Muitas empresas ocidentais se moveram rapidamente para romper os laços com a Rússia, abandonando um país que serviu como uma boa fonte de crescimento nas últimas duas décadas, mas que ficou cheio de riscos operacionais e de reputação devido à guerra na Ucrânia.
“Você simplesmente não quer sua marca associada a essa imagem de forma alguma”, disse Adam Tooze, diretor do Instituto Europeu da Universidade de Columbia. “Você quer dar o fora dali.”
O êxodo inaugura um período de maior isolamento na Rússia, que tem fácil acesso a mercadorias importadas desde o fim da Guerra Fria, quando corporações multinacionais entraram no mercado ansiosas para atender uma classe média crescente.
Em 1990, o McDonald’s foi uma das primeiras marcas ocidentais a se estabelecer no país, com centenas de pessoas esperando na fila para experimentar os sanduíches norte-americanos no dia da inauguração. Desde então, a lanchonete abriu mais de 800 estabelecimentos, inclusive na parte oriental do país, perto do Japão, e tem na Rússia e na Ucrânia 9% de suas vendas.
Dezenas de outras empresas seguiram o exemplo e, hoje, a maioria das marcas globais tem algum tipo de presença lá, de Starbucks a Marriott até Louis Vuitton.
A Canada Goose culpou “o ambiente operacional desafiador e as sanções em evolução contra os interesses russos” em sua decisão de pausar os negócios no país. A Ikea também fechou temporariamente suas 17 lojas na Rússia, citando “sérias interrupções na cadeia de suprimentos e nas condições comerciais”.
A Asos disse que “no cenário da guerra contínua, decidiu que não é prático nem correto continuar a negociar na Rússia”. A varejista de moda gerou 4% de suas vendas na Rússia e na Ucrânia no ano passado.
A TJX, empresa-mãe da T.J. Maxx e Marshalls, disse que vai vender sua participação na Familia, uma varejista com 400 lojas na Rússia, e retirar dois executivos do conselho “em apoio ao povo da Ucrânia”. A TJX pagou US$ 225 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) pela participação em 2019.
Rede de sanções
“O que estamos vendo é sem precedentes”, disse Stephanie Petrella, analista sênior da Greenmantle, uma empresa de consultoria macroeconômica e geopolítica. “Essas marcas estão abandonando a Rússia.”
As empresas precisam navegar em uma complexa rede de sanções, incluindo uma expansão significativa de uma regra norte-americana destinada a limitar o acesso da Rússia a produtos projetados com software ou tecnologia dos Estados Unidos. Isso pode exigir que as empresas americanas busquem uma licença especial antes de exportar coisas como smartphones, computadores e peças de aeronaves.
Dada a complexidade e a natureza evolutiva das sanções, especialistas dizem que as companhias podem optar por cumprir critérios além do necessário, em um esforço para reduzir o risco. “Muitas vezes você vê empresas que tecnicamente poderiam ter permissão para operar dizendo que é uma dor de cabeça legal e que vão desistir”, disse Ben Coates, professor de história da Wake Forest University, estudioso de sanções econômicas.
O risco reputacional também está na balança. “Como o McDonald’s pode servir Big Macs em Moscou quando os ucranianos estão sendo bombardeados pelo Kremlin? Não parece bom”, disse Gary Hufbauer, membro do Peterson Institute for International Economics. O McDonald’s não respondeu se continuará operando na Rússia.
O público está unido em seu apoio à Ucrânia e pode pressionar as empresas a cortar os laços com a Rússia como forma de punição. O governo ucraniano pediu que empresas como PlayStation e Xbox saíssem do mercado russo. “As pessoas estão se agarrando às coisas que podem atingir a Rússia”, disse Hufbauer.
O que está em jogo para as marcas ocidentais são bilhões em vendas perdidas. No entanto, a Rússia pode parecer menos atraente à medida que as sanções atingem as carteiras dos consumidores. Os moradores ricos podem reduzir seus gastos com bens de luxo, enquanto os russos comuns podem recorrer a marcas locais mais baratas para esticar seus contracheques.
“Não importa se você pode comprar um iPhone se perder o emprego e for tão pobre que não pode comprar um iPhone”, disse Petrella. “Se a população está ficando cada vez mais pobre, ela não vai poder comprar o seu produto.”
A Rússia já enfrentava um crescimento econômico estagnado nos últimos anos, prejudicado em parte por sanções devido à anexação da Crimeia em 2014. Assim, as empresas “estão perdendo um mercado de médio porte e renda média”, disse Tooze. “Não é um mercado que está impulsionando seus negócios globalmente. Ao contrário da China ou mesmo de um país como o Vietnã, não há esse horizonte de tempo de dez ou 20 anos que absolutamente precisamos estar aqui porque será gigantesco. Não é uma proposta irresistível que você não pode recusar.”