Quem planta, colhe: a poesia por trás da colheita de uvas

8 de setembro de 2021
Djordje_Stojiljkovic/Getty Images

Na produção de vinhos, ter técnica é sempre bom, mas é imprescindível que ela seja alinhada com a sensibilidade, a emoção

Para muitos, a verdadeira consciência do processo de uma uva virar vinho é bem longe do que a realidade em si. Não porque falta informação ou porque não existe acesso a leituras e vídeos, mas, porque existem percepções e sensações que só estando no momento presente para sentir.

Um ano de preparação. Existe carnaval, Burning Man, Natal, Halloween, Réveillon e existe colheita de vinhos, entre outros inúmeros eventos anuais. Alguns são mais pontuais com preparação de dias ou semanas. Outros, como a colheita, é resultado de um ano de preparação. Vidas e vidas envolvidas, um universo único de apreciação da natureza, dos prazeres e sensações de vinhos e alimentos harmonizados, ou não. Tem também partidas de futebol, colaborações beneficentes, parcerias e organizações para melhorias de plantio, sustentabilidade e envolvimento com a comunidade.

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Existem vários níveis de envolvidos. Há os proprietários, os que gerenciam os vinhedos o ano todo, os que fazem barricas e todos os equipamentos necessários para colher, prensar, fermentar, engarrafar, transportar o vinho mas, de todas as pessoas da cadeia, quem dá o ritmo da música é o enólogo/produtor de vinho.

É ele quem respira essa arte, quem caminha no vinhedo constantemente, entendendo o clima e como as vinhas estão se comportando em relação ao seu crescimento e rendimento. Eles sabem sobre cada uma das vinhas. “Estas aqui foram afetadas pela geada, mas essa ao lado não, então, tivemos que tirar os cachos”, “estas estão dando uvas com um amargor fora do normal”, dizem. Eles sabem sentir a natureza, os ventos, entendem quais fileiras são mais quentes. Estar em constante contato com essa rotina é o que faz ter essa sensibilidade. É uma posição laboral que não se pode fazer sem paixão e, apesar de acreditar que nenhuma profissão deveria ser vivida sem esse sentimento, algumas têm um grau diferente de sensibilidade como a alquimia de se fazer vinho.

Uma garrafa de vinho vem com um ano de sol, vento, frio, pássaros, borboletas, cachorros correndo, cavalos, besouros, coelhos pulando, pessoas de diferentes nacionalidades cantando suas músicas, às vezes chorando e muitas vezes sorrindo. A tensão de incêndios, geadas, alagamentos, pragas é igual para quem vê o índice vermelho da bolsa de valores. A fragilidade está em todo lugar.

Alguns meses antes se começa a manutenção das máquinas, limpeza dos equipamentos, engarrafamento dos vinhos do ano anterior para liberar espaço, troca de barricas para aqueles que utilizam novas todo ano. Os atrasos e furos também!
Quando vai chegando mais perto, acontecem passagens pelo vinhedo cedo pela manhã para marcar as uvas que já estão prontas a colher. Isso se repete constantemente. Cada um com sua técnica, desde medir os índices da uva ainda no cacho até a mais antiga das técnicas: experimentá-las. É como cozinhar, tem pessoas que gostam de medir e seguir receita e tem os que são mais livres. Alguns são enólogos e outros fizeram algum curso básico e aprenderam na raça do dia a dia. Ter técnica é sempre bom, mas é imprescindível que ela seja alinhada com a sensibilidade e a emoção. Sem isso, vira um feijão meio sem sal.

É uma verdadeira sinfonia! Colhe, transporta, prensa ou fermenta direto, todos os passos sincronizados como uma dança pois cada segundo conta. Principalmente porque a temperatura tem que ser baixa para as uvas não começarem a fermentar antes do tempo e por isso a colheita geralmente é bem cedo na manhã. Alguns alugam ou possuem iluminação noturna para evitar esse processo de fermentação antecipada.

São semanas acompanhando o processo exaustivo, físico e mental, mas, ao mesmo tempo, o mais excitante do ano. São nessas situações extremas que se criam vínculos e que se conhece a fundo quem está ao seu lado. Ter a oportunidade de sentar e olhar já é mágico! Todos aqueles cachos de uvas sendo colhidos a mão, toda a energia das pessoas, dos seus sonhos e dos pensamentos no trabalho meditativo e energizante que é trabalhar em contato com a natureza, contribuindo para preencher a vida das pessoas com garrafas que enriquecem os momentos da vida.

Muitas, muitas coisas na nossa vida não sabemos quem produziu, quem se dedicou para que acontecesse. É muito modificador ter contato com a criação, com a origem e com o entendimento do processo para se valorizar o presente. Quanto mais se entende o processo, mais se respeita o resultado, mais se valoriza. Mais se degusta com toda a amplitude que se pode alcançar.

A colheita é um processo maravilhoso e com uma reafirmação constante de que com paixão, dedicação e adaptação para com o resultado, seja qual for a safra, só se pode colher líquido divino.

Tchin tchin

Carolina Schoof Centola é fundadora da TriWine Investimentos e sommelière formada pela ABS, especializada na região de Champagne. Em Milão, foi a primeira mulher a participar do primeiro grupo de PRs do Armani Privé.

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