam a população em geral, e não apenas as pessoas negras?

Heather McGhee: A ideia de “drained-pool politics” está ligada à história de quando estados dos EUA preferiam esvaziar suas piscinas públicas ao invés de permitir o uso delas por pessoas negras. Ou seja, comunidades estavam dispostas a destruir seus bens públicos em vez de integrá-los à população negra. E eu tomo isso como uma metáfora para descrever onde vemos muitas falhas em encontrar soluções para problemas que afetam a todos.

Leia também

F: Em sua palestra, você disse que o racismo afeta a todos, e não apenas os negros. Qual é o custo do racismo para as empresas?

HMG: O custo do racismo para os negócios é a má tomada de decisões. Racismo é a crença de que alguns grupos de pessoas são melhores do que outros, o que é discriminatório. Se você está tomando decisões com base nessa ideia errada, não está tomando boas decisões.

Além disso, o custo da falta de diversidade foi bem quantificado em estudos. A McKinsey e outras consultorias fizeram estudos que estimam o benefício significativo da diversidade para a inovação, a receita e os lucros gerais. Portanto, quando uma empresa decide manter o status quo e ter uma liderança homogênea, ela não está se beneficiando do potencial criativo gerado por ter pessoas de diferentes origens trabalhando juntas em um problema.

F: Em 2020, vimos uma onda de protestos contra o racismo nos Estados Unidos e no Brasil, principalmente devido ao assassinato de George Floyd. Também nos últimos anos, vimos que as demissões em massa nas empresas demitiram majoritariamente pessoas negras. Como você analisa esse contexto? Como o espaço para as pessoas negras no mercado de trabalho deve se desenvolver nos próximos anos?

HMG: Eu acho que é muito importante que haja responsabilização por demissões discriminatórias. Marcas em todo o mundo se beneficiaram por se declarar apoiadoras de pessoas negras e com lançamentos de programas de diversidade, porque consumidores se preocupam com a diversidade e os valores das empresas. E eles fizeram isso num momento de atenção a esse assunto e, agora, estão tentando romper com esses compromissos no escuro. Portanto, deve haver responsabilidade também. Deve haver tanta atenção na mídia para o fim dessas iniciativas e programas quanto houve para o lançamento deles. É fácil se beneficiar de um momento cultural e social importante e não estar disposto a investir no longo prazo nos tipos de líderes e programas que podem mudar fundamentalmente o seu modelo de negócios.

F: Quando falamos sobre mulheres negras, vemos a falta de recursos para que elas possam se dedicar integralmente ao trabalho, especialmente em apoio para cuidar de seus filhos. O que você acha que deveria ser prioridade para as empresas que pensam em contratar mulheres negras?

HMG: Este é um exemplo de quando você desenvolve políticas para a população que mais é impactada pelo problema, todos saem beneficiadas. Você simplesmente não pode esperar que mães e cuidadores se sobressaiam no trabalho se não houver a oferta de creches. E isso é importante, obviamente, para as mulheres que não têm dinheiro extra para pagar babás para seus filhos e, também, para homens que são pais. É fundamental que mulheres com filhos tenham regimes de trabalho flexíveis e empresas que ofereçam berçários e outras opções de cuidados para crianças. Vimos que isso tem um tremendo impacto na retenção e na produtividade dos funcionários.

F: A IA (inteligência artificial) está avançando muito. Ao mesmo tempo, vemos muitos riscos surgindo com ela, como o viés do racismo algorítmico. Como a IA tem reproduzido preconceitos?

HMG: A falta de diversidade na indústria da tecnologia está permitindo a sistematização de preconceitos nos códigos de IAs. Temos muitas evidências de que a IA reuniu os preconceitos que existem em nossa sociedade e, sem intervenção humana para reverter isso, ela pode gerar perigosas violações de direitos dos cidadãos. A organização da qual sou presidente do conselho, a Color of Change, tem trabalhado muito com esse assunto. O presidente da Color of Change [Rashad Robinson] deu um depoimento na última semana no Senado dos EUA sobre a necessidade de ter leis para regulamentar a inteligência artificial.

F: Você já viu empresas se beneficiarem, na prática, de ter mais diversidade, especialmente em posições de liderança e tomada de decisões? Se sim, como?

HMG: Sim, claro. Eu estava falando com a liderança executiva de uma grande empresa de fabricação de energia nos Estados Unidos outro dia. Eles acabaram de ter sua primeira CEO mulher e tiveram grandes aumentos na diversidade racial nos cargos de liderança nos últimos anos. A sua lucratividade disparou e a cultura dos executivos realmente mudou para ser mais aberta, inovadora e arriscada. Eles atribuem os ganhos diretamente à maior diversidade.

F: Quais você acha que são as medidas que as empresas precisam tomar para que essas pessoas possam ter sucesso em suas carreiras e participar da liderança?

HMG: A mentoria é muito importante, porque existem regras implícitas no ambiente de trabalho. Muitas vezes, se você faz parte de um grupo sub-representado, são as regras não escritas que o impedem de avançar. Tudo isso tem que começar pelo topo. Líderes e executivos precisam trabalhar mais do que ninguém para desaprender seus preconceitos e para ouvir as pessoas negras, incluindo aquelas que já deixaram a empresa. É preciso haver o tipo de expectativa de diversidade que não tolere equipes totalmente brancas.

Isso significa que novos canais precisam ser criados, novos relacionamentos com diferentes comunidades, bairros e universidades – e que os empregadores precisam estar sempre recrutando. Eles não podem simplesmente aceitar as primeiras 50 candidaturas que chegarem para uma vaga, a busca por essas pessoas precisa ser intencional e ativa

F: Quais medidas não apenas as empresas, mas também os governos precisam tomar para que esse aumento de pessoas negras no mercado de trabalho não aconteça apenas a curto prazo, mas avance no futuro?

HMG: Precisamos da divulgação dos panoramas raciais e étnicos das lideranças e dos funcionários de empresas de capital aberto. Quando há demissões que impactam desproporcionalmente um grupo, deve haver uma forte crítica disso.

F: O que você tem aprendido ao viajar pelos Estados Unidos, e pelo mundo, conversando com pessoas sobre desigualdade e racismo?

HMG: Aprendi a importância das histórias, crenças e narrativas culturais. E fiquei mais otimista, na verdade, porque entendi que temos mais em comum do que aquilo que nos separa.