Conheça a Archegos, empresa por trás da venda de US$ 30 bilhões em Wall Street

30 de março de 2021
Gary Hershorn/GettyImages

Com sede em Nova York, a companhia derrubou os mercados ontem e pode gerar um prejuízo bilionário para bancos norte-americanos

O site da Archegos Capital Management, a empresa por trás de uma liquidação financeira de US$ 30 bilhões que está derrubando as ações em todo o mundo, tinha uma fotografia gigante do Central Park. A imagem exibida na página da Archegos era uma homenagem adequada às vistas de seus escritórios no topo de um arranha-céu de Manhattan, até que a página foi retirada do ar quando a empresa foi liquidada.

A Archegos era um gigante no mercado financeiro dos EUA que, aparentemente, detinha dezenas de bilhões de dólares em títulos, incluindo exposições maciças em empresas como ViacomCBS, Discovery Communications e Baidu. Ela negociava com as maiores corretoras de Wall Street e estava sediada em um endereço caro que abrigava muitas firmas de investimento poderosas. Mas quando se tratava de divulgações financeiras de rotina, a Archegos era praticamente inexistente.

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A Forbes procurou por vestígios da Archegos no repositório da SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) para arquivamentos de documentos, o chamado EDGAR, abreviação para Electronic Data Gathering, Analysis, and Retrieval. Surpreendentemente, quase nada apareceu.

O EDGAR é a luz do sol nos mercados financeiros dos EUA. As empresas devem divulgar informações relevantes em arquivos no site. Grandes fundos de investimentos informam suas participações e quaisquer mudanças em seu posicionamento. Quase todos os aumentos de capital público são documentados no EDGAR, e todos os tipos de entidades se revelam nele. O EDGAR é um tesouro de informações.

Isto é, exceto quando se trata da Archegos e do seu fundador e coCEO Sung Kook (Bill) Hwang. A Forbes não conseguiu encontrar um único documento da Archegos, apesar do seu tamanho de uma baleia que agora pressiona bancos como o Goldman Sachs e o Morgan Stanley. Teria sido bom saber sobre Hwang e os riscos aparentemente impressionantes que ele e sua empresa estavam correndo.

Educado nos EUA, Hwang fez seu nome na década de 1990 e no início de 2000 no famoso fundo de hedge Tiger Management de Julian Robertson. Depois de construir um currículo na Tiger, ele se separou e fundou seu próprio fundo de hedge, o chamado Tiger Asia em 2001, supostamente com o apoio de Robertson. A empresa de Hwang era um “filhote de tigre”, um termo que os insiders usam para descrever as dezenas de fundos de hedge com DNA que remonta à lendária empresa de Robertson. A Tiger Asia se tornou um dos maiores investidores nos mercados financeiros asiáticos, gerenciando bilhões de dólares em ativos em seu pico. Então tudo desabou.

Em 2012, a SEC, abriu um caso de negociação com informações privilegiadas e manipulação de mercado contra Hwang e a Tiger Asia. A empresa e seu fundador concordaram em pagar US$ 44 milhões em multas e penalidades totais. A Tiger Asia Management, empresa de gestão, admitiu infringir a lei. A investigação da SEC efetivamente tirou a Tiger Asia do mercado.

Então, em 2013, Hwang transformou a empresa em um “family office”, criado para administrar seu patrimônio privado. O family office, Archegos Capital Management, parece ser enorme, não apenas em tamanho e escopo, mas também em apetite pelo risco. No entanto, seu status de family office isenta-o dos requisitos de relatórios da SEC das empresas de investimento.

Historicamente, os family offices não eram obrigados a se registrar na SEC de acordo com a Investment Advisers Act (lei de assessores de investimento, em tradução livre) de 1940 devido a uma isenção concedida a empresas com menos de 15 clientes. Quando a Lei Dodd-Frank foi sancionada em 2010, a isenção de 15 clientes foi removida, aumentando drasticamente a transparência sobre fundos de hedge e firmas de private equity. A lei incluiu uma cláusula que isentava explicitamente os family offices dos relatórios. Assim, como um family office, a empresa de Hwang não era obrigada a divulgar muito.

Mas muitos dos bilionários que converteram seus fundos de hedge em family offices ainda prestam informações aos reguladores. Lendas de Wall Street como George Soros, Leon Cooperman, John Paulson, Michael Platt e David Tepper informam suas participações acionárias nos EUA em depósitos trimestrais de títulos. Seus portfólios de ações e derivativos de ações negociados em bolsa ultrapassam US$ 100 milhões, o limite que as empresas de investimento são obrigadas a divulgar suas participações.

No entanto, parece que o family office de Hwang não tinha obrigações de divulgação de acordo com os requisitos de relatórios da SEC. Mesmo apesar de possuir dezenas de bilhões de dólares em exposição a empresas de capital aberto listadas nos EUA.

A Archegos parece ter construído seu posicionamento quase exclusivamente por meio de negociações de swap e seu relacionamento com um punhado de corretoras. Segundo informações da Bloomberg e do The Wall Street Journal, a unidade de Hwang apoiou-se fortemente em swaps para construir suas posições em empresas como a ViacomCBS. Os swaps são uma ferramenta eficaz para assumir grandes riscos sem revelar muito. Os swaps de retorno total, por exemplo, permitem que um investidor negocie uma operação com sua corretora para ter o retorno total de uma ação, ou cesta de ações, por um tamanho e período de tempo predeterminados e a um custo acordado. Eles exigem uma fração do dinheiro para comprar uma ação imediatamente e são discretos. Os swaps não estão incluídos nos requisitos de relatórios da SEC, portanto, o portfólio monstruoso de Hwang estava quase totalmente escondido da vista de todos. “Parece que eles ganharam a maior parte, senão toda, sua exposição a vários títulos por meio de acordos de swap”, diz Robert Willens, especialista em questões de direito tributário e de valores mobiliários.

Uma olhada nos maiores acionistas da ViacomCBS revela algo estranho: Morgan Stanley, Credit Suisse, Nomura, UBS e Goldman Sachs são todos acionistas massivos. Os maiores detentores são os gigantes dos fundos de índice BlackRock e Vanguard.

De acordo com a Bloomberg, o Goldman Sachs se sentia desconfortável em trabalhar com Hwang depois de seus problemas com a SEC, mas acabou cedendo quando os negócios foram para os concorrentes do outro lado da rua. Agora, os acionistas do Goldman Sachs, Morgan Stanley e outras corretoras aguardarão quaisquer detalhes sobre as perdas sofridas por seu misterioso cliente. As notícias não parecem particularmente boas.

Em um comunicado na noite de ontem, a corretora japonesa Nomura revelou que tem uma reclamação de US$ 2 bilhões contra um único cliente devido a perdas comerciais. A revelação fez com que suas ações despencassem nas negociações da madrugada. Na manhã de segunda-feira, o Credit Suisse avisou seus acionistas que um “fundo de hedge significativo com base nos Estados Unidos deixou de atender às chamadas de margem feitas na semana passada pelo Credit Suisse e alguns outros bancos.”

As questões que surgem da liquidação da Archegos são importantes: as grandes corretoras de Wall Street faziam alguma gestão de risco real antes da implosão? Havia alguma preocupação com o uso pesado de swaps da Archegos e a opacidade de seu posicionamento, ou com os riscos de oferecer bilhões de dólares em negociações bilaterais a uma entidade com um histórico complicado em questões como manipulação de mercado e negociações privilegiadas? Será que as altas taxas de transações de swap complexas e arranjos de empréstimos afogaram quaisquer preocupações dos responsáveis pela conformidade e gerenciamento de riscos?

O mais desconcertante de tudo, como uma empresa sediada em Nova York com um portfólio tão grande e apetite pelo risco quase não fazia divulgações financeiras?

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