Um movimento que, segundo os especialistas, será duplo pois, além de buscar a recuperação das perdas com a pandemia, o setor deve se transformar para continuar relevante frente aos novos tempos e ao perfil do consumidor pós-pandemia.
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“Essa foi a mensagem mais importante que tivemos dos nossos clientes”, comenta Thiago Alonso de Oliveira, CEO da JHSF, que viu no quarto trimestre do ano passado, época em que o comércio ainda não estava funcionando a 100%, as lojas nos seus shoppings venderem mais que em 2019 no mesmo período. “Depois de seis ou oito meses sem poder sair de casa, quando puderam sair, os clientes quiseram voltar para os nossos shoppings. Significa que conseguimos construir alguma coisa de prazeroso na memória de sensações deles com relação aos nossos espaços.”
Diferente de outros povos, a relação do brasileiro com o shopping migrou ao longo dos anos de destino de compras para opção de lazer. Cinemas, teatros, restaurantes, serviços diversos e a segurança de ambiente controlado conquistaram o público e ampliaram o mix ofertado, contribuindo para que o setor continuasse em crescimento mesmo em períodos de crise econômica. “A indústria de shoppings sempre se destacou por sua resiliência, tanto para investidores quanto para lojistas, e agora não está sendo diferente”, avalia Felipe Rodrigues, fundador da Legatus Asset Management, gestora especializada em shoppings, sócia da Aliansce Sonae.
Para o executivo, desta vez, a retomada deve se dar em dois tempos. “É preciso segregar os aproximadamente 600 shoppings do Brasil em dois grupos. Os shoppings em capitais e de players de mercado terão uma retomada bem acelerada entre 18 a 24 meses. Já os localizados em cidades secundárias ou de empreendedores independentes demorarão três anos, em alguns casos até mais, para atingir novamente o patamar econômico de 2019”, afirma.
O impacto do tapume
Um dos fatores a ser observado é o nível de vacância. “Todos os shoppings perderam lojistas na pandemia, mas os shoppings mais fortes têm uma capacidade de recuperação muito grande. Curiosamente, temos na carteira de ativos de shoppings que hoje estão com nível de vacância menor do que tínhamos em fevereiro do ano passado”, comenta Alexandre Machado, sócio-fundador e diretor da Hedge Investments, destacando os da região Centro-Oeste, favorecidos pelo cenário econômico da região que aproveitou a demanda mundial por commodities e o câmbio favorável às exportações. “Se o shopping tem muita vacância, ele perde a atratividade porque, de um lado, ele não consegue oferecer o mesmo mix que oferecia antes, e, de outro, o consumidor fica triste ao circular por corredores cheios de tapumes”, diz Machado. “E, se a pessoa não está alegre, ela não consome.” Machado ressalta que, além da atratividade, a vacância compromete o resultado, pois o dono do shopping perde a receita do aluguel e tem de custear a despesa do condomínio. Considera, porém, que um nível controlado de vacância, inferior a dois dígitos, pode contribuir para que os empreendedores atualizem o portfólio de lojas de forma mais interessante.
“Existem marcas bem estabelecidas que não conseguiam espaços nos shoppings e agora há oportunidade para elas com preços até mais atraentes por causa dessas áreas vagas”, avalia também o analista Renan Manda, da XP. Para preencher os vazios, o setor está se adaptando aos novos hábitos de consumo que ganharam força ao longo da pandemia e acelerando o debate sobre inovação e transformação digital dos shoppings. É certo, por exemplo, que o e-commerce ganhou espaço e, para muitos produtos, a compra presencial deixou de fazer sentido. Nesse caso, a estratégia é oferecer soluções omnichannel, em que o shopping atua como mall as a hub, integrando o varejo físico e o digital, conectando lojistas e disponibilizando espaços para estoques, centros de distribuição, cross docking e outras ferramentas de logística; dark stores (lojas fechadas que só vendem pela internet) e marketplaces. Até as garagens, que representam algo em torno de 20% do faturamento dos shoppings, estão sendo repensadas.
Fazenda na garagem
Antes da pandemia, com a expansão do uso de carros por aplicativos e de bicicletas, alguns operadores mais antenados já percebiam que teriam de redimensionar as imensas garagens dos shoppings e encontrar outra utilidade para elas. Uma experiência foi a parceria entre a BeGreen Farm e o Shopping Boulevard, em Belo Horizonte (MG). Eles inauguraram, em 2017, uma fazenda urbana com capacidade para 50 mil pés de hortaliças. “Estacionamentos de shoppings são perfeitos porque estão bem localizados, com fluxo de clientes e nos dão a possibilidade de criar uma experiência sustentável para crianças e família”, afirma Giuliano Bittencourt, CEO da BeGreen Farm, que também abriu uma unidade em um shopping do Rio de Janeiro e planeja quatro inaugurações para este ano, sendo duas em São Paulo, e outras quatro em 2022.
“Nos shoppings nós criamos uma espécie de ‘parque de diversões’ sustentável, onde exploramos desafios de água, reutilização de materiais, energia renovável, além de aulas não convencionais para crianças descobrirem as possibilidades de um mundo mais verde”, comenta. “Ao termos uma BeGreen no shopping, ancoramos aquela área como um espaço sustentável e saudável. Assim, conseguimos atrair parceiros que orbitam este mundo, como restaurantes saudáveis, hortifrutis orgânicos, loja de bicicletas elétricas, padarias artesanais, entre outros.”
Longo prazo
Enquanto busca se reinventar, o setor calcula as perdas com a pandemia. Em 2020, o faturamento de R$ 128,8 bilhões representou uma queda de 33,2% em relação a 2019. Um resultado surpreendente, considerando que nos meses em que estiveram fechados as perdas dos comerciantes chegaram ao patamar de 90%. Para não perder lojistas, as administradoras foram flexíveis na cobrança de aluguéis, custeio dos condomínios e fundos de promoção, assumindo uma perda de R$ 5 bilhões no período mais agudo da crise até setembro do ano passado.
Por causa da resiliência do segmento, havia no início de 2021 a projeção de uma alta nominal de 9,5% nas vendas, porém, novos fechamentos de shoppings em cumprimento a decretos estaduais e municipais no período de fevereiro a abril têm levado a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) a rever as expectativas para 2021 e a reivindicar mais atenção do governo. “Em 2020, os shoppings ficaram 85 dias fechados e 203 dias funcionando com algum tipo de restrição, mas pagaram seus impostos normalmente”, afirma Glauco Humai, presidente da Abrasce. “O poder público, seja federal, estadual ou municipal precisa equilibrar perdas e ganhos da atual conjuntura, através de tributos ou diferimentos de taxas, por exemplo.”
Reportagem publicada na edição 86, lançada em abril de 2021v
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