A Sears foi a tentação do varejo. Mas o paraíso acabou

30 de novembro de 2018
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A Sears pediu concordata em outubro, quebrada como um relógio de bolso

Quando criança, eu costumava ir com minha mãe ao Paraíso. Uma das filiais da Sears no Brasil ficava no bairro do Paraíso, em São Paulo. Cresci, e, adulto, raramente voltei ao Paraíso – vivo nos EUA há 30 anos –, mas continuei vagando pela Sears.

A história de proporções bíblicas da loja é a história do avanço do varejo em larga escala, baseado na variedade de itens, pelo interior e pelos subúrbios americanos, a partir de 1893, impulsionado pelo correio e pelas ferrovias. Eu já morei nos cafundós do Meio-Oeste, e há 24 anos estou vivendo em subúrbios de Nova York, em Nova Jersey. A Sears faz parte da minha história de consumidor.

Não vou dizer que ela tenha sido minha segunda casa, mas sempre foi muito familiar, sempre havia uma filial perto de casa com sua profusão de ferramentas, eletrodomésticos e muitos outros apetrechos (só não peguei o tempo de encomendar uma charrete pelo catálogo).

Paraíso mesmo era a Sears paulistana em meados dos anos 60, vanguarda da diversidade de ofertas e da sofisticação quando ainda não tínhamos shopping centers, tudo com aquele fantástico bordão: satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Mas agora tudo isso é passado, um passado de glórias e de uma melancolia do tamanho de seus catálogos de papel (o de 1897 tinha 770 páginas). A Sears pediu concordata em outubro, quebrada como um relógio de bolso.

A metáfora é pontual, pois tudo começou com o agente ferroviário Richard Sears vendendo um lote descartado de relógios de bolso. Aí, ele se associou ao relojoeiro Alvah Roebuck para entrar no negócio dos catálogos. Já no começo do século 20, o negócio passou para Julius Rosenwald, um fornecedor de ternos, e ele expandiu o catálogo para a Big Store (nome do livro de 1987 com a história da Sears).

O salto para as lojas aconteceu com a urbanização e a suburbanização. Assim, ela contribuiu para disseminar a cultura do automóvel. Em 1925, a Sears abriu a primeira loja em Chicago. Em uma década, as vendas nas lojas superaram as do catálogo. Ela chegou a entregar domicílios (desmontados) a domicílio! Em meados do século 20, representava 1 em cada 100 dólares gastos nos EUA.

O grupo diversificou e investiu em seguros e cartão de crédito. E foi às alturas quando abriu a Sears Towers em Chicago, em 1973, com 100 andares – era o edifício mais alto do mundo, rebatizado como Willis Tower em 2009.

O capitalismo, porém, é a saga da construção e da destruição criativa. Torres desabam e outras sobem. Na decadência, num abraço de afogados, houve a fusão da Sears com outro dinossauro do varejo, a Kmart, fundada em 1899.

A Sears foi destronada pela Walmart como maior varejista americana e, em seguida, atrofiada pela Amazon e pelos planos mirabolantes do seu CEO, Edward Lampert, de reduzir a publicidade e os estoques e reformar as lojas. Recentemente, fui comprar lâmpadas na filial perto de casa, e o atendimento estava às trevas.

A Sears foi destronada pela Walmart e atrofiada pela Amazon. Tem futuro?

Outro apagar de luzes que arrancou lágrimas aconteceu no começo do ano. A Toys ‘R’ Us, a gigante dos brinquedos, onde deixei parte da herança das filhas, fechou todas as suas 879 lojas. Outros grupos, no entanto, resistem aos tentáculos da Amazon. Walmart, Best Buy e Home Depot tiram vantagem da derrota da velha guerreira Sears.

O celular hoje é um catálogo que cabe no bolso. A Sears garante que tem futuro e que irá se recompor com a concordata. No entanto, talvez ela deva ser lembrada com o mesmo carinho nostálgico que sentimos em relação a um relógio de bolso (quebrado ou não). Não posso reclamar. Eu já estive no Paraíso.

Ironicamente, eu soube da quebra da Sears ouvindo o rádio enquanto dirigia o carro na minha rotina suburbana. Contra a lei e o bom senso, no semáforo vermelho, chequei as mensagens no celular. Havia uma de madame Blinder sobre uma encomenda entregue em casa. Da Amazon.