Há quem diga que a diminuição do papel da justiça trabalhista se deve a sua suposta parcialidade, ou a “síndrome de Robin Hood” de seus juízes. Acusam-na de estrangular o raciocínio jurídico para privilegiar sempre o trabalhador; ou de fazer justiça social e não Justiça. (A opinião parece ser partilhada pela população — basta passar os olhos sobre as seções de comentários de notícias relacionadas a decisões trabalhistas na imprensa para se deparar com críticas contundentes à sua atuação e até à sua simples existência.)
Não é possível afirmar que a perda de poder da Justiça do Trabalho se deva, de fato, a tudo isso que lhe imputam. Contudo, o que se pode afirmar com tranquilidade é que os Tribunais do Trabalho tendem a ser refratários a mudanças, sobretudo legislativas, que representem maior espaço de negociação individual, maior liberdade dos particulares e menor intervenção estatal na vida privada – aspectos que devem ser a tônica do novo e tecnológico mundo do trabalho, já visível neste início de século. A reforma trabalhista e a resistência a ela estão aí para comprovar o que digo.
“A maior tentação a que somos submetidos, como juízes do trabalho, é a de acharmos que sabemos melhor o que é bom para os trabalhadores e empregadores que eles mesmos. Tal tentação, fundada, devemos reconhecer, na vaidade em relação às próprias ideias e no orgulho de achar que nossa visão é a melhor que a alheia, tem levado a supervalorizar o princípio da proteção e a desprezar o princípio da subsidiariedade, em sistemática intervenção judicial nas relações laborais (…) Se a raiz do problema pode estar, ou não, numa visão (não admitida) do desejo de se ter um controle absoluto sobre as relações laborais (um certo “gosto pelo poder”, sempre ampliativo de competências) ou de se sentir realizado com um paternalismo (ou “complexo de super-mãe”) promotor da Justiça Social, mas que acaba sendo sufocante sobre os trabalhadores e seus sindicatos, o fato é que suas manifestações e efeitos são, inegavelmente, os mais acima descritos, num intervencionismo que tem passado do ponto de equilíbrio que harmonize as relações sociais, já que as tem acirrado ultimamente em nosso país, a par de gerar, como concausa, o aumento do desemprego e o afastamento dos investimentos estrangeiros e inclusive pátrios.”
Uma justiça trabalhista — independentemente de ser, ou não, um ramo autônomo do judiciário — é imprescindível a uma sociedade que se quer civilizada. Conflitos oriundos do mundo do trabalho sempre existirão e precisarão de um adequado enfrentamento por um Judiciário que, por isso, precisa ser preparado para lidar com essa espécie muito particular de conflito.
É indispensável, portanto, que a magistratura trabalhista se aperceba de seu papel contemporâneo, que pode ser simplificado nos seguintes termos: o Estado deve intervir tão somente quando os particulares não forem capazes de resolverem, por si só, seus próprios problemas, cabendo-lhe prestigiar e assegurar o cumprimento das escolhas feitas pelos indivíduos, desde que estas tenham observado a legalidade.
Em outras palavras, é imperioso que a Justiça do Trabalho se concentre em outro tipo de ativismo: o de buscar um amadurecimento institucional que lhe faça ocupar um papel de equilíbrio numa sociedade democrática. Sob pena de ter de continuar a assistir, passivamente, a contínua restrição de seu âmbito de atuação.
Ana Fischer é juíza do Trabalho da 3ª Região. Integrou a comissão de redação da Reforma Trabalhista e de outras normas legais. É uma das coordenadoras do GAET – Grupo de Altos Estudos do Trabalho do Ministério da Economia.
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